Exame de sangue de rotina identifica quais pacientes com COVID-19 enfrentam maior risco de ficarem gravemente doentes
Um teste padrão que avalia as variações no volume de glóbulos vermelhos pode identificar pacientes hospitalizados com COVID-19 que apresentam risco elevado de adoecer gravemente e sucumbir à doença, de acordo com uma pesquisa recém-publicada e liderada por uma equipe de investigadores da Harvard Medical School no Centro de Biologia de Sistemas do Massachusetts General Hospital.
Os resultados, descritos no JAMA Network Open, são baseados em uma análise retrospectiva de amostras de sangue1 e registros médicos de 1.641 adultos com diagnóstico2 de infecção3 por SARS-CoV-2 e internados em um dos quatro hospitais na área de Boston entre 4 de março e 28 de abril, 2020.
O teste, conhecido como amplitude de distribuição de glóbulos vermelhos, ou RDW (do inglês red cell distribution width), faz parte do perfil completo do hemograma usado rotineiramente por médicos para rastrear, diagnosticar e monitorar uma variedade de condições. O teste RDW mede a variação no volume dos glóbulos vermelhos. Embora o teste não seja usado isoladamente como ferramenta de diagnóstico2, variações nas faixas de RDW podem indicar uma série de anormalidades, desde anemia4 até diabetes5.
No estudo atual, os pesquisadores identificaram que variações no RDW acima da faixa normal prenunciavam maior risco de mortalidade6 entre aqueles hospitalizados por COVID-19.
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O principal desfecho do estudo foi a sobrevida7 do paciente durante a hospitalização. As medidas incluíram RDW na admissão e durante a hospitalização, com um RDW elevado definido como superior a 14,5%. O risco relativo (RR) de mortalidade6 foi estimado dividindo a mortalidade6 daqueles com um RDW elevado pela mortalidade6 daqueles sem um RDW elevado. As taxas de risco de mortalidade6 (HRs) e ICs de 95% foram estimados usando um modelo de risco proporcional de Cox.
Um total de 1.641 pacientes foram incluídos no estudo (idade média [DP], 62 [18] anos; 886 homens [54%]; 740 indivíduos brancos [45%] e 497 indivíduos hispânicos [30%]; 276 não sobreviventes [17 %]).
O RDW elevado (>14,5%) foi associado a um risco aumentado de mortalidade6 em pacientes de todas as idades. O RR para toda a coorte8 foi de 2,73, com taxa de mortalidade6 de 11% em pacientes com RDW normal (1.173) e 31% naqueles com RDW elevado (468).
O RR em pacientes com menos de 50 anos foi de 5,25 (RDW normal, 1% [n = 341]; RDW elevado, 8% [n = 65]); 2,90 na faixa etária de 50 a 59 anos (RDW normal, 8% [n = 256]; RDW elevado, 24% [n = 63]); 3,96 na faixa etária de 60 a 69 anos (RDW normal, 8% [n = 226]; RDW elevado, 30% [104]); 1,45 na faixa etária de 70 a 79 anos (RDW normal, 23% [n = 182]; RDW elevado, 33% [n = 113]); e 1,59 naqueles com ≥80 anos (RDW normal, 29% [n = 168]; RDW elevado, 46% [n = 123]).
O RDW foi associado ao risco de mortalidade6 em modelos de riscos proporcionais de Cox ajustados para idade, nível de dímero-D (fragmento9 D dimerizado de plasmina), contagem absoluta de linfócitos e comorbidades10 comuns, como diabetes5 e hipertensão11 (razão de risco de 1,09 por aumento de 0,5% de RDW e 2,01 para um RDW >14,5% vs ≤14,5%; P <0,001).
Pacientes cujo RDW aumentou durante a hospitalização tiveram mortalidade6 mais alta em comparação com aqueles cujo RDW não mudou; para aqueles com RDW normal, a mortalidade6 aumentou de 6% para 24%, e para aqueles com RDW elevado na admissão, a mortalidade6 aumentou de 22% para 40%.
O estudo concluiu que o RDW elevado no momento da admissão hospitalar e um aumento no RDW durante a hospitalização foram associados ao aumento do risco de mortalidade6 para pacientes12 com COVID-19.
Notavelmente, o achado de que um aumento subsequente no RDW após a admissão foi associado a um risco ainda maior de morte indica que o RDW poderia ser rastreado durante a hospitalização para ajudar a determinar se os pacientes estão respondendo ao tratamento ou piorando.
“Queríamos ajudar a encontrar maneiras de identificar pacientes com COVID de alto risco o mais cedo e facilmente possível – que provavelmente ficarão gravemente doentes e podem se beneficiar de intervenções agressivas, e quais pacientes hospitalizados provavelmente piorarão mais rapidamente”, disse o autor sênior13 John Higgins, professor associado de biologia de sistemas na HMS e pesquisador do Departamento de Patologia14 do Mass General.
Higgins observou que os primeiros relatórios da China indicavam uma resposta inflamatória extremamente intensa em alguns pacientes, mas muito leve em outros. O trabalho anterior de seu próprio grupo revelou que certas mudanças nos números e tipos de células sanguíneas15 durante a inflamação16 estão associadas a resultados de saúde17 ruins em pacientes com doenças como doença cardíaca, câncer18 e diabetes5.
“Rapidamente redirecionamos nossa infraestrutura computacional para a análise da coorte8 de pacientes com COVID-19 que estava crescendo rapidamente na área de Boston na primavera passada”, explicou o primeiro autor Brody Foy, pesquisador em biologia de sistemas na HMS e no Mass General.
Os resultados do estudo podem ajudar os médicos que tratam os pacientes a usar este exame de sangue1 comum como uma ferramenta para monitorar os pacientes em tratamento para COVID-19 e reagir imediatamente se perceberem quaisquer alterações reveladoras.
“Nosso objetivo mais amplo é compreender o conjunto de fatores de risco intrínsecos e eventos clínicos que ditam a gravidade desta infecção3, que pode variar profundamente de pessoa para pessoa, mas, enquanto isso, esperamos que os resultados de nossa análise possam ser de utilidade clínica imediata para aqueles que estão na linha de frente do tratamento de pacientes com COVID-19”, disse o co-autor do estudo Jonathan Carlson, hematologista e pesquisador no Mass General e na HMS.
Os investigadores estão atualmente procurando descobrir os mecanismos que causam elevações de RDW em casos graves de COVID-19.
“Essas descobertas podem apontar para novas estratégias de tratamento ou identificar melhores marcadores de gravidade da doença”, observou o co-autor Aaron Aguirre, professor assistente de medicina da HMS e cardiologista19 e médico intensivista do Mass General.
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Fontes:
JAMA Network Open, publicação em 23 de setembro de 2020.
Harvard Medical School, notícia publicada em 23 de setembro de 2020.