Estudo mostra o efeito nocebo das estatinas, publicado pelo The Lancet
No estudo Anglo-Scandinavian Cardiac Outcomes Trial, no braço de redução de dislipidemia ou, em inglês, "ASCOT lipid-lowering arm (ASCOT-LLA)", pacientes com idades entre 40 e 79 anos, hipertensão arterial1, pelo menos três outros fatores de risco cardiovasculares, colesterol2 total em jejum de 6,5 mmol/L3 ou menor e que não estavam usando estatina ou fibrato, não tinham história de infarto do miocárdio4 e não estavam sendo tratados para angina5 foram atribuídos aleatoriamente para receber atorvastatina 10 mg por dia ou placebo6 correspondente numa fase aleatória, duplamente cega, controlada por placebo6.
Numa fase de extensão, não-cega, não-randomizada (iniciada devido ao término precoce do ensaio porque a eficácia da atorvastatina foi demonstrada), todos os doentes receberam atorvastatina 10 mg por dia de forma aberta. Classificou-se os efeitos adversos utilizando o Medical Dictionary for Regulatory Activities. Cegamente todos os relatos de quatro efeitos adversos pré-especificados - relacionados a problemas musculares, disfunção erétil, distúrbios do sono e danos cognitivos7 - foram analisados e todos os efeitos adversos restantes foram agrupados por sistema de classificação baseados em divisão de órgãos. As taxas de efeitos adversos foram dadas em porcentagens por ano.
A fase randomizada cega foi realizada entre fevereiro de 1998 e dezembro de 2002; foram incluídos 10.180 pacientes nessa análise (5.101 [50%] no grupo atorvastatina e 5.079 [50%] no grupo placebo6), com seguimento médio de 3,3 anos. A fase não-cega não randomizada foi realizada entre dezembro de 2002 e junho de 2005; foram incluídos 9.899 pacientes nesta análise (6.409 [65%] usuários de atorvastatina e 3.490 [35%] não usuários), com seguimento médio de 2,3 anos.
Durante a fase cega, os efeitos adversos musculares (298 [2,03% por ano] vs 283 [2,00% por ano], razão de risco 1,03 [IC 95% 0,88-1,21] p=0,72) e de disfunção erétil (272 [1,86% por ano] vs 302 [2,14% ao ano]; 0,88 [0,75-1,04]; p=0,13) foram relatados em uma taxa semelhante por participantes randomizados recebendo atorvastatina ou placebo6.
A taxa de notificações de distúrbios do sono foi significativamente menor entre os participantes que receberam a atorvastatina do que nos que usaram placebo6 (149 [1,00% ao ano] versus 210 [1,46% ao ano]; 0,69 [0,56-0,85] P=0,0005). Poucos casos de comprometimento cognitivo8 foram relatados para uma análise estatisticamente confiável (31 [0,20% ao ano] versus 32 [0, 22% ao ano]; 0,94 [0,57-1,54]; p=0,81).
Não se observou diferenças significativas nas taxas de todos os outros efeitos adversos notificados, com exceção de um excesso de efeito adverso renal9 e urinário entre os pacientes que receberam atorvastatina (481 [1,87%] por ano versus 392 [1,51% por ano; 1,23 [1,08-1,41]; p=0,002).
Por outro lado, durante a fase não-cega não randomizada, os efeitos adversos relacionados aos músculos10 foram relatados a uma taxa significativamente mais elevada pelos participantes que tomaram estatinas do que pelos que não o fizeram (161 [1,26% por ano] versus 124 [1,00% por ano]; 1,41 [1,10-1,79]; p=0,006).
Não se observou diferenças significativas entre os usuários de estatinas e os não-usuários nas taxas de outros eventos adversos, com exceção dos distúrbios músculo-esqueléticos e do tecido conjuntivo11 (992 [8,69% ao ano] vs 831 [7,45% ao ano]; P=0,01) e distúrbios do sangue12 e do sistema linfático13 (114 [0,88% ao ano] vs 80 [0,64% ao ano]; 1,40 [1,04-1,88]; p=0,03), que foram relatados mais comumente por usuários de estatinas do que por não-usuários.
Estas análises ilustram o chamado efeito nocebo14, com uma taxa excessiva de relatórios de eventos adversos relacionados aos músculos10 apenas quando os pacientes e seus médicos sabiam que a terapia com estatinas estava sendo usada e não quando seu uso era cego. Estes resultados irão ajudar a garantir a médicos e pacientes que a maioria dos eventos adversos associados às estatinas não estão causalmente relacionados ao uso do medicamento, o que deve ajudar a combater o efeito nocivo que afirmações exageradas sobre os efeitos colaterais15 das estatinas têm na saúde16 pública.
Fonte: The Lancet, em 2 de maio de 2017