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Medicamento para obesidade de dupla ação reconfigura circuitos cerebrais que controlam o apetite

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Um medicamento dois em um que modula as vias neurais envolvidas no apetite e na recompensa pode revelar-se mais eficaz e duradouro do que os atuais medicamentos para perda de peso disponíveis no mercado.

O cérebro1 é responsável por regular o quanto se come e quantas calorias2 são queimadas ao longo do dia, mas na obesidade3 esse equilíbrio é perturbado, causando ganho de peso.

Até alguns anos atrás, a estratégia mais eficaz para perda de peso sustentada era a cirurgia. Agora, os populares medicamentos antiobesidade semaglutida (vendido sob os nomes Ozempic e Wegovy) e tirzepatida (vendido como Mounjaro) estão se tornando quase tão eficazes quanto a cirurgia para provocar perda de peso.

Esses medicamentos são baseados em um peptídeo produzido no intestino chamado GLP-1 e atuam nos receptores de GLP-1 no cérebro1 para suprimir a alimentação. No entanto, estes medicamentos são caros, muito procurados e produzem resultados variáveis – impulsionando a necessidade de mais opções de tratamento da obesidade3.

Em um novo estudo publicado na revista Nature, pesquisadores descrevem como a combinação de um ativador do receptor de GLP-1 com outro medicamento que atua no cérebro1 pode ser um tratamento eficaz para a obesidade3.

O candidato a medicamento visa tanto o receptor de GLP-1 quanto o receptor NMDA, um canal iônico encontrado nas células4 do cérebro1 que foi associado à obesidade3 em 2015. Na época, pequenas moléculas que bloqueavam o receptor NMDA não pareciam promissoras para desenvolvedores de medicamentos para obesidade3, porque esse tipo de composto, que inclui o medicamento para festas e antidepressivo cetamina, está repleto de efeitos colaterais5 prejudiciais.

Mas Christoffer Clemmensen, especialista em metabolismo6 da Universidade de Copenhagen, viu um caminho a seguir. Ele especulou que seria possível contornar os riscos de segurança fundindo um bloqueador do receptor NMDA com um imitador de hormônio7 intestinal que atua apenas nos neurônios8 que regulam o apetite.

Leia sobre "Como funciona o controle do apetite", "Tratamento da obesidade3" e "Obesidade3 mórbida".

Para tornar isso realidade, Clemmensen e seus colegas anexaram um peptídeo que se parece com o hormônio7 GLP-1 a uma pequena molécula, a dizocilpina (também chamada MK-801), que bloqueia o receptor NMDA. A dizocilpina foi descoberta na década de 1980 por pesquisadores da empresa farmacêutica Merck & Co., mas depois foi abandonada.

Clemmensen e a equipe observaram que, em camundongos e ratos, os neurônios8 amantes do GLP-1 no cérebro1 absorveriam esse conjugado peptídeo-fármaco9 e, em seguida, soltariam a carga útil da dizocilpina para bloquear o receptor NMDA. (Alguns membros da equipe trabalham na Novo Nordisk, que fabrica semaglutida, embora Clemmensen diga que esta foi uma colaboração acadêmica e não comercial.)

“Esta é uma forma realmente criativa de otimizar a perda de peso”, diz Darleen Sandoval, fisiologista da Universidade do Colorado em Aurora. “O panorama geral aqui é até onde avançamos em termos de sermos capazes de direcionar o cérebro1 para tratar a obesidade”, acrescenta Sandoval, co-autor de um comentário que acompanhou a publicação do estudo.

O tratamento de ratos apenas com dizocilpina causou efeitos colaterais5 como superaquecimento e excesso de movimento. O conjugado peptídeo-fármaco9 era mais seguro e oferecia benefícios de perda de peso semelhantes ao tratamento de ratos apenas com semaglutida.

Onde o conjugado brilhou foi em camundongos pré-dosados com semaglutida: quando os animais atingiram um patamar de perda de peso com aquele medicamento, administrar-lhes o conjugado como um tratamento complementar reduziu ainda mais sua massa corporal.

“É competitivo com as melhores terapias atuais do mercado”, diz Clemmensen. “Possivelmente, podemos superá-las.”

