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Medicamentos de RNAm podem proteger contra quase qualquer tipo de infecção viral

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Apenas uma tragada semanal de um inalador semelhante ao usado para asma1 pode, um dia, protegê-lo das infecções2 virais que tornam os invernos miseráveis, e pode até salvar sua vida em caso de outra pandemia3.

Essa é a perspectiva tentadora levantada pelos promissores testes em animais de um tratamento de RNA mensageiro (RNAm) que ativa nossas defesas virais inatas. “Podemos pensar nisso como um antiviral universal”, diz Dusan Bogunovic, da Universidade Columbia, em Nova York, EUA.

As descobertas foram publicadas na revista Science Translational Medicine. A concretização completa dessa abordagem exigirá um maior desenvolvimento da tecnologia de RNAm usada em vacinas.

Além de nosso corpo aprender a reconhecer e atacar vírus4 com anticorpos5, ele possui muitas defesas inatas. Por exemplo, quando uma infecção6 viral é detectada, as células7 liberam uma molécula sinalizadora chave chamada interferon. Isso ativa cerca de 1.000 genes, desencadeando a produção de uma ampla gama de proteínas8 antivirais que atuam de diversas maneiras: algumas bloqueiam a entrada do vírus4 nas células7, outras inibem a liberação de novas partículas virais.

Nem todas essas proteínas8 funcionam contra todos os vírus4, mas, combinadas, podem fazer uma grande diferença. “Nosso sistema imunológico9 inato é extremamente poderoso”, diz Bogunovic.

Leia sobre "Conhecendo o sistema imunológico9" e "O que são vírus4".

O problema é que os vírus4, especialmente os respiratórios, se replicam muito rápido, diz Bogunovic, e podem ultrapassar a capacidade do corpo de aumentar suas defesas inatas. Mas, se o corpo se antecipar na preparação dessas defesas, isso pode limitar a replicação viral e manter as infecções2 leves, mesmo antes que o restante do sistema imunológico9 entre em ação.

Havia esperanças de que o interferon pudesse ser usado como um antiviral geral, mas ele pode ter efeitos colaterais10 graves. Portanto, Bogunovic e seus colegas estão desenvolvendo antivirais compostos por subconjuntos das 1.000 proteínas8 cuja produção é desencadeada pelo interferon.

Eles selecionaram 10 dessas proteínas8 e as administraram às células7 na forma de RNAms que as codificam. A administração de RNAm significa que as proteínas8 são produzidas temporariamente dentro das células7, onde são necessárias, enquanto as proteínas8 prontas são grandes demais para entrar nas células7 em quantidades suficientes.

Testes envolvendo a infecção6 de células7 humanas com uma variedade de vírus4, incluindo gripe11 e zika, mostraram que essa combinação reforçou com sucesso as defesas virais. No corpo, isso deve fornecer uma vantagem crucial.

Em seguida, a equipe administrou esses RNAms aos pulmões12 de hamsters dourados. O coquetel de RNAm protegeu com sucesso os hamsters contra o vírus4 SARS-CoV-2, que causa a COVID-19, com uma redução drástica no número de vírus4 em comparação com animais não tratados. “Eu pensei: ‘Uau, isso pode realmente ser um antiviral universal’”, diz Bogunovic.

Os medicamentos antivirais existentes funcionam apenas contra vírus4 específicos, portanto, ter um tratamento que atue de forma mais ampla seria extremamente valioso. O desenvolvimento de antibióticos como a penicilina, que pode matar uma ampla gama de bactérias, revolucionou a medicina.

Além disso, algumas combinações de proteínas8 ativadas por interferon podem ser especialmente eficazes contra vírus4 específicos, afirma Bogunovic. Portanto, a mesma abordagem também pode ser usada para desenvolver antivirais mais específicos.

A administração de RNAms a uma proporção suficientemente alta de células7 específicas em risco de infecção6 será crucial. É aqui que mais desenvolvimento é necessário, visto que ainda é difícil administrar RNAms a tipos específicos de células7.

“Isso é certamente empolgante e pode levar a avanços muito promissores, mas estamos a vários passos de falar sobre uma contramedida versátil e implementável”, afirma Aris Katzourakis, da Universidade de Oxford. “A pesquisa destaca o potencial da tecnologia de RNAm para além das vacinas.”

