Gostou do artigo? Compartilhe!

Interrupções do sono REM interferem na reorganização noturna dos circuitos límbicos, segundo artigo publicado pelo Current Biology

A+ A- Alterar tamanho da letra
Avalie esta notícia

Estudos em animais mostram que o silenciamento insuficiente do locus coeruleus (LC) durante o sono REM prejudica a plasticidade cerebral relacionada ao sono. O sono REM inquieto, uma característica de vários distúrbios psiquiátricos, provavelmente reflete um silenciamento insuficiente do LC.

Uma equipe de pesquisadores holandeses usou a ressonância magnética1 funcional (fMRI, do inglês Functional Magnetic Ressonance Imaging) para examinar o cérebro2 de participantes que passaram por uma experiência estressante — no caso deste estudo, eles ouviram a si mesmos cantando de forma desafinada. A atividade cerebral foi medida usando eletroencefalografia3 (EEG).

Foi investigado se as interrupções endógenas do sono REM interferem na reorganização noturna dos circuitos límbicos em voluntários humanos com uma ampla gama de gravidade de insônia, desde aqueles sem queixas de insônia até o preenchimento de critérios para transtorno de insônia em uma amostra comunitária.

Saiba mais sobre "Eletroencefalograma4", "Ciclos do sono" e "Insônia".

Uma emoção autoconsciente foi induzida durante duas sessões funcionais de ressonância magnética1 (RM) e foi registrado o EEG do sono entre elas. A reatividade da amígdala5 diminuiu durante a noite em proporção à duração total do sono REM consolidado. O sono REM inquieto, ao contrário, impediu a adaptação da amígdala5 durante a noite. Foi usada a reativação da memória direcionada com odores marcados ao estímulo emocional autoconsciente para poder aumentar experimentalmente tanto o efeito favorável do sono REM consolidado, quanto o efeito desfavorável do sono REM inquieto. Os achados revelam um tipo de sono mal-adaptativo, fornecendo um alvo para intervenções em transtornos mentais caracterizados por sono REM inquieto.

Estes resultados foram publicados online na revista Current Biology. A amígdala5 é inicialmente ativada durante uma experiência angustiante, mas a reorganização subsequente da rede neuronal facilitada pelo sono REM inibe o sofrimento se a experiência se repetir. O investigador Eus J. W. Van Someren, PhD, chefe do Departamento de Sono e Cognição6 do Instituto Holandês de Neurociência, em Amsterdã, descreveu a amígdala5 como a "sirene do cérebro2", que é ativada durante momentos de sofrimento. O sono REM pode ajudar a silenciar esta sirene, permitindo "uma janela de tempo para reativação e reorganização dos circuitos neuronais que foram ativados durante a experiência emocional inicial”.

Os pesquisadores avaliaram 29 adultos (idade média, 41,6 anos; 52% mulheres) que apresentavam insônia de graus variados. Uma semana antes do estudo, os participantes receberam uma entrevista de admissão, exames de RM funcionais e gravações de áudio de si mesmos cantando letras de músicas em um karaokê.

Os investigadores usaram a fMRI para registrar a resposta límbica dos participantes induzida pela "angústia emocional autoconsciente" de ouvir seu próprio canto desafinado.

Os participantes também foram submetidos a testes de odor-discriminação para avaliar se cumpriram os pré-requisitos para o condicionamento diferencial, como a capacidade de diferenciar odores posteriormente ligados a seus próprios estímulos de canto (conhecidos como US+) e os estímulos de canto de outras pessoas (conhecidos como US-).

"O odor em si não era desagradável, mas foi usado para TMR [reativação de memória direcionada], uma vez que um odor apresentado durante uma experiência, como aprendizagem ou emoção, condicionará essa experiência", disse Van Someren.

A experiência desagradável foi associada a um odor que foi disseminado enquanto os participantes dormiam. Apenas aqueles com capacidade de discriminação de odor suficiente (n = 13; 54% homens; índice médio de gravidade da insônia, 11,1) foram expostos a odores durante o sono para TMR.

A exposição à experiência desagradável (canto desafinado) foi repetida após uma noite de sono "para quantificar a adaptação à reatividade durante a noite". O EEG foi registrado durante o sono para determinar os estágios do sono e a excitação cortical.

As emoções mais relatadas pelos participantes após ouvirem o seu próprio canto desafinado foram vergonha e constrangimento.

