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Proteínas inflamatórias no sistema imunológico inato podem danificar os neurônios e levar à esclerose lateral amiotrófica

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Para médicos, cientistas e pacientes, as doenças neurodegenerativas, que afetam centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, continuam sendo um inimigo temível. Uma série de tratamentos pode ajudar a aliviar os sintomas1 e retardar a progressão, mas a cura permanece indefinida.

Agora, pesquisadores da Harvard Medical School e do Boston Children's Hospital identificaram proteínas2 envolvidas no sistema imunológico3 inato que podem estar na raiz de uma série de condições neurodegenerativas.

As descobertas, baseadas em experimentos em camundongos e células nervosas4 humanas, e publicadas na revista Neuron, apontam para novos caminhos para retardar a disfunção neuronal e tratar a esclerose5 lateral amiotrófica (ELA), uma doença fatal do neurônio motor.

Especificamente, os pesquisadores descobriram que a inativação de uma molécula no cérebro6 ligada à inflamação7 previne danos celulares em neurônios8 humanos e retarda a progressão da ELA em camundongos.

“Revelamos uma molécula imune inata desempenhando um papel na neurodegeneração, que apresenta uma nova via de pensamento sobre a saúde9 neuronal”, disse Isaac Chiu, professor associado de imunologia no Instituto Blavatnik da HMS e co-investigador principal do projeto.

“A necessidade não atendida de terapias para doenças neurodegenerativas é enorme, e nosso trabalho abre toda uma nova patologia10 que poderíamos abordar”, disse Judy Lieberman, professora de pediatria da HMS, presidente de medicina celular e molecular no Boston Children's e co-investigadora principal do projeto.

Leia sobre "Doenças degenerativas11", "Doenças neuromusculares" e "Sistema imunológico3".

Quando as células12 reconhecem o perigo, uma infecção13, por exemplo, as moléculas imunes soam um alarme que recruta células12 imunes para o local do dano para eliminá-lo e orquestrar o reparo do tecido14. Às vezes, a resposta imune envolve uma família de proteínas2 chamadas gasderminas, que provocam a morte das células12 por meio de um processo altamente inflamatório chamado piroptose. Um tipo de gasdermina, a gasdermina E, é expressa no cérebro6, mais altamente nas células nervosas4. Mas ninguém sabia o que essa proteína estava realmente fazendo.

A equipe de pesquisa, liderada por Lieberman e Chiu, primeiro examinou como a gasdermina E afeta os neurônios8. A equipe desenvolveu modelos de neurônios8 de camundongos e de amostras humanas e analisou os efeitos da gasdermina E nos axônios15, ou as partes dos neurônios8 que enviam sinais16 elétricos. Os pesquisadores descobriram que, quando os neurônios8 detectam um perigo, a gasdermina E causa danos às centrais de força da célula17, conhecidas como mitocôndrias18, e aos axônios15. Os axônios15 degeneram, mas as células12 não morrem.

“Se você olhar para uma placa19 de neurônios8, verá uma selva de axônios15. Mas se você olhar para uma placa19 onde a gasdermina E é ativada, verá retrações desses processos celulares”, explicou Himanish Basu, pesquisador de pós-doutorado da HMS no laboratório de Chiu e primeiro autor do estudo.

Essa retração ocorre em neurônios8 motores derivados de pacientes com ELA, uma doença progressiva que começa com espasmos20 musculares e fraqueza e eventualmente progride para atrofia21 muscular e paralisia22 total.

“Nosso trabalho é um exemplo de como a imunologia pode ajudar a explicar a neurodegeneração em um nível mecanicista e o que leva à perda de axônios15 e lesões23 neuronais”, disse Dylan Neel, estudante de pós-graduação no laboratório de Chiu e co-autor do estudo.