Embora a resistência a antibióticos seja agora um grande problema, Bogunovic acredita que é improvável que os vírus4 desenvolvam resistência a esse tipo de antiviral, desde que incluam uma gama de proteínas8 ativadas por interferon que atuem em diferentes aspectos do ciclo de vida viral. Essa abordagem combinada provou ser bem-sucedida em tratamentos de HIV13, por exemplo.

Veja também sobre "Gripe11", "Zika" e "Coronavírus".

No artigo publicado, os pesquisadores descrevem como esse antiviral de amplo espectro baseado em RNAm, inspirado na deficiência de ISG15, protege contra infecções2 virais in vitro e in vivo.

Eles relatam que os interferons tipo I (IFN-Is) são citocinas14 com potentes capacidades antivirais e inflamatórias. A sinalização de IFN-I impulsiona a expressão de milhares de genes estimulados por IFN-I (ISGs), cuja função agregada resulta no controle de infecções2 virais.

Alguns desses ISGs são responsáveis por regular negativamente a resposta de IFN-I para prevenir inflamação15 exacerbada. O ISG15 é um regulador negativo cuja ausência leva à elevação persistente e de baixo grau da expressão de ISGs e à autoinflamação leve concomitante, que frequentemente se resolve espontaneamente. A amplitude limitada e a persistência de baixo grau dos ISGs expressos na deficiência de ISG15 são suficientes para conferir resistência antiviral de amplo espectro.

Inspirados pelo estado antiviral de humanos com deficiência de ISG15, os pesquisadores identificaram uma coleção nominal de 10 ISGs que recapitularam o amplo potencial antiviral do sistema IFN-I, que tipicamente induz a expressão de milhares de ISGs.

A expressão dessa coleção de 10 ISGs em uma linhagem celular não responsiva a IFN-I aumentou a resistência celular ao vírus4 Zika, ao vírus4 da estomatite16 vesicular e ao SARS-CoV-2. Uma formulação de RNA mensageiro (RNAm) encapsulado em nanopartículas lipídicas dessa coleção de 10 ISGs, quando administrada profilaticamente, reduziu o tamanho das placas17 do vírus4 influenza18 A em amostras coletadas de camundongos infectados.

Além disso, quando usada coletivamente e administrada profilaticamente, a coleção de 10 ISGs foi capaz de proteger hamsters contra um desafio letal de SARS-CoV-2, em contraste com a falta de eficácia quando os RNAms foram administrados individualmente.

Essas descobertas sugerem que esses 10 ISGs têm potencial como um agente profilático antiviral de amplo espectro.

 

Fontes:
Science Translational Medicine, Vol. 17, N° 811, em 13 de agosto de 2025.
New Scientist, notícia publicada em 13 de agosto de 2025.

 

NEWS.MED.BR, 2025. Medicamentos de RNAm podem proteger contra quase qualquer tipo de infecção viral. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1493415/medicamentos-de-rnam-podem-proteger-contra-quase-qualquer-tipo-de-infeccao-viral.htm>. Acesso em: 27 ago. 2025.

