O que há de novo em cardiologia: confira os principais avanços divulgados nos últimos meses
O 2º semestre de 2025 tem sido marcado por diversas novidades e avanços na área da cardiologia, apresentados no Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC Congress 2025) em Madrid, no Transcatheter Cardiovascular Therapeutics (TCT 2025) e publicados em importantes revistas científicas como The New England Journal of Medicine (NEJM), European Heart Journal, The Lancet e Nature. As publicações abordam desde novas terapias medicamentosas até estratégias de manejo pós-infarto do miocárdio1, nova declaração de consenso sobre doenças cardiovasculares2, abordagens para hipertensão3, entre outros temas. Confira os principais destaques!
- Agonistas de GLP-1 na insuficiência cardíaca4
- Inibidores da miosina cardíaca na cardiomiopatia hipertrófica
- Olezarsen para hipertrigliceridemia
- Betabloqueadores após infarto do miocárdio1
- Manejo antitrombótico após implante5 de stent
- Declaração de Consenso ESC 2025 sobre saúde6 mental e doença cardiovascular
- Baxdrostato na hipertensão3 não controlada ou resistente
- Dados de longo prazo do estudo DanGer Shock de pacientes com IAMCSST
Agonistas de GLP-1 na insuficiência cardíaca4
O ensaio clínico SUMMIT[1][2] traz novas perspectivas para o tratamento da insuficiência cardíaca4 com fração de ejeção preservada (ICFEp) associada à obesidade7. A tirzepatida, um agonista8 duplo dos receptores GLP-1 e GIP, demonstrou redução de 38% no risco relativo do desfecho primário composto de morte cardiovascular ou agravamento da insuficiência cardíaca4. Além dos benefícios cardiovasculares, o estudo mostrou redução no peso corporal aproximadamente 11 a 12% maior com a tirzepatida em comparação ao placebo9 e melhora significativa na qualidade de vida medida pelo Kansas City Cardiomyopathy Questionnaire (KCCQ).
Uma análise secundária do ensaio clínico[3] revelou que a tirzepatida reduziu a pressão arterial sistólica10 em 5 mmHg, diminuiu o volume circulatório estimado, reduziu a inflamação11 sistêmica e atenuou lesões12 cardiovasculares e renais em pacientes com ICFEp e obesidade7. Estes efeitos foram evidentes após apenas 4 semanas de tratamento e se mantiveram ao longo de 52 semanas.
Inibidores da miosina cardíaca na cardiomiopatia hipertrófica
Ensaios clínicos13 investigaram o papel dos inibidores da miosina cardíaca (mavacamteno e aficamten) na cardiomiopatia hipertrófica (CMH).
Em primeiro lugar, embora o mavacamteno tenha sido aprovado para tratar a CMH obstrutiva sintomática14, o estudo ODYSSEY-HCM[4], apresentado no ESC Congress 2025, mostrou que o mavacamteno não melhora o pico de consumo de oxigênio nem reduz os sintomas15 em pacientes com CMH não obstrutiva, em comparação com o placebo9. A pontuação no KCCQ melhorou 13,1 pontos com mavacamteno versus 10,4 pontos com placebo9, uma diferença de apenas 2,7 pontos (IC 95% -0,1 a -5,6; p = 0,06).
Uma análise secundária dos dados do estudo ODYSSEY-HCM, publicada no Journal of the American College of Cardiology[5], revelou que o mavacamteno foi associado a melhorias nos biomarcadores cardíacos e a uma remodelação cardíaca favorável em comparação com o placebo9; esses achados justificam uma investigação mais aprofundada sobre a eficácia do mavacamteno nessa coorte16 de pacientes.
Por outro lado, o aficamten demonstrou eficácia em pacientes com CMH obstrutiva em 2 estudos. No MAPLE-HCM[6] foi demonstrado que o aficamten é superior ao betabloqueador metoprolol no aumento do pico de consumo de oxigênio e na redução dos sintomas15. No SEQUOIA-HCM[7], pacientes com CMH obstrutiva e sintomas15 leves tratados com aficamten apresentaram melhora significativa em uma série de desfechos clinicamente relevantes, geralmente semelhante à de pacientes com sintomas15 mais avançados.
Olezarsen para hipertrigliceridemia
O ensaio ESSENCE-TIMI 73b, cujos resultados foram apresentados no ESC Congress 2025 e simultaneamente publicados no NEJM[8], investigou o olezarsen, um oligonucleotídeo antisense17 que tem como alvo a apolipoproteína C-III, em pacientes com hipertrigliceridemia moderada e alto risco cardiovascular ou com hipertrigliceridemia grave. O estudo demonstrou reduções substanciais nos níveis de triglicérides18: 58,4% com a dose de 50 mg e 60,6% com a dose de 80 mg aos 6 meses, comparado ao placebo9. Aos 12 meses, mais de 80% dos pacientes tratados com olezarsen alcançaram níveis normais de triglicérides18.