Para entender melhor a relação entre a gasdermina E e a neurodegeneração, a equipe criou modelos de neurônios8 motores da ELA, transformando células-tronco24 de pessoas com ELA em neurônios8. Os pesquisadores descobriram que a gasdermina E está presente em níveis elevados nesses neurônios8. Quando os pesquisadores silenciaram a gasdermina E nesses neurônios8, os axônios15 e as mitocôndrias18 dessas células12 foram protegidos contra danos.

A equipe então queria testar se os efeitos vistos nas células12 poderiam se traduzir em melhorias nos sintomas1 relacionados à neurodegeneração. Os pesquisadores silenciaram a gasdermina E em um modelo de camundongo de ELA e descobriram que isso atrasou a progressão dos sintomas1 e levou a neurônios8 motores protegidos, axônios15 mais longos e menos inflamação7 geral. Esses achados sugerem que a gasdermina E leva a alterações nos neurônios8 que podem contribuir para a progressão da doença.

“A inflamação7 é uma faca de dois gumes e pode ser protetora ou destrutiva com base no contexto”, disse Chiu.

Embora alguns medicamentos possam bloquear os efeitos de outras proteínas2 gasdermina, ainda não está claro se a gasdermina E pode ser especificamente direcionada com medicamentos. Mas este trabalho é um primeiro passo importante para o desenvolvimento de novas abordagens para o tratamento de ELA.

“Descrevemos um caminho e moléculas que você pode direcionar para o tratamento de muitas doenças neurodegenerativas”, disse Lieberman.

Gasdermina E medeia dano mitocondrial em axônios15 e neurodegeneração

Destaques

  • A gasdermina E (GSDME) é expressa por neurônios8 e ativada por toxinas25 mitocondriais.
  • A GSDME neuronal leva a danos mitocondriais locais e perda de axônios15 antes da morte celular.
  • Proteínas2 associadas à esclerose5 lateral amiotrófica e à demência26 frontotemporal ativam a GSDME e levam à perda de neuritos em neurônios8 de camundongos e humanos.
  • Camundongos com a GSDME silenciada resgataram a progressão da doença e a perda de neurônios8 motores.

Resumo

Disfunção mitocondrial e perda de axônios15 são características de doenças neurológicas. As proteínas2 Gasdermina (GSDM) são moléculas executoras formadoras de poros que medeiam a morte celular, mas seus papéis no sistema nervoso central27 (SNC28) não são bem compreendidos.

Neste estudo, descobriu-se que um membro da família GSDM, gasdermina E (GSDME), é expresso por neurônios8 humanos e de camundongos. A GSDME desempenha um papel no dano mitocondrial e perda de axônio29.

As neurotoxinas mitocondriais induziram a clivagem da GSDME dependente de caspase e a rápida localização para mitocôndrias18 nos axônios15, onde a GSDME promoveu a despolarização mitocondrial, defeitos de tráfego e retração de neuritos.

As proteínas2 associadas à demência26 frontotemporal (DFT)/esclerose5 lateral amiotrófica (ELA) TDP-43 e PR-50 induzem dano mediado por GSDME às mitocôndrias18 e perda de neuritos.

O silenciamento da GSDME protegeu contra a perda de neuritos em neurônios8 motores derivados de células-tronco24 pluripotentes induzidas de pacientes com ELA. O silenciamento da GSDME em modelos de camundongos de ELA prolongou a sobrevida30, melhorou a disfunção motora, resgatou a perda de neurônios8 motores e reduziu a neuroinflamação.

Identificou-se, portanto, a GSDME como um executor da disfunção mitocondrial neuronal que pode contribuir para a neurodegeneração.

Veja também sobre "Esclerose5 lateral amiotrófica", "Doença do neurônio motor" e "Demência26 frontotemporal".

 

Fontes:
Neuron, publicação em 13 de março de 2023.
Harvard Medical School, notícia publicada em 13 de março de 2023.

 

NEWS.MED.BR, 2023. Proteínas inflamatórias no sistema imunológico inato podem danificar os neurônios e levar à esclerose lateral amiotrófica. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1435645/proteinas-inflamatorias-no-sistema-imunologico-inato-podem-danificar-os-neuronios-e-levar-a-esclerose-lateral-amiotrofica.htm>. Acesso em: 29 mar. 2024.