Como próximo passo, Clemmensen e alguns colegas fundaram a Ousia Pharma, para levar um candidato a medicamento relacionado para ensaios clínicos10. Este potencial terapêutico, denominado OP-216, tem o benefício adicional de também imitar o GIP além do GLP-1, diz Clemmensen. “Poderemos estar na prática clínica em 2025”, acrescenta.

O sucesso da atual safra de medicamentos contra a obesidade3 estabeleceu um padrão elevado para a terapêutica11 da próxima geração. Mas “há definitivamente espaço para mais medicamentos e alvos”, afirma Ruth Loos, geneticista da obesidade3 da Universidade de Copenhagen que co-liderou o estudo genético de 2015 que ligou o receptor NMDA à obesidade3. Nem todo mundo perde peso usando as opções disponíveis atualmente. E os imitadores de hormônios intestinais precisam ser tomados continuamente para surtir efeito.

Loos, que também prestou consultoria para a indústria farmacêutica, não esteve envolvida no desenvolvimento do mais recente conjugado peptídeo-fármaco9, mas espera que isso encoraje outros a procurar formas inovadoras de tratar a obesidade3. Dezenas de medicamentos para perda de peso já estão na prática clínica – muitos deles direcionados ao GLP-1 e GIP – e os desenvolvedores de medicamentos estão à procura de agentes emergentes, especialmente considerando que o mercado de medicamentos para perda de peso está previsto para valer até US$ 100 bilhões até 2030.

Em 2035, prevê-se que mais de metade dos adultos em todo o mundo serão obesos. Tratá-los com medicamentos para obesidade3 poderia conferir vantagens mais amplas à saúde12, como benefícios cardiovasculares e anti-inflamatórios. Estão também em curso ensaios destes medicamentos para doenças renais, doenças de Parkinson e Alzheimer13 e comportamentos relacionados com dependência, como beber e fumar.

“Nem todos esses testes serão bem-sucedidos”, diz Daniel Drucker, endocrinologista14 do Hospital Mount Sinai em Toronto, Canadá, que ajudou a desvendar o papel dos hormônios intestinais como o GLP-1 e o GIP na obesidade3. Mas ensaios suficientes podem dar certo para remodelar o cenário terapêutico, acrescenta. “Vai ser fascinante assistir.”

“Quando comecei a trabalhar com obesidade3 em 2013, não havia interesse nisso”, diz Clemmensen. Neste momento, acrescenta ele, toda a atividade é um pouco selvagem.

Veja também sobre "O perigo dos remédios para emagrecer" e "Usos e abusos dos anorexígenos15".

Confira o resumo do artigo publicado por Clemmensen e equipe.

Antagonismo do receptor NMDA dirigido por GLP-1 para tratamento da obesidade3

O receptor N-metil-D-aspartato (NMDA) é um canal catiônico ativado por glutamato que é crítico para muitos processos no cérebro1. Estudos de associação de todo o genoma sugerem que a neurotransmissão glutamatérgica e a plasticidade sináptica mediada pelo receptor NMDA são importantes para a homeostase do peso corporal.

Neste estudo, relatou-se a engenharia e o desenvolvimento pré-clínico de uma molécula bimodal que integra o antagonismo do receptor NMDA com o agonismo do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon16 (GLP-1) para reverter efetivamente a obesidade3, hiperglicemia17 e dislipidemia em modelos de roedores com doenças metabólicas.

A entrega dirigida por GLP-1 do antagonista18 do receptor NMDA MK-801 afeta a neuroplasticidade no hipotálamo19 e no tronco cerebral20. É importante ressaltar que o direcionamento de MK-801 para regiões cerebrais que expressam o receptor de GLP-1 contorna os efeitos fisiológicos e comportamentais adversos associados à monoterapia com MK-801.

Em resumo, essa abordagem demonstra a viabilidade do uso de direcionamento mediado por peptídeos para alcançar a modulação do receptor ionotrópico específico da célula21 e destaca o potencial terapêutico do agonismo do receptor de GLP-1 e do antagonismo do receptor NMDA unimolecular misto para o tratamento seguro e eficaz da obesidade3.

 

Fontes:
Nature, publicação em 15 de maio de 2024.
Nature, notícia publicada em 15 de maio de 2024.

