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Medicamento contra câncer de mama foi reaproveitado para bebê com hiperinsulinismo congênito

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Uma criança de 4 meses com hiperinsulinismo1 congênito2 respondeu bem ao tratamento off-label (ou seja, fora da indicação) de um medicamento contra o câncer3 de mama4, relataram pesquisadores em uma correspondência publicada no The New England Journal of Medicine.

Um recém-nascido apresentou hiperinsulinismo1 congênito2 grave devido à deleção homozigótica5 do gene ABCC8, mas não respondeu a nenhuma terapia médica convencional, detalharam Khalid Hussain, MD, da Sidra Medicine em Doha e da Weill Cornell Medicine-Qatar, e colegas.

A condição causa hipoglicemia6 grave em recém-nascidos e muitas vezes requer pancreatectomia, o que pode causar diabetes7 e insuficiência8 pancreática exócrina.

Depois que o bebê foi encaminhado ao centro médico, a equipe de Hussain iniciou o tratamento com alpelisibe (Piqray) – um inibidor seletivo de fosfatidilinositol-3-quinase (PI3K) que foi aprovado para o tratamento de câncer3 de mama4 com mutação9 PIK3CA e síndromes de crescimento excessivo.

Durante o tratamento, houve uma redução substancial na porcentagem de tempo abaixo da faixa alvo de glicose10 (abaixo de 63 mg/dL11). Na semana 13, o monitoramento contínuo da glicose10 mostrou que o paciente passou apenas 2% do tempo abaixo da faixa alvo.

“Um dos principais efeitos colaterais12 deste medicamento são os níveis elevados de glicose10 no sangue13, então aproveitamos essa observação para tratar a hipoglicemia6 grave”, disse Hussain. “Nossas observações neste caso mostram que a terapia com alpelisibe pode ajudar a reduzir a gravidade da hipoglicemia6 em pacientes que apresentam as formas mais graves de hiperinsulinismo1 congênito2 e, assim, evitar a necessidade de um procedimento radical, como uma pancreatectomia total, na qual os pacientes desenvolverão diabetes mellitus14 para o resto da vida.”

“Se os médicos estão cuidando de pacientes com formas graves de hiperinsulinismo1 congênito2, então, antes de proceder a uma pancreatectomia total, eu recomendaria que eles experimentassem a terapia com alpelisibe”, aconselhou ele a outros médicos.

Leia sobre "Hipoglicemia6 neonatal", "Diabetes Mellitus14" e "Comportamento da glicose10 no sangue13".

Na correspondência publicada, os pesquisadores relatam que o hiperinsulinismo1 congênito2 é uma causa de hipoglicemia6 grave em recém-nascidos. Mutações em ABCC8 e KCNJ11, genes que codificam SUR1 e Kir6, respectivamente, causam hiperinsulinismo1 congênito2 sem resposta médica, uma condição que requer uma pancreatectomia quase total, levando ao diabetes mellitus14 para o resto da vida e à insuficiência8 exócrina pancreática. Assim, novas opções de tratamento estão sendo procuradas para tratamento do hiperinsulinismo1 congênito2.

O alpelisibe é um inibidor α-seletivo da fosfatidilinositol-3-quinase (PI3K) que foi aprovado para o tratamento de câncer3 de mama4 com mutação9 PIK3CA e síndromes de crescimento excessivo. PI3K é um componente de uma cascata que regula o crescimento, proliferação e desenvolvimento celular e sinalização de insulina15. A inibição da via PI3K leva à diminuição do transporte de glicose10 e ao aumento da glicogenólise16 e da gliconeogênese17. A hiperglicemia18 (com cetoacidose diabética19) é o efeito adverso mais comum da terapia com alpelisibe.

Em um relato de caso anterior, o tratamento com alpelisibe em um paciente com hipoglicemia6 por tumor20 de células21 não-ilhotas22 intratável levou a uma melhora no perfil de glicose10. Crianças com hipoglicemia6 devido a mutações no PIK3CA que são tratadas com alpelisibe não apresentam problemas relacionados ao crescimento.

Essa correspondência relata um caso de hiperinsulinismo1 congênito2 grave devido à deleção homozigótica5 do gene ABCC8 em um paciente que não apresentou resposta às terapias médicas convencionais (isto é, diazóxido, nifedipina, hidrocortisona e octreotida). No hospital de referência, o paciente começou a receber uma combinação de terapia com dextrose23 intravenosa, alimentação contínua por sonda de gastrostomia24 e injeções de octreotida de liberação de ação prolongada (15 mg uma vez a cada 4 semanas) para manter níveis aceitáveis de glicose10 no sangue13.

