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Ensaios clínicos em humanos apontam o caminho para uma vacina de RNAm contra o HIV

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Gerar proteção eficaz contra o HIV1 pode exigir uma vacina2 complexa, composta por uma série de proteínas3 virais diferentes. Agora, dois ensaios clínicos4 que testaram os potenciais componentes administrados via RNA mensageiro (RNAm) produziram resultados promissores. A esperança é que a tecnologia de RNAm possibilite a administração da vacina2 em uma única injeção5, em vez de exigir múltiplas injeções.

Vacinas normalmente contêm a proteína externa dos vírus6, estimulando uma resposta imune contra a proteína. Desenvolver uma vacina2 contra o HIV1 é especialmente desafiador porque, nesse vírus6, a proteína que se projeta da membrana externa é fortemente revestida de açúcares, dificultando a produção de anticorpos7 pelo nosso sistema imunológico8 contra ela. Ela também apresenta uma grande variedade entre as cepas9, o que significa que, mesmo que o sistema imunológico8 de uma pessoa consiga produzir anticorpos7 eficazes, eles geralmente são específicos para apenas uma versão do vírus6.

Mas alguns indivíduos produzem anticorpos7 amplamente neutralizantes que atuam contra muitas cepas9. Estudos em animais sugerem que vacinas que consistem em uma sequência de diferentes formas de proteínas3 do HIV1 podem induzir de forma confiável essa resposta amplamente protetora, afirma William Schief, do Instituto de Pesquisa Scripps, na Califórnia.

A primeira parte da vacina2 é uma proteína viral modificada, projetada para estimular o corpo a produzir mais células10 B imunes necessárias para produzir anticorpos7 amplamente neutralizantes. Posteriormente, doses de reforço estimulam essas células10 a produzir anticorpos7 direcionados contra a proteína externa.

Para essa abordagem, faz sentido usar a tecnologia de vacinas de RNAm, porque os RNAms podem ser produzidos de forma relativamente rápida e fácil, afirma Schief. “É uma vantagem enorme.”

Leia sobre "Infecção11 pelo HIV1" e "O que é a AIDS".

Uma única vacina2 de RNAm pode codificar várias proteínas3 virais diferentes simultaneamente, e pode até ser possível que elas sejam produzidas no corpo em momentos diferentes, afirma ele. Isso significa que uma vacina2 de RNAm contra o HIV1 poderia ser administrada em dose única, embora consista efetivamente em uma dose inicial seguida por vários reforços que normalmente seriam administrados separadamente. “O ideal seria receber uma única vacinação e parte do material só seria liberado mais tarde”, diz Schief.

No início deste ano, sua equipe relatou resultados encorajadores de um pequeno ensaio em humanos com a primeira dose inicial projetada para estimular células10 B. Agora, sua equipe testou um dos reforços posteriores em outro pequeno ensaio.

Quando voluntários receberam RNAm que codifica a proteína externa do HIV1 em uma forma que é incorporada às membranas celulares, 80% produziram anticorpos7 que, segundo testes de laboratório, são capazes de bloquear infecções12.

Neste ensaio, esses anticorpos7 eram específicos para uma cepa13. Os pesquisadores esperam que, quando o reforço for administrado como parte da sequência, para que cada componente seja produzido dentro do corpo na ordem correta, isso gere uma resposta mais ampla.

No entanto, em ambos os ensaios, um número maior do que o esperado de voluntários desenvolveu urticária14, que em alguns casos persistiu por anos. Esse problema não surgiu em outros ensaios com vacinas de RNAm, nem em vacinas sem RNAm contendo a proteína do HIV1, afirma Schief. Parece haver algo na administração da proteína do HIV1 via RNAm que pode desencadear esse efeito colateral15. “É um mistério científico no momento”, afirma.

“Não saber o que causa esse efeito adverso significa que será difícil preveni-lo”, afirma Hildegund Ertl, especialista em vacinas que atualmente trabalha na empresa Pharma5, no Marrocos.

Ertl concorda que a tecnologia de RNAm permite testes rápidos dos componentes da vacina2, mas acredita que o produto final pode ser melhor administrado por um tipo diferente de vacina2, como as produzidas com cápsulas virais vazias. Essas vacinas podem ser armazenadas em temperatura ambiente, por exemplo, em vez de exigir refrigeração, afirma ela.

Existe agora um medicamento chamado lenacapavir que oferece proteção quase completa contra a infecção11 pelo HIV1 com duas injeções por ano. No entanto, Schief acredita que uma vacina2 ainda é necessária. “Estamos todos buscando produzi-la o mais rápido possível”, afirma, mas mesmo com o progresso acelerado pela tecnologia de RNAm, uma vacina2 aprovada contra o HIV1 provavelmente ainda levará décadas.

Confira a seguir o resumo do artigo mais recente publicado pela equipe.

A vacinação com trímeros da proteína de envelope do HIV1 ancorados à membrana e codificados por RNAm induziu anticorpos7 neutralizantes contra vírus6 tier 2 em um ensaio clínico de fase 1

Vacinas contra o vírus6 da imunodeficiência16 humana (HIV1) geralmente têm como alvo o trímero da proteína do envelope (Env), presente na superfície dos vírions. No entanto, as vacinas à base de proteínas3 exigem que o trímero do Env seja solúvel; isso cria um sítio na base do Env para a ligação dos anticorpos7 incapaz de conferir proteção contra a infecção11.

Em dois artigos, pesquisadores utilizaram vacinas de RNAm para contornar esse problema, indicando que a tecnologia de RNAm pode acelerar o desenvolvimento de uma vacina2 preventiva urgente contra o HIV1. Os RNAms são traduzidos em proteínas3 dentro das células10 do receptor da vacina2, permitindo aos autores produzir versões do trímero do Env ligadas à membrana.