Houve respostas significativas de sinal7 dependente do nível de oxigênio no sangue8 (BOLD) a seus próprios estímulos de canto em circuitos límbicos, incluindo amígdalas9 bilaterais, córtex pré-frontal medial bilateral e córtex cingulado posterior esquerdo.

Modelos lineares de efeitos mistos mostraram que os participantes expostos e não expostos a TMR não diferiram nas classificações subjetivas de intensidade emocional na primeira sessão nem em sua mudança noturna (P = 0,21 e P = 0,25, respectivamente).

Também não houve diferenças grupais significativas na resposta BOLD da amígdala5 durante a primeira sessão ou em sua mudança noturna.

A reatividade da amígdala5 diminuiu durante a noite (β = -0,09, P = 0,001) em proporção à duração total do sono REM consolidado (β = -0,12, P = 0,01).

Uma interação significativa com a duração total dos episódios de REM indicou que episódios de transição para o sono REM (TTR) mais duradouros aumentaram o efeito da duração dos episódios de REM subsequentes na diminuição noturna da reatividade da amígdala5.

Em contraste, no sono REM inquieto, a ativação da amígdala5 durante a noite foi impedida e foi menos favorável à diminuição da atividade da amígdala5 durante a noite (β = 0,013, P =0,04).

"Quanto mais descansado no sono REM, melhor era a adaptação da amígdala5 durante a noite". Em contraste, "em pessoas com sono REM inquieto, a segunda experiência angustiante ainda foi muito angustiante, e a amígdala5 continuou a ser ativada", disse Van Someren.

"O efeito do sono REM na adaptação da amígdala5 foi aumentado se os episódios precedentes de TTR fossem de maior duração, contivessem mais fusos ou mostrassem maior atividade total do fuso integrado", escreveram os investigadores.

No entanto, o efeito é neutralizado se os episódios de REM tiverem "interrupções abundantes, até o ponto em que o benefício do sono REM é completamente perdido", acrescentam eles.

Esses achados "ressaltam a importância de uma abordagem integrada para o papel funcional do sono”.

Tanto o sono REM inquieto quanto a amígdala5 hiperativa são comuns em indivíduos com insônia, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), depressão ou um transtorno de ansiedade. Os pesquisadores levantaram a hipótese de que o sono REM inquieto pode contribuir para o fato de que as pessoas com TEPT carreguem sua experiência traumática para o futuro, pessoas com transtorno de ansiedade carregam seus maiores medos, pessoas com depressão seu desespero e pessoas com insônia crônica sua tensão. Mas isso demanda maiores estudos para que seja esclarecido.

Veja sobre "Estresse pós-traumático", "Ansiedade", "Depressão bipolar e unipolar" e "Depressões".

 

Fonte: Current Biology, volume 29, número 4, em 22 de julho de 2019.

 

NEWS.MED.BR, 2019. Interrupções do sono REM interferem na reorganização noturna dos circuitos límbicos, segundo artigo publicado pelo Current Biology. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1341788/interrupcoes-do-sono-rem-interferem-na-reorganizacao-noturna-dos-circuitos-limbicos-segundo-artigo-publicado-pelo-current-biology.htm>. Acesso em: 28 mar. 2024.

Complementos

1 Ressonância magnética: Exame que fornece imagens em alta definição dos órgãos internos do corpo através da utilização de um campo magnético.
2 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
3 Eletroencefalografia: Registro da atividade elétrica cerebral mediante a utilização de eletrodos cutâneos que recebem e amplificam os potenciais gerados em cada região encefálica.
4 Eletroencefalograma: Registro da atividade elétrica cerebral mediante a utilização de eletrodos cutâneos que recebem e amplificam os potenciais gerados em cada região encefálica.
5 Amígdala: Designação comum a vários agregados de tecido linfoide, especialmente o que se situa à entrada da garganta; tonsila.
6 Cognição: É o conjunto dos processos mentais usados no pensamento, percepção, classificação, reconhecimento e compreensão para o julgamento através do raciocínio para o aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas.
7 Sinal: 1. É uma alteração percebida ou medida por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida. 2. Som ou gesto que indica algo, indício. 3. Dinheiro que se dá para garantir um contrato.
8 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.
9 Amígdalas: Designação comum a vários agregados de tecido linfoide, especialmente o que se situa à entrada da garganta; tonsila.
Gostou do artigo? Compartilhe!