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Cirurgia de revascularização do miocárdio, o procedimento cardíaco mais comum no Brasil, não é tão segura para mulheres mais velhas

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Um novo estudo, publicado no JAMA Surgery, reforça anos de pesquisa mostrando que pacientes do sexo masculino e feminino podem ter resultados muito diferentes após uma operação chamada cirurgia de revascularização do miocárdio1 (CRM).

Esse procedimento restaura o fluxo sanguíneo pegando artérias2 dos braços ou tórax3 dos pacientes e veias4 das pernas e usando-as para contornar os vasos sanguíneos5 bloqueados.

“É a operação cardíaca mais comum nos Estados Unidos”, que ocorre de 200 a 300 mil vezes por ano, disse o Dr. Mario Gaudino, cirurgião cardiotorácico da Weill Cornell Medicine e principal autor do estudo. No Brasil, essa também é a cirurgia cardíaca mais realizada.

Vinte e cinco a 30 por cento dos pacientes que realizam uma CRM são mulheres. A taxa de mortalidade6 da CRM, embora baixa, é muito mais elevada nas mulheres (2,8%) do que nos homens (1,7%), descobriram o Dr. Gaudino e os seus colegas.

Analisando os resultados de cerca de 1,3 milhão de pacientes (idade média: 66 anos) de 2011 a 2020, os pesquisadores também determinaram que após a revascularização miocárdica, cerca de 20% dos homens tiveram complicações, que incluíram acidentes vasculares7 cerebrais, insuficiência renal8, cirurgias repetidas, infecções9 do esterno10, uso prolongado de ventilador e internações hospitalares mais longas. Entre as mulheres, mais de 28 por cento tiveram complicações.

Dessas complicações, “muitas são relativamente pequenas e autorresolvíveis”, disse Gaudino. Mas a recuperação de infecções9 de feridas do esterno10 pode levar meses, observou ele, e “se você tiver um AVC, isso pode afetá-lo por um longo tempo”. Embora os resultados tenham melhorado para ambos os sexos ao longo da década, a disparidade de gênero permaneceu.

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O estudo “deveria ser considerado como uma explosão no céu para todos os médicos que cuidam de mulheres”, disse um editorial que acompanhou a publicação do estudo. No entanto, para os pesquisadores da área cardíaca, os resultados pareceram familiares.

“Isso é algo que sabemos desde a década de 1980”, disse a Dra. C. Noel Bairey Merz, cardiologista11 e pesquisadora do Cedars-Sinai Medical Center. As doenças cardíacas, ressaltou ela, continuam sendo a principal causa de morte das mulheres americanas.

Com a CRM, “a suposição geral era que estava melhorando porque a tecnologia, o conhecimento, as habilidades e o treinamento estavam melhorando”, disse ela. Ver a disparidade de gênero persistir “é muito decepcionante”.

Vários fatores ajudam a explicar essas diferenças. As mulheres são três a cinco anos mais velhas que os homens quando são submetidas à cirurgia de revascularização do miocárdio1, em parte porque “reconhecemos a doença arterial coronariana mais facilmente e mais cedo nos homens”, disse o Dr. Gaudino. “Os homens têm a apresentação clássica que estudamos na faculdade de medicina. As mulheres têm sintomas12 diferentes.” Estes podem incluir fadiga13, falta de ar e dor nas costas14 ou no estômago15.

Menos de 20% dos pacientes inscritos em ensaios clínicos16 eram mulheres, por isso “o que nos ensinaram baseia-se essencialmente em pesquisas em homens”, acrescentou.

Em parte porque são mais velhas – cerca de 40% têm mais de 70 anos – as mulheres são mais propensas do que os homens a desenvolver problemas de saúde17 como diabetes18, pressão alta e problemas vasculares7, “todos fatores que aumentam o risco em cirurgia cardíaca”, disse Gaudino. Elas também possuem vasos sanguíneos5 menores e mais frágeis, o que pode tornar a cirurgia mais complexa.

As disparidades também afetam outras formas de tratamento cardíaco e cirurgia cardíaca. As mulheres apresentam resultados piores do que os homens cinco anos após receberem um stent, relatou uma revisão de ensaios randomizados de 2020.

