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Tanto o tempo de jejum quanto o horário em que se come afetam os resultados cardiometabólicos

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Dois artigos publicados na revista Cell alertam para detalhes muitas vezes não considerados quando queremos ter saúde1: tão importante quanto o que colocamos no prato é que horas comemos e quanto tempo de jejum se faz todos os dias.

Tudo isso é contemplado pela nova área da nutrição2 e da saúde1, a crononutrição.

Em um dos estudos, descobriu-se que comer em uma janela de 10 horas pode reduzir os danos à saúde1 do trabalho em turnos: bombeiros que trabalham em turnos de 24 horas que só comiam entre 9h e 19h viram melhorias na saúde1 do coração3, açúcar4 no sangue5 e pressão arterial6.

O trabalho em turnos interrompe os ritmos circadianos, os ciclos de 24 horas de sono e vigília que também governam a atividade de vários órgãos. Comer pode regular esses ritmos. Para ver se mudar o que e quando as pessoas comem poderia neutralizar os danos do trabalho em turnos, Satchidananda Panda, do Salk Institute for Biological Studies, na Califórnia, e seus colegas estudaram bombeiros que trabalhavam em turnos de 24 horas.

Eles aconselharam 137 bombeiros em San Diego, Califórnia, a passar 12 semanas seguindo a dieta mediterrânea7 – rica em frutas, vegetais, legumes, grãos integrais e azeite e pobre em carne vermelha e açúcar4. Eles pediram a 70 para comer no mesmo período de 10 horas todos os dias e os outros 67 para comer sempre que quisessem. Antes do estudo, os grupos não apresentavam diferenças significativas de saúde1 e mais de 70% dos participantes tinham pelo menos um fator de risco8 para doenças cardíacas ou metabólicas, como pressão alta ou obesidade9.

Os participantes registraram quando comeram usando um aplicativo de smartphone e responderam a pesquisas sobre sono e bem-estar antes e depois do estudo. Os pesquisadores também coletaram amostras de sangue5 e acompanharam o peso dos participantes. Os bombeiros do grupo de alimentação com restrição de tempo viram maiores melhorias na saúde1 após 12 semanas em comparação com o grupo de controle. A maior melhoria foi no tamanho das partículas nocivas de colesterol10 conhecidas como lipoproteínas de densidade muito baixa, que aumentam o risco de doenças cardiovasculares11. Em média, o tamanho dessas partículas diminuiu quase 3% no grupo de alimentação com restrição de tempo em comparação com uma diminuição de 0,5% no grupo controle.

“Isso é muito importante porque uma das principais causas de morte ou incapacidade para os bombeiros é a doença cardiovascular”, diz Panda.

Saiba mais sobre "Alimentação saudável", "Dieta do jejum", "Dieta mediterrânea7" e "Crononutrição".

Os bombeiros na dieta com restrição de tempo também tiveram, em média, reduções ligeiramente maiores de peso, pressão arterial diastólica12, consumo de álcool, ingestão calórica e distúrbios do sono. A dieta com restrição de tempo também levou a maiores declínios na pressão arterial6 e no açúcar4 no sangue5 entre os bombeiros com níveis elevados desses marcadores previamente.

“Se os bombeiros fizerem uma dieta mediterrânea7, isso é bom, mas se combinarem a dieta com alimentação com restrição de tempo, melhor ainda”, diz Panda. Comer ajuda a ditar quando os órgãos realizam certas funções. O estômago13, por exemplo, geralmente digere os alimentos durante o dia e se repara à noite, mas não consegue realizar essas funções simultaneamente. Um horário consistente de alimentação durante o dia reforça esse padrão e garante que vários órgãos tenham tempo para se reparar, diz ele.

No artigo, os pesquisadores exploraram a viabilidade da alimentação com restrição de tempo e os impactos na saúde1 cardiometabólica em trabalhadores de turno de 24 horas.

Eles relatam que mais de um quarto da força de trabalho nos países industrializados trabalha por turnos, o que aumenta o risco de doenças cardiometabólicas. No entanto, os trabalhadores de turnos são frequentemente excluídos dos estudos de intervenção no estilo de vida para reduzir esse risco.