O olezarsen também reduziu significativamente os níveis de colesterol19 remanescente, colesterol19 não-HDL20 e apolipoproteína B, sem eventos adversos graves inesperados. A elevação transitória das transaminases hepáticas21 foi mais comum com olezarsen, mas aumentos clinicamente significativos foram raros e similares entre os grupos.
Leia sobre "Doenças cardiovasculares2", "Colesterol19 alto" e "Sete passos para um coração22 saudável".
Betabloqueadores após infarto do miocárdio1
A questão do uso de betabloqueadores após infarto do miocárdio1 (IM) em pacientes com função ventricular preservada ou levemente reduzida gerou resultados conflitantes em três grandes estudos apresentados no ESC Congress 2025.
O ensaio REBOOT[9], com 8.438 pacientes, não demonstrou evidência de benefício dos betabloqueadores em pacientes com IM com fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≥40% que receberam tratamento invasivo. O desfecho primário composto ocorreu em 316 pacientes (22,5 eventos por 1.000 pacientes-ano) no grupo de betabloqueador versus 307 pacientes (21,7 eventos por 1.000 pacientes-ano) no grupo controle (HR 1,04; IC 95% 0,89 a 1,22; p = 0,63).
Em contraste, o estudo combinado BETAMI-DANBLOCK[10], que randomizou 5.574 pacientes também com FEVE ≥40%, demonstrou uma redução de 15% no risco relativo do desfecho primário (um composto de morte por qualquer causa ou eventos cardiovasculares adversos graves) com betabloqueadores (HR 0,85; IC 95% 0,75 a 0,98; p = 0,03). A incidência23 de novo IM foi significativamente menor com betabloqueadores (5,0% versus 6,7%; HR 0,73; IC 95% 0,59 a 0,92).
Uma metanálise de dados individuais de quatro ensaios clínicos13 (REBOOT, BETAMI, DANBLOCK e CAPITAL-RCT)[11] focando especificamente em pacientes com FEVE levemente reduzida (40-49%) demonstrou redução de 25% no risco relativo do desfecho composto com betabloqueadores (HR 0,75; IC 95% 0,58-0,97; p = 0,031). Esta análise sugere que o benefício dos betabloqueadores pode ser preservado neste subgrupo específico de pacientes.
Manejo antitrombótico após implante5 de stent
O ensaio AQUATIC[12] trouxe recomendações importantes para manejo antitrombótico em pacientes com síndrome24 coronariana crônica estável que apresentam alto risco aterotrombótico após implante5 de stent e que requerem anticoagulação oral de longo prazo. Este estudo duplo-cego25, controlado por placebo9, demonstrou que a adição de aspirina à anticoagulação oral foi associada a piores desfechos.
Um evento de desfecho primário de eficácia ocorreu em 16,9% dos pacientes no grupo aspirina versus 12,1% no grupo placebo9 (HR ajustado 1,53; IC 95% 1,07 a 2,18; p = 0,02). A mortalidade26 por todas as causas também foi significativamente maior com aspirina (13,4% versus 8,4%; HR ajustado 1,72; IC 95% 1,14 a 2,58; p = 0,01). Hemorragia27 maior foi mais de três vezes maior no grupo aspirina (10,2% versus 3,4%; HR 3,35; IC 95%:1,87 a 6,00; p <0,001).
O estudo foi interrompido precocemente devido ao excesso de mortalidade26 no braço da aspirina. Os resultados levam à clara mensagem de que pacientes que colocaram stent há mais de 6 meses e recebem anticoagulação oral não devem receber aspirina, mesmo quando estão em alto risco aterotrombótico.
Declaração de Consenso ESC 2025 sobre saúde6 mental e doença cardiovascular
A Declaração de Consenso Clínico ESC 2025 sobre Saúde6 Mental e Doença Cardiovascular[13] representa uma mudança de paradigma ao reconhecer a relação bidirecional entre condições de saúde6 mental e doença cardiovascular (DCV). O documento recomenda, entre outros pontos:
- Rastreamento sistemático: sintomas15 de saúde6 mental devem ser sistematicamente rastreados durante o cuidado cardiovascular, e o risco cardiovascular deve ser rotineiramente avaliado para aqueles em tratamento de condições de saúde6 mental.
- Equipes psico-cardio: estabelecimento de equipes multidisciplinares que incluem profissionais de saúde6 mental, como psicólogos ou psiquiatras, trabalhando ao lado de profissionais de cuidado cardiovascular.
- Abordagem integrada: o documento propõe uma mudança cultural para tratar a combinação mortal de condições de saúde6 mental e doença cardiovascular através de melhorias no cuidado ao paciente e abordagens integradas centradas no paciente.
A depressão em pacientes com DCV está associada a risco 2-4 vezes maior de eventos cardiovasculares subsequentes, e pessoas com doença mental grave têm risco aumentado de desenvolver arritmias28 supraventriculares e ventriculares.