Complementos

1 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
2 Proteínas: Um dos três principais nutrientes dos alimentos. Alimentos que fornecem proteína incluem carne vermelha, frango, peixe, queijos, leite, derivados do leite, ovos.
3 Sistema imunológico: Sistema de defesa do organismo contra infecções e outros ataques de micro-organismos que enfraquecem o nosso corpo.
4 Células Nervosas: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO.
5 Esclerose: 1. Em geriatria e reumatologia, é o aumento patológico de tecido conjuntivo em um órgão, que ocorre em várias estruturas como nervos, pulmões etc., devido à inflamação crônica ou por razões desconhecidas. 2. Em anatomia botânica, é o enrijecimento das paredes celulares das plantas, por espessamento e/ou pela deposição de lignina. 3. Em fitopatologia, é o endurecimento anormal de um tecido vegetal, especialemnte da polpa dos frutos.
6 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
7 Inflamação: Conjunto de processos que se desenvolvem em um tecido em resposta a uma agressão externa. Incluem fenômenos vasculares como vasodilatação, edema, desencadeamento da resposta imunológica, ativação do sistema de coagulação, etc.Quando se produz em um tecido superficial (pele, tecido celular subcutâneo) pode apresentar tumefação, aumento da temperatura local, coloração avermelhada e dor (tétrade de Celso, o cientista que primeiro descreveu as características clínicas da inflamação).
8 Neurônios: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO. Sinônimos: Células Nervosas
9 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
10 Patologia: 1. Especialidade médica que estuda as doenças e as alterações que estas provocam no organismo. 2. Qualquer desvio anatômico e/ou fisiológico, em relação à normalidade, que constitua uma doença ou caracterize determinada doença. 3. Por extensão de sentido, é o desvio em relação ao que é próprio ou adequado ou em relação ao que é considerado como o estado normal de uma coisa inanimada ou imaterial.
11 Degenerativas: Relativas a ou que provocam degeneração.
12 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
13 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
14 Tecido: Conjunto de células de características semelhantes, organizadas em estruturas complexas para cumprir uma determinada função. Exemplo de tecido: o tecido ósseo encontra-se formado por osteócitos dispostos em uma matriz mineral para cumprir funções de sustentação.
15 Axônios: Prolongamento único de uma célula nervosa. Os axônios atuam como condutores dos impulsos nervosos e só possuem ramificações na extremidade. Em toda sua extensão, o axônio é envolvido por um tipo celular denominado célula de Schwann.
16 Sinais: São alterações percebidas ou medidas por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida.
17 Célula: Unidade funcional básica de todo tecido, capaz de se duplicar (porém algumas células muito especializadas, como os neurônios, não conseguem se duplicar), trocar substâncias com o meio externo à célula, etc. Possui subestruturas (organelas) distintas como núcleo, parede celular, membrana celular, mitocôndrias, etc. que são as responsáveis pela sobrevivência da mesma.
18 Mitocôndrias: Organelas semi-autônomas que se auto-reproduzem, encontradas na maioria do citoplasma de todas as células, mas não de todos os eucariotos. Cada mitocôndria é envolvida por uma membrana dupla limitante. A membrana interna é altamente invaginada e suas projeções são denominadas cristas. As mitocôndrias são os locais das reações de fosforilação oxidativa, que resultam na formação de ATP. Elas contêm RIBOSSOMOS característicos, RNA DE TRANSFERÊNCIA, AMINOACIL-T RNA SINTASES e fatores de alongação e terminação. A mitocôndria depende dos genes contidos no núcleo das células no qual se encontram muitos RNAs mensageiros essenciais (RNA MENSAGEIRO). Acredita-se que a mitocôndria tenha se originado a partir de bactérias aeróbicas que estabeleceram uma relação simbiótica com os protoeucariotos primitivos.
