Uma terapia de edição genética reduziu os níveis de colesterol pela metade
Em um passo rumo ao uso mais amplo da edição genética, um tratamento que utiliza a tecnologia CRISPR reduziu com sucesso os níveis elevados de colesterol1 em um pequeno número de pessoas.
Em um ensaio clínico conduzido pela empresa suíça de biotecnologia CRISPR Therapeutics, 15 participantes receberam uma infusão única destinada a desativar um gene no fígado2 chamado ANGPTL3. Embora raro, algumas pessoas nascem com uma mutação3 nesse gene que protege contra doenças cardíacas sem consequências adversas aparentes.
A dose mais alta testada no ensaio reduziu o colesterol1 LDL4 (“ruim”) e os triglicerídeos em uma média de 50% em duas semanas após o tratamento. Os efeitos duraram pelo menos 60 dias, a duração do ensaio. Os resultados foram apresentados na reunião anual da American Heart Association e publicados no The New England Journal of Medicine.
A tecnologia CRISPR, vencedora de Prêmio Nobel, tem sido usada principalmente para tratar doenças raras, mas essas últimas descobertas, embora preliminares, reforçam a evidência de que a ferramenta de edição de DNA também pode ser usada para tratar doenças comuns.
“Este provavelmente será um dos momentos mais importantes na trajetória do desenvolvimento do CRISPR na medicina”, disse Samarth Kulkarni, CEO da CRISPR Therapeutics. A empresa é responsável pelo único tratamento de edição genética aprovado no mercado, o Casgevy, que trata anemia falciforme5 e beta-talassemia6.
A American Heart Association estima que cerca de um quarto dos adultos nos EUA têm níveis elevados de LDL4. Um número semelhante tem triglicerídeos altos. O colesterol1 LDL4 é a substância gordurosa no sangue7 que pode obstruir e endurecer as artérias8 com o tempo. Os triglicerídeos, por sua vez, são o tipo mais comum de gordura9 encontrada no corpo. Níveis elevados de ambos aumentam o risco de ataque cardíaco e AVC.
O ensaio clínico de Fase I foi conduzido no Reino Unido, na Austrália e na Nova Zelândia entre junho de 2024 e agosto de 2025. Os participantes tinham entre 31 e 68 anos e apresentavam níveis descontrolados de colesterol1 LDL4 e triglicerídeos. O ensaio clínico testou cinco doses diferentes da infusão de CRISPR, que levava em média cerca de duas horas e meia para ser administrada.
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“Essas são pessoas muito doentes”, diz Steven Nissen, autor sênior11 e diretor acadêmico do Instituto do Coração12, Vascular13 e Torácico da Cleveland Clinic, que confirmou de forma independente os resultados do ensaio. “A tragédia dessa doença não é apenas que as pessoas morrem jovens, mas algumas delas sofrem um ataque cardíaco e suas vidas nunca mais são as mesmas. Elas não conseguem voltar ao trabalho, desenvolvem insuficiência cardíaca14.”
Um participante do ensaio, um homem de 51 anos, morreu seis meses após receber a menor dose do tratamento, que não foi associada a uma redução do colesterol1 e dos triglicerídeos. A morte foi relacionada à sua doença cardíaca preexistente, e não ao tratamento experimental com CRISPR. O homem tinha uma forma genética rara e hereditária de colesterol1 alto e já havia passado por vários procedimentos para melhorar o fluxo sanguíneo para o coração12.
“Essa é a trajetória que essas pessoas estão seguindo, e queremos tirá-las dessa trajetória”, diz Nissen.
Três pessoas apresentaram reações leves, como dor nas costas15 e náuseas16, que desapareceram com medicação. Um participante, que já apresentava enzimas hepáticas17 elevadas antes de receber a infusão de CRISPR, teve um aumento temporário adicional nas enzimas hepáticas17, que durou alguns dias e retornou ao normal sem necessidade de tratamento.
Os pesquisadores continuarão monitorando os participantes do estudo por um ano após o término do ensaio clínico, com um acompanhamento adicional de segurança a longo prazo de 15 anos, conforme recomendado pela Food and Drug Administration (FDA) para todas as terapias de edição genética.
