Novas pistas do mecanismo de ação do acetaminofeno: AM404, novo metabólito do acetaminofeno, afeta importantes alvos da dor e da termoregulação
Apesar do acetaminofeno (paracetamol) já ser usado clinicamente a mais de um século, seu modo de ação ainda não está claro. No Journal of Biological Chemistry, Zygmunt e colaboradores forneceram evidências de um novo e inesperado mecanismo de ação através do qual o acetaminofeno pode exercer seu efeito analgésico1.
Acetaminofeno difere significantemente da aspirina e dos outros antiinflamatórios não esteróides (AINHs), aos quais está freqüentemente agrupado por seus efeitos analgésicos2 e antipiréticos3, mas é um agente antiinflamatório fraco e com baixa incidência4 de efeitos colaterais5 gástricos. Os efeitos dos AINHs dependem de sua habilidade de inibir as duas formas de cicloxigenase, COX1 e COX2, e a conseqüente inibição da síntese de prostaglandinas6. Entretanto, apesar de várias pesquisas, a prova definitiva de que os efeitos analgésicos2 e antipiréticos3 do acetaminofeno são dependentes das COXs é ainda falha. De fato, a inibição de uma terceira forma de COX, a COX3, é uma das propostas mais recentes para explicar os efeitos não usuais do acetaminofeno, mas análises sugerem que não é provável que esta interação seja clinicamente relevante.
Há indicações de que o efeito analgésico1 do acetaminofeno é mediado por alvos moleculares diferentes da COX e é este ponto que os pesquisadores estão investigando. O estímulo para este estudo é a estreita relação entre a estrutura do acetaminofeno e da N-acilfenolamina AM404, a qual é um potente ativador do canal de íon7 TRPV1 e tem efeitos nos receptores canabinóides CB1. Os receptores TRPV1 e CB1 estão envolvidos nos mecanismos da dor e da termoregulação e são vistos como alvos promissores no tratamento da dor e da inflamação8.
A relação estrutural entre a AM404 e o acetaminofeno sugere que, seguindo a desacetilação em seu metabólito9 p-aminofenol, o acetaminofeno pode ser conjugado com o ácido aracdônico para formar AM404. Os autores forneceram linhas de evidência para sustentar esta idéia, incluindo a demonstração de que a marcação da AM404 com deutério (hidrogênio pesado) e p-aminofenol é dose-dependente. AM404 pode ser detectado na medula espinhal10 de ratos.
Além disso, os autores fornecem evidências do caminho pelo qual AM404 é formado, mostrando a hidrolase de amidas de ácidos graxos (FAAH). Nenhuma formação de AM404 foi observada in vitro ou in vivo em tecidos cerebrais de ratos desprovidos de FAAH.
Finalmente, os autores mostraram que a AM404 inibe COX1, COX2 e a formação de prostaglandinas6 em macrófagos11 estimulados por lipopolissacárides RAW264.7 e também age no sistema canabinóide endógeno. Em resumo, a identificação da AM404 como um novo metabólito9 do acetaminofeno no sistema nervoso12 que afeta importantes alvos envolvidos nos mecanismos da dor e da termoregulação fornecem uma nova hipótese para explicar o mistério do mecanismo de ação do acetaminofeno. A confirmação da hipótese dos efeitos farmacológicos do acetaminofeno em humanos serão certamente antecipados.
Pesquisa original em: Hogestatt, E. et al. Conversion of acetaminophen to the bioactive N-acylphenolamine AM404 via fatty acid amide hydrolase-dependent arachidonic acid conjugation in the nervous system. J. Biol. Chem. 280, 31405–31412 (2005)