19 Placa: 1. Lesão achatada, semelhante à pápula, mas com diâmetro superior a um centímetro. 2. Folha de material resistente (metal, vidro, plástico etc.), mais ou menos espessa. 3. Objeto com formato de tabuleta, geralmente de bronze, mármore ou granito, com inscrição comemorativa ou indicativa. 4. Chapa que serve de suporte a um aparelho de iluminação que se fixa em uma superfície vertical ou sobre uma peça de mobiliário, etc. 5. Placa de metal que, colocada na dianteira e na traseira de um veículo automotor, registra o número de licenciamento do veículo. 6. Chapa que, emitida pela administração pública, representa sinal oficial de concessão de certas licenças e autorizações. 7. Lâmina metálica, polida, usualmente como forma em processos de gravura. 8. Área ou zona que difere do resto de uma superfície, ordinariamente pela cor. 9. Mancha mais ou menos espessa na pele, como resultado de doença, escoriação, etc. 10. Em anatomia geral, estrutura ou órgão chato e em forma de placa, como uma escama ou lamela. 11. Em informática, suporte plano, retangular, de fibra de vidro, em que se gravam chips e outros componentes eletrônicos do computador. 12. Em odontologia, camada aderente de bactérias que se forma nos dentes.
20 Espasmos: 1. Contrações involuntárias, não ritmadas, de um ou vários músculos, podendo ocorrer isolada ou continuamente, sendo dolorosas ou não. 2. Qualquer contração muscular anormal. 3. Sentido figurado: arrebatamento, exaltação, espanto.
21 Atrofia: 1. Em biologia, é a falta de desenvolvimento de corpo, órgão, tecido ou membro. 2. Em patologia, é a diminuição de peso e volume de órgão, tecido ou membro por nutrição insuficiente das células ou imobilização. 3. No sentido figurado, é uma debilitação ou perda de alguma faculdade mental ou de um dos sentidos, por exemplo, da memória em idosos.
22 Paralisia: Perda total da força muscular que produz incapacidade para realizar movimentos nos setores afetados. Pode ser produzida por doença neurológica, muscular, tóxica, metabólica ou ser uma combinação das mesmas.
23 Lesões: 1. Ato ou efeito de lesar (-se). 2. Em medicina, ferimento ou traumatismo. 3. Em patologia, qualquer alteração patológica ou traumática de um tecido, especialmente quando acarreta perda de função de uma parte do corpo. Ou também, um dos pontos de manifestação de uma doença sistêmica. 4. Em termos jurídicos, prejuízo sofrido por uma das partes contratantes que dá mais do que recebe, em virtude de erros de apreciação ou devido a elementos circunstanciais. Ou também, em direito penal, ofensa, dano à integridade física de alguém.
24 Células-tronco: São células primárias encontradas em todos os organismos multicelulares que retêm a habilidade de se renovar por meio da divisão celular mitótica e podem se diferenciar em uma vasta gama de tipos de células especializadas.
25 Toxinas: Substâncias tóxicas, especialmente uma proteína, produzidas durante o metabolismo e o crescimento de certos microrganismos, animais e plantas, capazes de provocar a formação de anticorpos ou antitoxinas.
26 Demência: Deterioração irreversível e crônica das funções intelectuais de uma pessoa.
27 Sistema Nervoso Central: Principais órgãos processadores de informação do sistema nervoso, compreendendo cérebro, medula espinhal e meninges.
28 SNC: Principais órgãos processadores de informação do sistema nervoso, compreendendo cérebro, medula espinhal e meninges.
29 Axônio: Prolongamento único de uma célula nervosa. Os axônios atuam como condutores dos impulsos nervosos e só possuem ramificações na extremidade. Em toda sua extensão, o axônio é envolvido por um tipo celular denominado célula de Schwann.
30 Sobrevida: Prolongamento da vida além de certo limite; prolongamento da existência além da morte, vida futura.
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