 

NEWS.MED.BR, 2024. Medicamento para obesidade de dupla ação reconfigura circuitos cerebrais que controlam o apetite. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1469892/medicamento-para-obesidade-de-dupla-acao-reconfigura-circuitos-cerebrais-que-controlam-o-apetite.htm>. Acesso em: 23 abr. 2025.

Complementos

1 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
2 Calorias: Dizemos que um alimento tem “x“ calorias, para nos referirmos à quantidade de energia que ele pode fornecer ao organismo, ou seja, à energia que será utilizada para o corpo realizar suas funções de respiração, digestão, prática de atividades físicas, etc.
3 Obesidade: Condição em que há acúmulo de gorduras no organismo além do normal, mais severo que o sobrepeso. O índice de massa corporal é igual ou maior que 30.
4 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
5 Efeitos colaterais: 1. Ação não esperada de um medicamento. Ou seja, significa a ação sobre alguma parte do organismo diferente daquela que precisa ser tratada pelo medicamento. 2. Possível reação que pode ocorrer durante o uso do medicamento, podendo ser benéfica ou maléfica.
6 Metabolismo: É o conjunto de transformações que as substâncias químicas sofrem no interior dos organismos vivos. São essas reações que permitem a uma célula ou um sistema transformar os alimentos em energia, que será ultilizada pelas células para que as mesmas se multipliquem, cresçam e movimentem-se. O metabolismo divide-se em duas etapas: catabolismo e anabolismo.
7 Hormônio: Substância química produzida por uma parte do corpo e liberada no sangue para desencadear ou regular funções particulares do organismo. Por exemplo, a insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas que diz a outras células quando usar a glicose para energia. Hormônios sintéticos, usados como medicamentos, podem ser semelhantes ou diferentes daqueles produzidos pelo organismo.
8 Neurônios: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO. Sinônimos: Células Nervosas
9 Fármaco: Qualquer produto ou preparado farmacêutico; medicamento.
10 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
11 Terapêutica: Terapia, tratamento de doentes.
12 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
13 Alzheimer: Doença degenerativa crônica que produz uma deterioração insidiosa e progressiva das funções intelectuais superiores. É uma das causas mais freqüentes de demência. Geralmente começa a partir dos 50 anos de idade e tem incidência similar entre homens e mulheres.
14 Endocrinologista: Médico que trata pessoas que apresentam problemas nas glândulas endócrinas.
15 Anorexígenos: Que ou o que provoca anorexia (diz-se de substância ou droga), ou seja, que ou o que produz falta ou perda de apetite.
16 Glucagon: Hormônio produzido pelas células-alfa do pâncreas. Ele aumenta a glicose sangüínea. Uma forma injetável de glucagon, disponível por prescrição médica, pode ser usada no tratamento da hipoglicemia severa.
17 Hiperglicemia: Excesso de glicose no sangue. Hiperglicemia de jejum é o nível de glicose acima dos níveis considerados normais após jejum de 8 horas. Hiperglicemia pós-prandial acima de níveis considerados normais após 1 ou 2 horas após alimentação.
18 Antagonista: 1. Opositor. 2. Adversário. 3. Em anatomia geral, que ou o que, numa mesma região anatômica ou função fisiológica, trabalha em sentido contrário (diz-se de músculo). 4. Em medicina, que realiza movimento contrário ou oposto a outro (diz-se de músculo). 5. Em farmácia, que ou o que tende a anular a ação de outro agente (diz-se de agente, medicamento etc.). Agem como bloqueadores de receptores. 6. Em odontologia, que se articula em oposição (diz-se de ou qualquer dente em relação ao da maxila oposta).
19 Hipotálamo: Parte ventral do diencéfalo extendendo-se da região do quiasma óptico à borda caudal dos corpos mamilares, formando as paredes lateral e inferior do terceiro ventrículo.
20 Tronco Cerebral: Parte do encéfalo que conecta os hemisférios cerebrais à medula espinhal. É formado por MESENCÉFALO, PONTE e MEDULA OBLONGA.
21 Célula: Unidade funcional básica de todo tecido, capaz de se duplicar (porém algumas células muito especializadas, como os neurônios, não conseguem se duplicar), trocar substâncias com o meio externo à célula, etc. Possui subestruturas (organelas) distintas como núcleo, parede celular, membrana celular, mitocôndrias, etc. que são as responsáveis pela sobrevivência da mesma.
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