Baxdrostato na hipertensão3 não controlada ou resistente
O ensaio BaxHTN[14] investigou o baxdrostat, um inibidor seletivo da aldosterona sintase, em pacientes com hipertensão3 não controlada ou resistente. O estudo de fase III demonstrou reduções clinicamente significativas na pressão arterial sistólica10 (PAS) sentada na 12ª semana: -5,8 mmHg com placebo9, -14,5 mmHg com baxdrostat 1 mg e -15,7 mmHg com baxdrostat 2 mg.
Análises exploratórias adicionais mostraram que o baxdrostat reduziu as concentrações séricas de aldosterona em cerca de 60% com a dose menor e 65% com a dose maior, e proporcionou reduções significativas na pressão arterial29 ambulatorial. A análise ambulatorial de 24 horas mostrou quedas corrigidas por placebo9 na PAS de 14,6 e 16,9 mmHg com as doses menor e maior, respectivamente.
Níveis de potássio superiores a 6,0 mmol/L30 foram observados em 0,4% dos pacientes no grupo placebo9, 2,3% daqueles no grupo de baxdrostat 1 mg e 3,0% daqueles no grupo de baxdrostat 2 mg, taxas “tranquilizadoramente baixas”. Não houve casos de insuficiência31 adrenocortical.
Dados de longo prazo do estudo DanGer Shock de pacientes com IAMCSST
Dados de acompanhamento de longo prazo do ensaio DanGer Shock[15] demonstraram que o uso rotineiro da bomba de fluxo microaxial Impella CP no tratamento de pacientes com infarto32 agudo33 do miocárdio34 com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCSST) complicado por choque35 cardiogênico leva à redução absoluta da mortalidade26 em 16,3% aos 10 anos em comparação com o cuidado padrão. A mortalidade26 foi de 52,5% no grupo de Impella CP versus 68,8% no grupo de cuidado padrão (HR 0,70; IC 95% 0,54 a 0,92).
Este benefício de sobrevida36 é durável e aumenta ano a ano, representando um aumento em relação aos dados iniciais de 6 meses, que encontraram redução absoluta de mortalidade26 de 12,7% com o uso de Impella CP. O DanGer Shock é o primeiro ensaio clínico randomizado37 na história de ensaios de IAM com choque35 a atingir seu desfecho primário e o primeiro na história de ensaios de dispositivos de suporte circulatório mecânico a demonstrar benefício de sobrevida36 no choque35 cardiogênico devido a IAM.
Veja também sobre "Infarto do Miocárdio1", "Insuficiência cardíaca congestiva38" e "Sintomas15 da hipertensão arterial39".
Referências
[1] Tirzepatide for Heart Failure with Preserved Ejection Fraction and Obesity, disponível em The New England Journal of Medicine.
[2] A Study of Tirzepatide (LY3298176) in Participants With Heart Failure With Preserved Ejection Fraction (HFpEF) and Obesity - SUMMIT, disponível em American College of Cardiology.
[3] Effects of tirzepatide on circulatory overload and end-organ damage in heart failure with preserved ejection fraction and obesity: a secondary analysis of the SUMMIT trial, disponível em Nature Medicine.
[4] Mavacamten in Symptomatic Nonobstructive Hypertrophic Cardiomyopathy, disponível em The New England Journal of Medicine.
[5] Echocardiographic Changes With Mavacamten in Nonobstructive Hypertrophic Cardiomyopathy: Exploratory Insights From the ODYSSEY-HCM Trial, disponível em Journal of the American College of Cardiology.
[6] Aficamten or Metoprolol Monotherapy for Obstructive Hypertrophic Cardiomyopathy, disponível em The New England Journal of Medicine.
[7] Efficacy of aficamten in patients with obstructive hypertrophic cardiomyopathy and mild symptoms: results from the SEQUOIA-HCM trial, disponível em European Heart Journal.
[8] Targeting APOC3 with Olezarsen in Moderate Hypertriglyceridemia, disponível em The New England Journal of Medicine.
[9] Beta-Blockers after Myocardial Infarction without Reduced Ejection Fraction, disponível em The New England Journal of Medicine.
[10] Beta-Blockers after Myocardial Infarction in Patients without Heart Failure, disponível em The New England Journal of Medicine.
[11] β blockers after myocardial infarction with mildly reduced ejection fraction: an individual patient data meta-analysis of randomised controlled trials, disponível em The Lancet.
[12] Aspirin in Patients with Chronic Coronary Syndrome Receiving Oral Anticoagulation, disponível em The New England Journal of Medicine.
[13] 2025 ESC Clinical Consensus Statement on mental health and cardiovascular disease, disponível em European Heart Journal.
[14] Efficacy and Safety of Baxdrostat in Uncontrolled and Resistant Hypertension, disponível em The New England Journal of Medicine.
[15] Long-Term Outcomes of the DanGer Shock Trial, disponível em The New England Journal of Medicine.