Elas são “menos propensas a receber prescrição e a tomar estatinas, e particularmente menos propensas a tomar estatinas de alta intensidade, que são as que mais salvam vidas”, disse a Dra. Bairey Merz. “A lista continua e continua.”

No novo estudo publicado, os pesquisadores afirmam que tem sido relatado que as mulheres submetidas à revascularização do miocárdio1 apresentam maior mortalidade6 e morbidade19 em comparação com os homens, mas não está claro se a diferença diminuiu na última década.

O objetivo do estudo, portanto, foi avaliar tendências nos resultados de mulheres submetidas à revascularização do miocárdio1 nos EUA de 2011 a 2020.

Este estudo de coorte20 retrospectivo21 em hospitais que contribuem para o banco de dados de cirurgia cardíaca de adultos da Society of Thoracic Surgeons incluiu 1.297.204 pacientes submetidos à revascularização miocárdica primária isolada de 2011 a 2020.

A exposição do estudo foi a cirurgia de revascularização do miocárdio1.

O desfecho primário foi mortalidade6 operatória. O desfecho secundário foi o composto de mortalidade6 e morbidade19 operatória (incluindo mortalidade6 operatória, acidente vascular cerebral22, insuficiência renal8, reoperação, infecção23 profunda da ferida esternal, ventilação24 mecânica prolongada e internação hospitalar prolongada). O risco atribuível (a associação do sexo feminino com os resultados da cirurgia de revascularização miocárdica) para os desfechos primários e secundários foi calculado.

Entre 2011 e 2020, 1.297.204 pacientes foram submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio1 primária isolada com idade média de 66,0 anos, dos quais 317.716 eram mulheres (24,5%).

As mulheres tiveram maior mortalidade6 operatória não ajustada (2,8%; IC 95%, 2,8-2,9 vs 1,7%; IC 95%, 1,7-1,7; P <0,001) e maior incidência25 geral não ajustada do composto de mortalidade6 e morbidade19 operatória (22,9%; IC 95%, 22,7-23,0 vs 16,7%; IC 95%, 16,6-16,8; P <0,001) em comparação com os homens.

O risco atribuível ao sexo feminino para mortalidade6 operatória variou de 1,28 em 2011 a 1,41 em 2020, sem mudança significativa ao longo do período do estudo (P para tendência = 0,38). O risco atribuível para o composto de mortalidade6 e morbidade19 operatória foi de 1,08 tanto em 2011 quanto 2020, sem alteração significativa durante o período do estudo (P para tendência = 0,71).

O estudo concluiu que as mulheres permanecem em risco significativamente maior de resultados adversos após a cirurgia de revascularização do miocárdio1 e nenhuma melhora significativa foi observada ao longo da última década. Mais pesquisas sobre os determinantes dos resultados operatórios em mulheres são urgentemente necessárias.

Veja também sobre "Doença arterial coronariana" e "Sinais26 de doenças cardíacas em mulheres".

 

Fontes:
JAMA Surgery, publicação em 01 de março de 2023.
The New York Times, notícia publicada em 20 de janeiro de 2024.

 

NEWS.MED.BR, 2024. Cirurgia de revascularização do miocárdio, o procedimento cardíaco mais comum no Brasil, não é tão segura para mulheres mais velhas. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1464977/cirurgia-de-revascularizacao-do-miocardio-o-procedimento-cardiaco-mais-comum-no-brasil-nao-e-tao-segura-para-mulheres-mais-velhas.htm>. Acesso em: 27 abr. 2024.

