Novas descobertas ajudam a explicar como a COVID-19 domina o sistema imunológico, sugerindo a dinâmica mitocondrial como mediadora parcial do efeito do SARS-CoV-2 na imunidade inata
O surgimento do SARS-CoV-2 (COVID-19) tem estressado os sistemas econômicos e de saúde1 globais. Relatórios anteriores mostraram que o SARS-CoV-2 induziu uma resposta imune inata distinta, embora leve, que foi muito mais baixa em comparação com outros vírus2 respiratórios. A infecção3 por SARS-CoV-2 induziu especificamente níveis baixos de IFN-I e IFN-III em vários modelos celulares. Essa resposta imune inata atenuada específica poderia explicar como os indivíduos mais velhos, que provavelmente apresentam declínio das células4 imunes relacionado à idade, estão em risco de mortalidade5 por SARS-CoV-2.
No entanto, os mecanismos pelos quais o SARS-CoV-2 evita a sinalização imune inata não são claros. Um mecanismo potencial é a mediação mitocondrial, já que os dados transcriptômicos do SARS-CoV-2 foram enriquecidos para processos de organização mitocondrial. Ainda assim, o papel das mitocôndrias6 na infecção3 por SARS-CoV-2 é amplamente indeterminado.
Nesse contexto, buscando entender por que a COVID-19 é capaz de suprimir a resposta imunológica do corpo, uma nova pesquisa da Escola de Gerontologia7 Leonard Davis da USC sugere que as mitocôndrias6 são uma das primeiras linhas de defesa contra a COVID-19 e identifica as principais diferenças em como o SARS-CoV-2, o vírus2 que causa a COVID-19, afeta genes mitocondriais quando comparado a outros vírus2.
Essas diferenças oferecem possíveis explicações de por que adultos mais velhos e pessoas com disfunção metabólica, como aquelas com diabetes8 e doenças cardíacas, têm respostas mais graves à COVID-19 do que outros indivíduos e também fornecem um ponto de partida para abordagens mais direcionadas que podem ajudar a identificar terapêuticas, diz o autor sênior9 do estudo Pinchas Cohen, professor de gerontologia7, medicina e ciências biológicas e reitor da Escola Leonard Davis da USC.
Leia sobre "Como o coronavírus entra no tecido10 respiratório e explora as defesas" e "Hipertensão11 e diabetes8 e maior risco de infecção3 por COVID-19".
“Se você já tem disfunção mitocondrial e metabólica, então você pode, como resultado, ter uma primeira linha de defesa ruim contra a COVID-19. Trabalhos futuros devem considerar a biologia mitocondrial como um alvo primário de intervenção para o SARS-CoV-2 e outros coronavírus,” ele disse.
O estudo, publicado na revista Nature Scientific Reports, expande as descobertas recentes de que a COVID-19 silencia a resposta inflamatória inata do corpo e relata que ela o faz desviando os genes mitocondriais de sua função normal.
“Já sabíamos que nossa resposta imunológica não estava montando uma defesa bem-sucedida contra a COVID-19, mas não sabíamos por quê”, disse o autor principal Brendan Miller, estudante sênior9 de doutorado na Escola Leonard Davis da USC. “O que fizemos de maneira diferente foi observar como o vírus2 ataca especificamente as mitocôndrias6, uma organela celular que é uma parte crucial do sistema imunológico12 inato do corpo e da produção de energia.”
Para chegar às descobertas, os pesquisadores analisaram a resposta do transcriptoma mitocondrial do hospedeiro ao SARS-CoV-2 em modelos de células4 múltiplas e amostras clínicas.
Sabendo que o SARS-CoV-2 induz uma resposta imune inata silenciada em comparação com outros vírus2 respiratórios, os pesquisadores avaliaram a hipótese de que a dinâmica mitocondrial pode mediar parcialmente este efeito do SARS-CoV-2 na imunidade13 inata.
Foi demonstrado que os polipeptídeos codificados por quadros de leitura aberta de SARS-CoV e SARS-CoV-2 se localizam na mitocôndria14 e interrompem a sinalização da proteína de sinalização antiviral mitocondrial (MAVS, do inglês Mitocondrial Antiviral Signaling). Daí formulou-se a hipótese de que o SARS-CoV-2 regularia distintamente o transcriptoma mitocondrial.
Os pesquisadores analisaram vários dados RNASeq disponíveis publicamente derivados de células4 primárias, linhas celulares e amostras clínicas (ou seja, fluido de lavagem broncoalveolar e pulmão15).
Com isso, relatou-se que o SARS-CoV-2 não regulou dramaticamente (1) a expressão do gene codificado pelo DNA mitocondrial ou (2) a expressão da MAVS, e (3) os genes mitocondriais codificados pelo núcleo de regulação negativa do SARS-CoV-2, relacionados à respiração celular e ao Complexo I.
Assim, a principal descoberta é que o SARS-CoV-2 reduz os níveis do grupo de proteínas16 mitocondriais conhecidas como Complexo I, que são codificadas pelo DNA nuclear. É possível que esse efeito “acalme” a produção metabólica da célula17 e a geração de espécies reativas de oxigênio, que quando funcionam corretamente, produzem uma resposta inflamatória que pode matar um vírus2, afirmam os autores.
“A COVID-19 está reprogramando a célula17 para não produzir essas proteínas16 relacionadas ao Complexo I. Essa pode ser uma maneira pela qual o vírus2 continua a se propagar”, diz Miller, que observa que isso, junto com outras observações do estudo, ainda precisa ser validado em experiências futuras.
O estudo também revelou que o SARS-CoV-2 não altera os níveis da proteína mensageira, o mRNA da MAVS, que geralmente informa à célula17 que um ataque viral aconteceu. Normalmente, quando essa proteína é ativada, ela funciona como um sistema de alarme, avisando a célula17 para se autodestruir para que o vírus2 não possa se replicar, diz Miller.
Além disso, os pesquisadores descobriram que os genes codificados pelas mitocôndrias6 não estavam sendo ativados ou desativados pelo SARS-CoV-2 – um processo que se acredita produzir energia que pode ajudar a célula17 a escapar de um vírus2 – em taxas esperadas quando confrontadas com um vírus2.
"Este estudo adiciona a um crescente corpo de pesquisa sobre as interações mitocondrial-COVID e apresenta tecidos e efeitos específicos de células4 que devem ser cuidadosamente considerados em experimentos futuros", disse Cohen.
Veja também: "Infecção3 do corpo carotídeo18 pelo SARS-CoV-2 pode ser responsável pela hipoxemia19 silenciosa" e "Melatonina pulmonar modula a infecção3 por SARS-CoV-2".
Fontes:
Nature Scientific Reports, publicação em 08 de janeiro de 2021.
EurekAlert!, notícia publicada em 08 de janeiro de 2021.