Nesse estudo de controle randomizado14 com 137 bombeiros que trabalham em turnos de 24 horas (23 a 59 anos, 9% do sexo feminino), 12 semanas de alimentação com restrição de tempo (ART) de 10 horas foi viável, com os participantes de ART diminuindo sua janela alimentar (linha de base, média de 14,13 horas, IC 95% 13,78–14,47 horas; intervenção, 11,13 horas, IC 95% 10,73–11,54 horas, p = 3,29E−17) sem efeitos adversos e com melhor qualidade de vida avaliada via Questionário de Qualidade de Vida SF-36.

Comparado com o braço de padrão de cuidados (PC), a ART diminuiu significativamente o tamanho das partículas de VLDL. Nos participantes com riscos cardiometabólicos elevados no início do estudo, houve reduções significativas na ART em comparação com o PC na hemoglobina glicada15 A1C16 e na pressão arterial6 diastólica.

Para indivíduos que trabalham em turnos de 24 horas, portanto, a alimentação com restrição de tempo é viável e pode melhorar a saúde1 cardiometabólica, especialmente para indivíduos com risco aumentado.

No outro estudo que mencionamos no início deste texto, pesquisadores demonstraram que a alimentação isocalórica tardia aumenta a fome, diminui o gasto energético e modifica as vias metabólicas em adultos com sobrepeso17 e obesidade9.

Eles citaram alguns pontos de destaque do estudo:

  • A ingestão tardia aumenta a fome ao acordar e diminui a leptina18 sérica de 24 horas.
  • A ingestão tardia diminui o gasto energético durante a vigília e a temperatura corporal central de 24 horas.
  • A alimentação tardia altera a expressão gênica do tecido adiposo19 favorecendo o aumento do armazenamento de lipídios.
  • Combinadas, essas mudanças após a alimentação tardia podem aumentar o risco de obesidade9 em humanos.

A alimentação tardia tem sido associada ao risco de obesidade9. Não está claro se isso é causado por mudanças na fome e apetite, gasto de energia ou ambos, e se as vias moleculares nos tecidos adiposos estão envolvidas. Portanto, realizou-se um estudo randomizado20, controlado e cruzado para determinar os efeitos da alimentação tardia versus mais cedo, controlando rigorosamente a ingestão de nutrientes, atividade física, sono e exposição à luz.

A ingestão tardia aumentou a fome (p < 0,0001) e alterou os hormônios reguladores do apetite, aumentando o tempo de vigília e a razão grelina:leptina18 de 24 horas (p <0,0001 e p = 0,006, respectivamente).

Além disso, a alimentação tardia diminuiu o gasto energético ao acordar (p = 0,002) e a temperatura corporal central de 24 horas (p = 0,019).

As análises de expressão gênica do tecido adiposo19 mostraram que a ingestão tardia alterou as vias envolvidas no metabolismo21 lipídico, por exemplo, sinalização p38 MAPK, sinalização TGF-β, modulação de tirosina22 quinases receptoras e autofagia, em uma direção consistente com diminuição da lipólise/aumento da adipogênese.

Esses achados mostram mecanismos convergentes pelos quais a alimentação tardia pode resultar em balanço energético positivo e aumento do risco de obesidade9.

Dessa forma, o que os dois artigos propõem, em resumo, seria para comer em uma janela de 10h (fazendo então 14h de jejum) e parar de comer mais cedo, se alimentando até às sete da noite, por exemplo. Espera-se que pessoas que seguem esses hábitos, mesmo com quantidade de calorias23 ingeridas semelhante a outras pessoas que têm hábito de comer o dia todo e que comem até tarde, tenham melhores parâmetros de saúde1, como peso corporal, glicemia24, colesterol10 e níveis de pressão arterial6.

Veja também sobre "Ritmo circadiano25", "Como funciona o controle do apetite" e "Sete passos para um coração3 saudável".