Complementos

1 Miocárdio: Tecido muscular do CORAÇÃO. Composto de células musculares estriadas e involuntárias (MIÓCITOS CARDÍACOS) conectadas, que formam a bomba contrátil geradora do fluxo sangüíneo. Sinônimos: Músculo Cardíaco; Músculo do Coração
2 Artérias: Os vasos que transportam sangue para fora do coração.
3 Tórax: Parte superior do tronco entre o PESCOÇO e o ABDOME; contém os principais órgãos dos sistemas circulatório e respiratório. (Tradução livre do original Sinônimos: Peito; Caixa Torácica
4 Veias: Vasos sangüíneos que levam o sangue ao coração.
5 Vasos Sanguíneos: Qualquer vaso tubular que transporta o sangue (artérias, arteríolas, capilares, vênulas e veias).
6 Mortalidade: A taxa de mortalidade ou coeficiente de mortalidade é um dado demográfico do número de óbitos, geralmente para cada mil habitantes em uma dada região, em um determinado período de tempo.
7 Vasculares: Relativo aos vasos sanguíneos do organismo.
8 Insuficiência renal: Condição crônica na qual o corpo retém líquido e excretas pois os rins não são mais capazes de trabalhar apropriadamente. Uma pessoa com insuficiência renal necessita de diálise ou transplante renal.
9 Infecções: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
10 Esterno: Osso longo e achatado, situado na parte vertebral do tórax dos vertebrados (com exceção dos peixes), e que no homem se articula com as primeiras sete costelas e com a clavícula. Ele é composto de três partes: corpo, manúbrio e apêndice xifoide. Nos artrópodes, é uma placa quitinosa ventral do tórax.
11 Cardiologista: Médico especializado em tratar pessoas com problemas cardíacos.
12 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
13 Fadiga: 1. Sensação de enfraquecimento resultante de esforço físico. 2. Trabalho cansativo. 3. Redução gradual da resistência de um material ou da sensibilidade de um equipamento devido ao uso continuado.
14 Costas:
15 Estômago: Órgão da digestão, localizado no quadrante superior esquerdo do abdome, entre o final do ESÔFAGO e o início do DUODENO.
16 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
17 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
18 Diabetes: Nome que designa um grupo de doenças caracterizadas por diurese excessiva. A mais frequente é o Diabetes mellitus, ainda que existam outras variantes (Diabetes insipidus) de doença nas quais o transtorno primário é a incapacidade dos rins de concentrar a urina.
19 Morbidade: Morbidade ou morbilidade é a taxa de portadores de determinada doença em relação à população total estudada, em determinado local e em determinado momento.
20 Estudo de coorte: Um estudo de coorte é realizado para verificar se indivíduos expostos a um determinado fator apresentam, em relação aos indivíduos não expostos, uma maior propensão a desenvolver uma determinada doença. Um estudo de coorte é constituído, em seu início, de um grupo de indivíduos, denominada coorte, em que todos estão livres da doença sob investigação. Os indivíduos dessa coorte são classificados em expostos e não-expostos ao fator de interesse, obtendo-se assim dois grupos (ou duas coortes de comparação). Essas coortes serão observadas por um período de tempo, verificando-se quais indivíduos desenvolvem a doença em questão. Os indivíduos expostos e não-expostos devem ser comparáveis, ou seja, semelhantes quanto aos demais fatores, que não o de interesse, para que as conclusões obtidas sejam confiáveis.
21 Retrospectivo: Relativo a fatos passados, que se volta para o passado.
22 Acidente vascular cerebral: Conhecido popularmente como derrame cerebral, o acidente vascular cerebral (AVC) ou encefálico é uma doença que consiste na interrupção súbita do suprimento de sangue com oxigênio e nutrientes para o cérebro, lesando células nervosas, o que pode resultar em graves conseqüências, como inabilidade para falar ou mover partes do corpo. Há dois tipos de derrame, o isquêmico e o hemorrágico.
23 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
24 Ventilação: 1. Ação ou efeito de ventilar, passagem contínua de ar fresco e renovado, num espaço ou recinto. 2. Agitação ou movimentação do ar, natural ou provocada para estabelecer sua circulação dentro de um ambiente. 3. Em fisiologia, é o movimento de ar nos pulmões. Perfusão Em medicina, é a introdução de substância líquida nos tecidos por meio de injeção em vasos sanguíneos.
25 Incidência: Medida da freqüência em que uma doença ocorre. Número de casos novos de uma doença em um certo grupo de pessoas por um certo período de tempo.
26 Sinais: São alterações percebidas ou medidas por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida.
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