Pequena estrutura no cérebro pode estar determinando a quantidade de alimentos que comemos
Cientistas identificaram um “botão” no cérebro1 que pode ativar ou desativar o consumo de alimentos, pelo menos em camundongos. O efeito dessa região cerebral é tão poderoso que, quando os cientistas a manipularam, camundongos que já estavam satisfeitos continuaram comendo, e até engoliram bolinhas de plástico não comestíveis.
Essa estrutura cerebral que parece influenciar o consumo de alimentos poderá um dia ser alvo de intervenções para perda ou ganho de peso.
Estudos anteriores demonstraram que a ativação de neurônios2 nessa estrutura, chamada núcleo leito da estria terminal (NLET), localizada ao redor do centro do cérebro1 e do tamanho aproximado de uma semente de girassol em humanos, aumenta a ingestão de alimentos em camundongos. Mas não se sabia se o sabor influenciava sua atividade.
Agora, a nova pesquisa aponta que a região recebe e coordena múltiplos fluxos de informações, como níveis de fome, déficits nutricionais e se um alimento é prazeroso de comer. É um “centro-chave” que liga as características sensoriais dos alimentos ao controle de peso, uma descoberta com implicações para a saúde3 humana, de acordo com o artigo publicado na revista Cell.
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“Estou profundamente impressionado com este estudo”, diz Matthew Carter, neurocientista do Williams College em Williamstown, Massachusetts, EUA. O trabalho é incomum ao separar como a fome e as qualidades sensoriais de um alimento afetam o consumo alimentar, diz ele, e demonstra que uma única região cerebral integra uma série de sinais4 para impulsionar o consumo.
A ingestão de alimentos é influenciada por cerca de uma dúzia de regiões do cérebro1. Essas áreas reúnem informações sobre vários fatores que, juntos, impulsionam nosso apetite por algo e a probabilidade de consumi-lo. Uma pessoa com baixos níveis de sal pode desejar um lanche salgado, por exemplo, mas recusar algo amargo. Em 2019, pesquisadores sugeriram que todos esses estímulos poderiam ser canalizados para a região do cérebro1 chamada núcleo leito da estria terminal, mas ainda não estava claro o que exatamente acontecia lá dentro.
Charles Zuker, neurocientista da Universidade de Columbia, em Nova York, e sua equipe queriam rastrear os circuitos cerebrais envolvidos na resposta de um animal aos sabores. Os pesquisadores começaram caracterizando neurônios2 que se tornam ativos quando um camundongo experimenta algo doce. Na amígdala5 central e no hipotálamo6, eles encontraram neurônios2 de detecção de doce com ramificações que se conectam a neurônios2 no NLET.
Quando os cientistas silenciaram esses neurônios2 do NLET, os animais perderam o interesse por açúcar7, mesmo quando estavam com fome, e praticamente pararam de comer. Os pesquisadores também ativaram os neurônios2 do NLET em camundongos que haviam sido alimentados recentemente e, portanto, não deveriam procurar comida. No entanto, a ativação levou os camundongos a ingerir todo tipo de coisa: água (uma substância neutra que eles normalmente ignorariam, a menos que estivessem com sede), sal, gordura8, substâncias amargas e até mesmo bolinhas de plástico.
Em conjunto, esses e outros resultados “nos dizem que o NLET está funcionando como uma espécie de ‘botão’ mestre com controle bidirecional”, diz Zuker. “Se conseguirmos descobrir como manipula esse botão, isso nos dará alguma influência sobre coisas como o peso corporal.”
Pesquisas futuras poderão, um dia, gerar tratamentos que ajudem as pessoas a comer mesmo sem apetite, ou que as impeçam de comer em excesso. Os cientistas descobriram que a ativação dos neurônios2 do NLET permitiu que camundongos que receberam um medicamento quimioterápico supressor9 de apetite mantivessem o peso, enquanto outros experimentos mostraram que a inibição dos neurônios2 do NLET reduziu a ingestão de alimentos.
Além disso, quando a equipe tratou camundongos obesos com semaglutida, o ingrediente ativo dos medicamentos para perda de peso Wegovy e Ozempic, o medicamento promoveu a perda de peso, em parte por atuar em um subconjunto de neurônios2 do NLET por meio de um mecanismo que a equipe ainda está investigando. A semaglutida frequentemente causa efeitos colaterais10 em humanos porque normalmente tem como alvo receptores em uma área do tronco encefálico11 associada à náusea12. Os resultados da equipe sugerem um novo modo de ação que poderia evitar esses efeitos adversos, ignorando o tronco encefálico11.
“Este é um trabalho muito inicial, mas estou animado com os resultados da semaglutida”, diz Haijiang Cai, neurocientista da Universidade do Arizona em Tucson que estuda o NLET. “Quanto mais sabemos sobre como o cérebro1 controla o comportamento alimentar em diferentes condições, mais específicos podemos ser na identificação de alvos promissores para o controle de peso.”
Veja também sobre "Tratamento da obesidade13 com agonistas GLP-1" e "O que é uma alimentação saudável".
Confira a seguir o resumo do artigo publicado.
Um centro cerebral que controla as respostas de consumo
Destaques
- A atração por estímulos doces é codificada por neurônios2 específicos da amígdala5.
- Sinais4 de consumo de doces são traduzidos em respostas de consumo na região cerebral do NLET.
- O NLET é um centro-chave que conecta sinais4 sensoriais e de estado interno para controlar o consumo.
- O NLET é um alvo potencial para o controle bidirecional do peso corporal.
Resumo
A atração inata por doces medeia as respostas apetitivas e de consumo. Neste estudo, dissecou-se o circuito que impulsiona as respostas ao doce e mostrou-se que os neurônios2 da amígdala5 sintonizados para o doce se conectam ao núcleo leito da estria terminal (NLET) para promover o consumo evocado por doces.
Em seguida, demonstrou-se que o NLET funciona como um centro de integração, transformando sinais4 de apetite em consumo e conectando estímulos sensoriais ao estado interno, não apenas para o doce, mas também para outros estímulos, como sal ou comida, para regular de forma flexível os comportamentos de consumo.
Utilizando imagens funcionais de células14 únicas, demonstrou-se que a atividade conjunta no NLET codifica a identidade do estímulo e o estado interno do animal.
Por fim, demonstrou-se que a manipulação da atividade do NLET pode transformar bidirecionalmente as respostas de consumo.
Em conjunto, essas descobertas ilustram como o estado interno modula as respostas sensoriais, caracterizam um ‘botão’ cerebral geral para o consumo e fornecem novos insights sobre os locais de ação dos agonistas do receptor de GLP1 e uma estratégia para ajudar a promover o ganho de peso em estados patológicos.
Fontes:
Cell, publicação em 10 de setembro de 2025.
Nature, notícia publicada em 10 de setembro de 2025.