 

Fontes:
Cell, Vol. 34, Nº 10, em 04 de outubro de 2022.
Cell, Vol. 34, Nº 10, em 04 de outubro de 2022.
New Scientist, notícia publicada em 04 de outubro de 2022.

 

NEWS.MED.BR, 2022. Tanto o tempo de jejum quanto o horário em que se come afetam os resultados cardiometabólicos. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1427475/tanto-o-tempo-de-jejum-quanto-o-horario-em-que-se-come-afetam-os-resultados-cardiometabolicos.htm>. Acesso em: 29 mar. 2024.

Complementos

1 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
2 Nutrição: Incorporação de vitaminas, minerais, proteínas, lipídios, carboidratos, oligoelementos, etc. indispensáveis para o desenvolvimento e manutenção de um indivíduo normal.
3 Coração: Órgão muscular, oco, que mantém a circulação sangüínea.
4 Açúcar: 1. Classe de carboidratos com sabor adocicado, incluindo glicose, frutose e sacarose. 2. Termo usado para se referir à glicemia sangüínea.
5 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.
6 Pressão arterial: A relação que define a pressão arterial é o produto do fluxo sanguíneo pela resistência. Considerando-se a circulação como um todo, o fluxo total é denominado débito cardíaco, enquanto a resistência é denominada de resistência vascular periférica total.
7 Dieta Mediterrânea: Alimentação rica em carboidratos, fibras, elevado consumo de verduras, legumes e frutas (frescas e secas) e pobre em ácidos graxos saturados. É recomendada uma ingestão maior de gordura monoinsaturada em decorrência da grande utilização do azeite de oliva. Além de vinho.
8 Fator de risco: Qualquer coisa que aumente a chance de uma pessoa desenvolver uma doença.
9 Obesidade: Condição em que há acúmulo de gorduras no organismo além do normal, mais severo que o sobrepeso. O índice de massa corporal é igual ou maior que 30.
10 Colesterol: Tipo de gordura produzida pelo fígado e encontrada no sangue, músculos, fígado e outros tecidos. O colesterol é usado pelo corpo para a produção de hormônios esteróides (testosterona, estrógeno, cortisol e progesterona). O excesso de colesterol pode causar depósito de gordura nos vasos sangüíneos. Seus componentes são: HDL-Colesterol: tem efeito protetor para as artérias, é considerado o bom colesterol. LDL-Colesterol: relacionado às doenças cardiovasculares, é o mau colesterol. VLDL-Colesterol: representa os triglicérides (um quinto destes).
11 Doenças cardiovasculares: Doença do coração e vasos sangüíneos (artérias, veias e capilares).
12 Pressão arterial diastólica: É a pressão mais baixa detectada no sistema arterial sistêmico, observada durante a fase de diástole do ciclo cardíaco. É também denominada de pressão mínima.
13 Estômago: Órgão da digestão, localizado no quadrante superior esquerdo do abdome, entre o final do ESÔFAGO e o início do DUODENO.
14 Randomizado: Ensaios clínicos comparativos randomizados são considerados o melhor delineamento experimental para avaliar questões relacionadas a tratamento e prevenção. Classicamente, são definidos como experimentos médicos projetados para determinar qual de duas ou mais intervenções é a mais eficaz mediante a alocação aleatória, isto é, randomizada, dos pacientes aos diferentes grupos de estudo. Em geral, um dos grupos é considerado controle – o que algumas vezes pode ser ausência de tratamento, placebo, ou mais frequentemente, um tratamento de eficácia reconhecida. Recursos estatísticos são disponíveis para validar conclusões e maximizar a chance de identificar o melhor tratamento. Esses modelos são chamados de estudos de superioridade, cujo objetivo é determinar se um tratamento em investigação é superior ao agente comparativo.
15 Hemoglobina glicada: Hemoglobina glicada, hemoglobina glicosilada, glico-hemoglobina ou HbA1C e, mais recentemente, apenas como A1C é uma ferramenta de diagnóstico na avaliação do controle glicêmico em pacientes diabéticos. Atualmente, a manutenção do nível de A1C abaixo de 7% é considerada um dos principais objetivos do controle glicêmico de pacientes diabéticos. Algumas sociedades médicas adotam metas terapêuticas mais rígidas de 6,5% para os valores de A1C.