O paciente foi encaminhado ao centro médico em questão nesta correspondência aos 4 meses de idade. Após obter aprovação do comitê farmacêutico e terapêutico, reaproveitou-se o alpelisibe para o tratamento do hiperinsulinismo1 congênito2 e iniciou-se com a dose mínima de 12,5 mg uma vez ao dia. A dose foi aumentada gradualmente até a dose máxima tolerada de 30 mg duas vezes ao dia, e 6 semanas após o início do tratamento, a terapia intravenosa com dextrose23 foi descontinuada e a alimentação contínua por sonda de gastrostomia24 foi alterada para alimentação em bolus25 a cada 3 horas. Em segundo plano, as injeções de octreotida de liberação de de ação prolongada uma vez a cada 4 semanas foram continuadas.

Os médicos observaram o progresso do tratamento com terapia adjuvante com alpelisibe durante um período de 13 semanas. A monitorização contínua da glicose10 mostrou uma redução substancial na percentagem de tempo abaixo do intervalo alvo (<63 mg por decilitro [3,5 mmol por litro]) ao longo do tempo, com um valor de apenas 2% às 13 semanas. O efeito hiperglicêmico do alpelisibe pode variar de 4 horas a 4 semanas entre adultos.

Os únicos efeitos adversos observados foram vômitos26, náusea27 e uma leve elevação no nível sérico de insulina15, e esses efeitos foram dependentes da dose (>30 mg duas vezes por dia). O peso e o comprimento do paciente permaneceram no percentil 50 para a idade antes e depois do tratamento com alpelisibe.

Estas observações sugerem que o alpelisibe pode ser usado como terapia adjuvante para pacientes28 com hiperinsulinismo1 congênito2 que não responde clinicamente e que esta terapia pode ajudar a evitar uma pancreatectomia quase total. São necessários mais ensaios clínicos29 para avaliar a eficácia e segurança do alpelisibe em pacientes com hiperinsulinismo1 congênito2.

Veja também sobre "Insulinoma30 - causa mais comum de hipoglicemia6 por hiperinsulinismo1 endógeno".

 

Fontes:
The New England Journal of Medicine, publicação em 25 de janeiro de 2024.
MedPage Today, notícia publicada em 24 de janeiro de 2024.

 

NEWS.MED.BR, 2024. Medicamento contra câncer de mama foi reaproveitado para bebê com hiperinsulinismo congênito. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1465197/medicamento-contra-cancer-de-mama-foi-reaproveitado-para-bebe-com-hiperinsulinismo-congenito.htm>. Acesso em: 27 abr. 2024.