A equipe está planejando estudos de Fase II para 2026, que incluirão uma população de pacientes mais ampla e um período de acompanhamento mais longo. A expectativa é que os efeitos de uma única infusão de CRISPR durem anos, ou até mesmo permanentemente, eliminando a necessidade de um comprimido diário ou injeção18 regular.
Este não é o primeiro ensaio clínico a usar edição genética para tratar doenças cardiovasculares10. A Verve Therapeutics está usando um tipo mais recente de CRISPR, chamado edição de base, para atingir um gene diferente, chamado PCSK9, em pessoas com uma forma hereditária de colesterol1 alto e doença cardíaca prematura. A Verve interrompeu um ensaio clínico de seu candidato a terapia de edição genética em 2024, depois que um participante apresentou um aumento preocupante nas enzimas hepáticas17, mas este ano apresentou dados positivos de segurança em 14 pacientes com uma terapia recém-formulada. No início de 2025, a Eli Lilly anunciou um acordo para adquirir a Verve por mais de US$ 1 bilhão.
A segurança é uma preocupação fundamental com as novas terapias de edição genética. A Intellia Therapeutics suspendeu os ensaios clínicos19 de um tratamento CRISPR depois que um paciente morreu devido a danos no fígado2. Como muitas terapias CRISPR têm como alvo o fígado2, danos a esse órgão são um risco conhecido.
Se novos ensaios clínicos19 confirmarem a segurança e a eficácia, no entanto, Nissen acredita que, em um futuro relativamente próximo, será possível tratar pacientes em um estágio inicial, antes que desenvolvam doenças cardíacas. “Esta é uma revolução em andamento”, afirma ele.
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No artigo publicado no NEJM, a equipe relata que a proteína 3 semelhante à angiopoietina (ANGPTL3) inibe as lipoproteínas e as lipases endoteliais. As variantes genéticas de perda de função do gene ANGPTL3 estão associadas a níveis reduzidos de colesterol1 LDL4 e triglicerídeos, bem como a um risco reduzido de doença cardiovascular aterosclerótica ao longo da vida.
Realizou-se então um ensaio clínico de fase 1, com escalonamento de dose, para avaliar a segurança e a eficácia do CTX310, um RNA mensageiro (RNAm) da endonuclease CRISPR-Cas9 e um RNA guia encapsulados em nanopartículas lipídicas e direcionados ao ANGPTL3 hepático, com o objetivo de induzir uma mutação3 de perda de função.
Adultos com hipercolesterolemia21, hipertrigliceridemia ou dislipidemia mista não controladas e que estavam recebendo terapia hipolipemiante na dose máxima tolerada receberam uma dose única intravenosa de CTX310 (0,1; 0,3; 0,6; 0,7 ou 0,8 mg por quilograma de peso corporal). O desfecho primário foi a ocorrência de eventos adversos, incluindo efeitos tóxicos limitantes da dose.
Um total de 15 participantes recebeu CTX310 e teve pelo menos 60 dias de acompanhamento. Não ocorreram efeitos tóxicos limitantes da dose relacionados ao CTX310. Eventos adversos graves ocorreram em dois participantes (13%): um participante apresentou hérnia de disco22 espinhal e o outro faleceu subitamente 179 dias após o tratamento com a dose de 0,1 mg por quilograma.
Reações relacionadas à infusão foram relatadas em três participantes (20%), e um participante (7%) que apresentava níveis elevados de aminotransferases no início do estudo teve uma elevação transitória das aminotransferases, chegando a níveis entre três e cinco vezes maiores que os basais, com pico no 4º dia e retorno aos níveis basais no 14º dia.
A variação percentual média no nível de ANGPTL3 foi de:
- 9,6% (variação de -21,8 a 71,2) com a dose de 0,1 mg/kg
- 9,4% (variação de -25,0 a 63,9) com 0,3 mg/kg,
- -32,7% (variação de -51,4 a -19,4) com 0,6 mg/kg
- -79,7% (variação de -86,8 a -72,5) com 0,7 mg/kg
- -73,2% (variação de -89,0 a -66,9) com 0,8 mg/kg
O estudo concluiu que a edição do ANGPTL3 foi associada a poucos eventos adversos e resultou em reduções nos níveis de ANGPTL3 em relação ao valor basal.
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Fontes:
The New England Journal of Medicine, Vol. 393, Nº 21, em 08 de novembro de 2025.
Wired, notícia publicada em 08 de novembro de 2025.