16 A1C: O exame da Hemoglobina Glicada (A1C) ou Hemoglobina Glicosilada é um teste laboratorial de grande importância na avaliação do controle do diabetes. Ele mostra o comportamento da glicemia em um período anterior ao teste de 60 a 90 dias, possibilitando verificar se o controle glicêmico foi efetivo neste período. Isso ocorre porque durante os últimos 90 dias a hemoglobina vai incorporando glicose em função da concentração que existe no sangue. Caso as taxas de glicose apresentem níveis elevados no período, haverá um aumento da hemoglobina glicada. O valor de A1C mantido abaixo de 7% promove proteção contra o surgimento e a progressão das complicações microvasculares do diabetes (retinopatia, nefropatia e neuropatia).
17 Sobrepeso: Peso acima do normal, índice de massa corporal entre 25 e 29,9.
18 Leptina: Proteína secretada por adipócitos que age no sistema nervoso central promovendo menor ingestão alimentar e incrementando o metabolismo energético, além de afetar o eixo hipotalâmico-hipofisário e regular mecanismos neuroendócrinos. Do grego leptos = magro.
19 Tecido Adiposo: Tecido conjuntivo especializado composto por células gordurosas (ADIPÓCITOS). É o local de armazenamento de GORDURAS, geralmente na forma de TRIGLICERÍDEOS. Em mamíferos, existem dois tipos de tecido adiposo, a GORDURA BRANCA e a GORDURA MARROM. Suas distribuições relativas variam em diferentes espécies sendo que a maioria do tecido adiposo compreende o do tipo branco.
20 Estudo randomizado: Ensaios clínicos comparativos randomizados são considerados o melhor delineamento experimental para avaliar questões relacionadas a tratamento e prevenção. Classicamente, são definidos como experimentos médicos projetados para determinar qual de duas ou mais intervenções é a mais eficaz mediante a alocação aleatória, isto é, randomizada, dos pacientes aos diferentes grupos de estudo. Em geral, um dos grupos é considerado controle - o que algumas vezes pode ser ausência de tratamento, placebo, ou mais frequentemente, um tratamento de eficácia reconhecida. Recursos estatísticos são disponíveis para validar conclusões e maximizar a chance de identificar o melhor tratamento. Esses modelos são chamados de estudos de superioridade, cujo objetivo é determinar se um tratamento em investigação é superior ao agente comparativo.
21 Metabolismo: É o conjunto de transformações que as substâncias químicas sofrem no interior dos organismos vivos. São essas reações que permitem a uma célula ou um sistema transformar os alimentos em energia, que será ultilizada pelas células para que as mesmas se multipliquem, cresçam e movimentem-se. O metabolismo divide-se em duas etapas: catabolismo e anabolismo.
22 Tirosina: É um dos aminoácidos polares, sem carga elétrica, que compõem as proteínas, caracterizado pela cadeia lateral curta na qual está presente um anel aromático e um grupamento hidroxila.
23 Calorias: Dizemos que um alimento tem “x“ calorias, para nos referirmos à quantidade de energia que ele pode fornecer ao organismo, ou seja, à energia que será utilizada para o corpo realizar suas funções de respiração, digestão, prática de atividades físicas, etc.
24 Glicemia: Valor de concentração da glicose do sangue. Seus valores normais oscilam entre 70 e 110 miligramas por decilitro de sangue (mg/dl).
25 Ritmo circadiano: Também conhecido como ciclo circadiano, o ritmo circadiano representa o período de um dia (24 horas) no qual se completam as atividades do ciclo biológico dos seres vivos. Uma das funções deste sistema é o ajuste do relógio biológico, controlando o sono e o apetite. Através de um marca-passo interno que se encontra no cérebro, o ritmo circadiano regula tanto os ritmos materiais quanto os psicológicos, o que pode influenciar em atividade como: digestão em vigília, renovação de células e controle de temperatura corporal.
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