No estudo, avaliou-se a segurança e a imunogenicidade de três trímeros de envelope codificados por RNAm, incluindo duas doses de formas solúveis e ancoradas à membrana, em um ensaio clínico de fase 1, randomizado17 e aberto.

As vacinas foram geralmente bem toleradas, embora 6,5% (7 de 108) dos participantes tenham desenvolvido urticária14, uma proporção maior do que a observada com outras vacinas de RNAm.

Os trímeros codificados por RNAm induziram fortes respostas de células10 B e T específicas do envelope. A imunização18 com trímeros ancorados à membrana, com o objetivo de obscurecer epítopos na base do trímero alvo de anticorpos7 não neutralizantes, reduziu a frequência de anticorpos7 séricos de ligação à base em comparação com os trímeros solúveis.

Três imunizações produziram anticorpos7 neutralizantes séricos autólogos contra tier 2 em 80% dos vacinados que receberam os trímeros ancorados à membrana, em contraste com apenas 4% que receberam o trímero solúvel.

Assim, com uma demonstração de segurança mais favorável, os trímeros do envelope do HIV1 ancorados à membrana codificados por RNAm podem representar uma plataforma promissora para o desenvolvimento clínico de vacinas contra o HIV1.

Veja também sobre "Sistema imunológico8" e "Antígenos19 e anticorpos7".

 

Fontes:
Science Translational Medicine, Vol. 17, N° 809, em 30 de julho de 2025.
New Scientist, notícia publicada em 30 de julho de 2025.

 

NEWS.MED.BR, 2025. Ensaios clínicos em humanos apontam o caminho para uma vacina de RNAm contra o HIV. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1493360/ensaios-clinicos-em-humanos-apontam-o-caminho-para-uma-vacina-de-rnam-contra-o-hiv.htm>. Acesso em: 26 ago. 2025.

Complementos

1 HIV: Abreviatura em inglês do vírus da imunodeficiência humana. É o agente causador da AIDS.
2 Vacina: Tratamento à base de bactérias, vírus vivos atenuados ou seus produtos celulares, que têm o objetivo de produzir uma imunização ativa no organismo para uma determinada infecção.
3 Proteínas: Um dos três principais nutrientes dos alimentos. Alimentos que fornecem proteína incluem carne vermelha, frango, peixe, queijos, leite, derivados do leite, ovos.
4 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
5 Injeção: Infiltração de medicação ou nutrientes líquidos no corpo através de uma agulha e seringa.
6 Vírus: Pequeno microorganismo capaz de infectar uma célula de um organismo superior e replicar-se utilizando os elementos celulares do hospedeiro. São capazes de causar múltiplas doenças, desde um resfriado comum até a AIDS.
7 Anticorpos: Proteínas produzidas pelo organismo para se proteger de substâncias estranhas como bactérias ou vírus. As pessoas que têm diabetes tipo 1 produzem anticorpos que destroem as células beta produtoras de insulina do próprio organismo.
8 Sistema imunológico: Sistema de defesa do organismo contra infecções e outros ataques de micro-organismos que enfraquecem o nosso corpo.
9 Cepas: Cepa ou estirpe é um termo da biologia e da genética que se refere a um grupo de descendentes com um ancestral comum que compartilham semelhanças morfológicas e/ou fisiológicas.
10 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
11 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
12 Infecções: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
13 Cepa: Cepa ou estirpe é um termo da biologia e da genética que se refere a um grupo de descendentes com um ancestral comum que compartilham semelhanças morfológicas e/ou fisiológicas.
14 Urticária: Reação alérgica manifestada na pele como elevações pruriginosas, acompanhadas de vermelhidão da mesma. Pode afetar uma parte ou a totalidade da pele. Em geral é autolimitada e cede em pouco tempo, podendo apresentar períodos de melhora e piora ao longo de vários dias.
15 Efeito colateral: 1. Ação não esperada de um medicamento. Ou seja, significa a ação sobre alguma parte do organismo diferente daquela que precisa ser tratada pelo medicamento. 2. Possível reação que pode ocorrer durante o uso do medicamento, podendo ser benéfica ou maléfica.
16 Imunodeficiência: Distúrbio do sistema imunológico que se caracteriza por um defeito congênito ou adquirido em um ou vários mecanismos que interferem na defesa normal de um indivíduo perante infecções ou doenças tumorais.
17 Randomizado: Ensaios clínicos comparativos randomizados são considerados o melhor delineamento experimental para avaliar questões relacionadas a tratamento e prevenção. Classicamente, são definidos como experimentos médicos projetados para determinar qual de duas ou mais intervenções é a mais eficaz mediante a alocação aleatória, isto é, randomizada, dos pacientes aos diferentes grupos de estudo. Em geral, um dos grupos é considerado controle – o que algumas vezes pode ser ausência de tratamento, placebo, ou mais frequentemente, um tratamento de eficácia reconhecida. Recursos estatísticos são disponíveis para validar conclusões e maximizar a chance de identificar o melhor tratamento. Esses modelos são chamados de estudos de superioridade, cujo objetivo é determinar se um tratamento em investigação é superior ao agente comparativo.
18 Imunização: Processo mediante o qual se adquire, de forma natural ou artificial, a capacidade de defender-se perante uma determinada agressão bacteriana, viral ou parasitária. O exemplo mais comum de imunização é a vacinação contra diversas doenças (sarampo, coqueluche, gripe, etc.).
19 Antígenos: 1. Partículas ou moléculas capazes de deflagrar a produção de anticorpo específico. 2. Substâncias que, introduzidas no organismo, provocam a formação de anticorpo.

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