JAMA: para prevenir a artrite reumatoide acompanhe a história das doenças gengivais
Os resultados de um trabalho publicado no Science Translational Medicine parecem confirmar que, em alguns casos, a doença periodontal1 causada por bactérias orais pode desencadear uma cascata de eventos que leva à forma autoimune2 de artrite3.
Sabe-se há muito tempo que os pacientes com artrite reumatoide4 (AR) são mais propensos à periodontite. Em uma amostra representativa, os participantes que preencheram 4 dos 6 critérios do American College of Rheumatology para AR tiveram um risco quatro vezes maior de periodontite em comparação com aqueles que não atingiram esse limite.
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Em ambas as condições, a inflamação5 crônica destrói o tecido ósseo6 - arcada dentária7 na periodontite e articulações8 na AR. Várias espécies de bactérias estão envolvidas na doença gengival, mas o que causa a AR ainda é um mistério. Como a periodontite e a AR frequentemente andam de mãos9 dadas, os pesquisadores suspeitam que as bactérias orais possam estar envolvidas na AR.
Para identificar o ponto exato da questão, os estudiosos têm procurado uma bactéria10 oral que pode desencadear a produção de auto-anticorpos11 observados em pacientes com AR, segundo Maximilian F. Konig, autor principal da nova pesquisa e médico residente no Massachusetts General Hospital.
O marcador mais preciso para a AR - encontrado no sangue12 de 76% dos pacientes com AR - são os anticorpos11 proteína/peptídeos anticitrulinados (ACPAs) que se direcionam para proteínas13 citrulinadas que são expressas por células14 imunitárias tais como neutrófilos15.
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A citrulinação é um processo normal que altera a estrutura das proteínas13, alterando sua função. Felipe Andrade, autor sênior18 do estudo e professor associado de medicina na divisão de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins, comparou a citrulinação a pequenas mudanças de figurino - a adição de um chapéu, por exemplo. Essas mudanças transformam os papeis exercidos pelas proteínas13. "Como você está vestido define sua função", explicou.
Estas modificações nas proteínas13 são necessárias e acontecem sob o radar do sistema imunológico19. Mas em excesso podem dar sinais20 de alarme.
Em pacientes com AR, a hipercitrulinação, um acúmulo anormal de proteínas13 citrulinadas, desencadeia a geração de auto-anticorpos11 pelo sistema imunológico19, os quais atacam essas auto-proteínas13 modificadas, induzindo inflamação5 e destruindo as articulações8.
Konig, Andrade e seus colaboradores encontraram uma bactéria10 Gram-negativa que coloniza a cavidade bucal e possui um nome complicado - Aggregatibacter actinomycetemcomitans (Aa). Ela pode causar estas mudanças nas proteínas13 e acionar a produção de auto-anticorpos11 específicos de AR, etapa-chave no desenvolvimento da AR.
A investigação começou na Johns Hopkins, onde o grupo de Andrade tem estudado possíveis ligações entre a doença periodontal1 e a AR. Em colaboração com o National Institute of Dental and Craniofacial Research no National Institutes of Health, os pesquisadores coletaram amostras de saliva de pacientes com e sem periodontite.
Usando a espectrometria de massa, eles observaram padrões de citrulinação nessas amostras espelhando aqueles encontrados em articulações8 afetadas pela AR, mas apenas em participantes com doença gengival. Das seis espécies de bactérias associadas à doença da gengiva que foram detectadas em amostras de periodontite, apenas uma - a Aa - tinha a capacidade de induzir hipercitrulinação em neutrófilos15.
O cálcio é necessário para a citrulinação. No estudo, a Aa produziu uma toxina21 que perfurou buracos em membranas de neutrófilos15, permitindo que o cálcio fluísse para as células14 em quantidades maiores do que o normal. O excesso de cálcio ampliou a citrulinação, resultando nos padrões de hipercitrulinação observados na AR.
Outra descoberta reforçou os achados do estudo: dezenove das proteínas13 modificadas induzidas pela toxina21 são autoantígenos conhecidos que são alvo de auto-anticorpos11 na AR.
Os pesquisadores também descobriram que 47% dos pacientes com AR de longa duração tinham anticorpos11 de toxina21 Aa no sangue12, em comparação com apenas 11% dos controles saudáveis.
Em conjunto, os resultados sugerem que a bactéria10 pode ser o "elo perdido" entre a doença periodontal1, a geração de anticorpos11 associados à AR e o desenvolvimento de AR, disse Gary S. Firestein, diretor do Clinical and Translational Research Institute, na University of California San Diego Health Sciences, que não está envolvido no estudo.
Os pesquisadores disseram que as descobertas devem ser replicadas por diferentes grupos e em diferentes coortes de pacientes. Serão necessários estudos em animais para demonstrar diretamente que a Aa pode induzir auto-anticorpos11 na AR e levar ao desenvolvimento da AR. E mais trabalho deve ser feito para analisar a associação temporal entre as bactérias e a AR.
Será que a Aa desencadeia a doença ou apenas piora a patologia22 já estabelecida? O tempo dirá se a segmentação de Aa pode modificar a AR estabelecida. Existem dados que sugerem que o tratamento da periodontite pode diminuir a gravidade da doença AR e Konig observou que vários grandes estudos prospectivos estão atualmente em curso para investigar esta possibilidade.
Outros caminhos parecem estar envolvidos na patogênese23 da AR. Afinal, apenas cerca de metade dos pacientes com AR tinha sinais20 de Aa no sangue12 no presente estudo. A genética também emergiu como outro fator importante neste estudo.
Identificar as pessoas que têm a predisposição genética para desenvolver a doença e ao mesmo tempo estão infectadas com as bactérias pode ser um excelente grupo no qual talvez seja possível modificar a evolução da doença. Mas, por enquanto, é muito cedo para prescrever antibióticos para tratar ou prevenir a AR, isso seria um grande erro. Até o momento, um bom conselho é cuidar da saúde24 bucal e ver o que acontece.
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Fonte: JAMA, publicação online, em 8 de março de 2017