Complementos

1 Hiperinsulinismo: O hiperinsulinismo congênito resulta de defeitos em genes responsáveis por regular a secreção de insulina pelas células beta do pâncreas, causando hipoglicemia persistente durante a infância. O quadro de hipoglicemia pode ser grave e de difícil tratamento, apresentando elevado risco de convulsão e lesão cerebral.
2 Congênito: 1. Em biologia, o que é característico do indivíduo desde o nascimento ou antes do nascimento; conato. 2. Que se manifesta espontaneamente; inato, natural, infuso. 3. Que combina bem com; apropriado, adequado. 4. Em termos jurídicos, é o que foi adquirido durante a vida fetal ou embrionária; nascido com o indivíduo. Por exemplo, um defeito congênito.
3 Câncer: Crescimento anormal de um tecido celular capaz de invadir outros órgãos localmente ou à distância (metástases).
4 Mama: Em humanos, uma das regiões pareadas na porção anterior do TÓRAX. As mamas consistem das GLÂNDULAS MAMÁRIAS, PELE, MÚSCULOS, TECIDO ADIPOSO e os TECIDOS CONJUNTIVOS.
5 Homozigótica: Referente a homozigoto. Homozigoto é quando os alelos de um ou mais genes são idênticos. Alelos são genes que ocupam os mesmos loci (locais) nos cromossomos.
6 Hipoglicemia: Condição que ocorre quando há uma queda excessiva nos níveis de glicose, freqüentemente abaixo de 70 mg/dL, com aparecimento rápido de sintomas. Os sinais de hipoglicemia são: fome, fadiga, tremores, tontura, taquicardia, sudorese, palidez, pele fria e úmida, visão turva e confusão mental. Se não for tratada, pode levar ao coma. É tratada com o consumo de alimentos ricos em carboidratos como pastilhas ou sucos com glicose. Pode também ser tratada com uma injeção de glucagon caso a pessoa esteja inconsciente ou incapaz de engolir. Também chamada de reação à insulina.
7 Diabetes: Nome que designa um grupo de doenças caracterizadas por diurese excessiva. A mais frequente é o Diabetes mellitus, ainda que existam outras variantes (Diabetes insipidus) de doença nas quais o transtorno primário é a incapacidade dos rins de concentrar a urina.
8 Insuficiência: Incapacidade de um órgão ou sistema para realizar adequadamente suas funções.Manifesta-se de diferentes formas segundo o órgão comprometido. Exemplos: insuficiência renal, hepática, cardíaca, respiratória.
9 Mutação: 1. Ato ou efeito de mudar ou mudar-se. Alteração, modificação, inconstância. Tendência, facilidade para mudar de ideia, atitude etc. 2. Em genética, é uma alteração súbita no genótipo de um indivíduo, sem relação com os ascendentes, mas passível de ser herdada pelos descendentes.
10 Glicose: Uma das formas mais simples de açúcar.
11 Mg/dL: Miligramas por decilitro, unidade de medida que mostra a concentração de uma substância em uma quantidade específica de fluido.
12 Efeitos colaterais: 1. Ação não esperada de um medicamento. Ou seja, significa a ação sobre alguma parte do organismo diferente daquela que precisa ser tratada pelo medicamento. 2. Possível reação que pode ocorrer durante o uso do medicamento, podendo ser benéfica ou maléfica.
13 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.
14 Diabetes mellitus: Distúrbio metabólico originado da incapacidade das células de incorporar glicose. De forma secundária, podem estar afetados o metabolismo de gorduras e proteínas.Este distúrbio é produzido por um déficit absoluto ou relativo de insulina. Suas principais características são aumento da glicose sangüínea (glicemia), poliúria, polidipsia (aumento da ingestão de líquidos) e polifagia (aumento da fome).
15 Insulina: Hormônio que ajuda o organismo a usar glicose como energia. As células-beta do pâncreas produzem insulina. Quando o organismo não pode produzir insulna em quantidade suficiente, ela é usada por injeções ou bomba de insulina.
16 Glicogenólise: Consiste na conversão de glicogênio em glicose, realizada no fígado, geralmente entre as refeições.
17 Gliconeogênese: Formação de novo açúcar. É o caminho pelo qual é produzida a glicose a partir de compostos aglicanos (não-açúcares ou não-carboidratos), sendo a maior parte deste processo realizado no fígado (principalmente em jejum) e uma menor parte realizada no córtex renal.
18 Hiperglicemia: Excesso de glicose no sangue. Hiperglicemia de jejum é o nível de glicose acima dos níveis considerados normais após jejum de 8 horas. Hiperglicemia pós-prandial acima de níveis considerados normais após 1 ou 2 horas após alimentação.
19 Cetoacidose diabética: Complicação aguda comum do diabetes melito, é caracterizada pela tríade de hiperglicemia, cetose e acidose. Laboratorialmente se caracteriza por pH arterial 250 mg/dl, com moderado grau de cetonemia e cetonúria. Esta condição pode ser precipitada principalmente por infecções, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico, trauma e tratamento inadequado do diabetes. Os sinais clínicos da cetoacidose são náuseas, vômitos, dor epigástrica (no estômago), hálito cetônico e respiração rápida. O não-tratamento desta condição pode levar ao coma e à morte.
20 Tumor: Termo que literalmente significa massa ou formação de tecido. É utilizado em geral para referir-se a uma formação neoplásica.
21 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
22 Ilhotas: Grupo de células localizadas no pâncreas responsáveis pela produção de hormônios que ajudam o organismo a quebrar e utilizar os alimentos. Por exemplo, as células-alfa produzem glucagon e as células-beta produzem insulina. Também chamadas de células de Langerhans.
23 Dextrose: Também chamada de glicose. Açúcar encontrado no sangue que serve como principal fonte de energia do organismo.
24 Gastrostomia: Procedimento cirúrgico realizado para fixar uma sonda alimentar. Um orifício artificial é criado na altura do estômago para fazer uma ligação direta do meio externo com o meio interno do paciente.
25 Bolus: Uma quantidade extra de insulina usada para reduzir um aumento inesperado da glicemia, freqüentemente relacionada a uma refeição rápida.
26 Vômitos: São a expulsão ativa do conteúdo gástrico pela boca. Podem ser classificados em: alimentar, fecalóide, biliar, em jato, pós-prandial. Sinônimo de êmese. Os medicamentos que agem neste sintoma são chamados de antieméticos.
27 Náusea: Vontade de vomitar. Forma parte do mecanismo complexo do vômito e pode ser acompanhada de sudorese, sialorréia (salivação excessiva), vertigem, etc.
28 Para pacientes: Você pode utilizar este texto livremente com seus pacientes, inclusive alterando-o, de acordo com a sua prática e experiência. Conheça todos os materiais Para Pacientes disponíveis para auxiliar, educar e esclarecer seus pacientes, colaborando para a melhoria da relação médico-paciente, reunidos no canal Para Pacientes . As informações contidas neste texto são baseadas em uma compilação feita pela equipe médica da Centralx. Você deve checar e confirmar as informações e divulgá-las para seus pacientes de acordo com seus conhecimentos médicos.
29 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
30 Insulinoma: Tumor das células-beta do pâncreas. Um insulinoma pode levar o organismo à produção exagerada de insulina, culminando em hipoglicemias.
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