Complementos

1 Asma: Doença das vias aéreas inferiores (brônquios), caracterizada por uma diminuição aguda do calibre bronquial em resposta a um estímulo ambiental. Isto produz obstrução e dificuldade respiratória que pode ser revertida de forma espontânea ou com tratamento médico.
2 Infecções: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
3 Pandemia: É uma epidemia de doença infecciosa que se espalha por um ou mais continentes ou por todo o mundo, causando inúmeras mortes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a pandemia pode se iniciar com o aparecimento de uma nova doença na população, quando o agente infecta os humanos, causando doença séria ou quando o agente dissemina facilmente e sustentavelmente entre humanos. Epidemia global.
4 Vírus: Pequeno microorganismo capaz de infectar uma célula de um organismo superior e replicar-se utilizando os elementos celulares do hospedeiro. São capazes de causar múltiplas doenças, desde um resfriado comum até a AIDS.
5 Anticorpos: Proteínas produzidas pelo organismo para se proteger de substâncias estranhas como bactérias ou vírus. As pessoas que têm diabetes tipo 1 produzem anticorpos que destroem as células beta produtoras de insulina do próprio organismo.
6 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
7 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
8 Proteínas: Um dos três principais nutrientes dos alimentos. Alimentos que fornecem proteína incluem carne vermelha, frango, peixe, queijos, leite, derivados do leite, ovos.
9 Sistema imunológico: Sistema de defesa do organismo contra infecções e outros ataques de micro-organismos que enfraquecem o nosso corpo.
10 Efeitos colaterais: 1. Ação não esperada de um medicamento. Ou seja, significa a ação sobre alguma parte do organismo diferente daquela que precisa ser tratada pelo medicamento. 2. Possível reação que pode ocorrer durante o uso do medicamento, podendo ser benéfica ou maléfica.
11 Gripe: Doença viral adquirida através do contágio interpessoal que se caracteriza por faringite, febre, dores musculares generalizadas, náuseas, etc. Sua duração é de aproximadamente cinco a sete dias e tem uma maior incidência nos meses frios. Em geral desaparece naturalmente sem tratamento, apenas com medidas de controle geral (repouso relativo, ingestão de líquidos, etc.). Os antibióticos não funcionam na gripe e não devem ser utilizados de rotina.
12 Pulmões: Órgãos do sistema respiratório situados na cavidade torácica e responsáveis pelas trocas gasosas entre o ambiente e o sangue. São em número de dois, possuem forma piramidal, têm consistência esponjosa e medem cerca de 25 cm de comprimento. Os pulmões humanos são divididos em segmentos denominados lobos. O pulmão esquerdo possui dois lobos e o direito possui três. Os pulmões são compostos de brônquios que se dividem em bronquíolos e alvéolos pulmonares. Nos alvéolos se dão as trocas gasosas ou hematose pulmonar entre o meio ambiente e o corpo, com a entrada de oxigênio na hemoglobina do sangue (formando a oxiemoglobina) e saída do gás carbônico ou dióxido de carbono (que vem da célula como carboemoglobina) dos capilares para o alvéolo.
13 HIV: Abreviatura em inglês do vírus da imunodeficiência humana. É o agente causador da AIDS.
14 Citocinas: Citoquina ou citocina é a designação genérica de certas substâncias segregadas por células do sistema imunitário que controlam as reações imunes do organismo.
15 Inflamação: Conjunto de processos que se desenvolvem em um tecido em resposta a uma agressão externa. Incluem fenômenos vasculares como vasodilatação, edema, desencadeamento da resposta imunológica, ativação do sistema de coagulação, etc.Quando se produz em um tecido superficial (pele, tecido celular subcutâneo) pode apresentar tumefação, aumento da temperatura local, coloração avermelhada e dor (tétrade de Celso, o cientista que primeiro descreveu as características clínicas da inflamação).
16 Estomatite: Inflamação da mucosa oral produzida por infecção viral, bacteriana, micótica ou por doença auto-imune. É caracterizada por dor, ardor e vermelhidão da mucosa, podendo depositar-se sobre a mesma uma membrana brancacenta (leucoplasia), ou ser acompanhada de bolhas e vesículas.
17 Placas: 1. Lesões achatadas, semelhantes à pápula, mas com diâmetro superior a um centímetro. 2. Folha de material resistente (metal, vidro, plástico etc.), mais ou menos espessa. 3. Objeto com formato de tabuleta, geralmente de bronze, mármore ou granito, com inscrição comemorativa ou indicativa. 4. Chapa que serve de suporte a um aparelho de iluminação que se fixa em uma superfície vertical ou sobre uma peça de mobiliário, etc. 5. Placa de metal que, colocada na dianteira e na traseira de um veículo automotor, registra o número de licenciamento do veículo. 6. Chapa que, emitida pela administração pública, representa sinal oficial de concessão de certas licenças e autorizações. 7. Lâmina metálica, polida, usualmente como forma em processos de gravura. 8. Área ou zona que difere do resto de uma superfície, ordinariamente pela cor. 9. Mancha mais ou menos espessa na pele, como resultado de doença, escoriação, etc. 10. Em anatomia geral, estrutura ou órgão chato e em forma de placa, como uma escama ou lamela. 11. Em informática, suporte plano, retangular, de fibra de vidro, em que se gravam chips e outros componentes eletrônicos do computador. 12. Em odontologia, camada aderente de bactérias que se forma nos dentes.
18 Influenza: Doença infecciosa, aguda, de origem viral que acomete o trato respiratório, ocorrendo em epidemias ou pandemias e frequentemente se complicando pela associação com outras infecções bacterianas.
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