Transplante renal sem imunossupressão por toda a vida se aproxima da realidade
Três quartos dos pacientes em um estudo evitaram a imunossupressão1 a longo prazo após procedimentos de transplante renal2 com doadores compatíveis que envolveram o uso de células-tronco3 do doador, mostrou um pequeno ensaio randomizado4 publicado no American Journal of Transplantation.
Mais de 2 anos após o transplante, 15 dos 20 pacientes permaneceram sem qualquer imunossupressão1 após receberem o produto celular alogênico MDR-101. Não ocorreram mortes, perdas de enxerto5, anticorpos6 específicos contra o doador (AED) ou doença do enxerto5 contra o hospedeiro (DECH ou GVHD, do inglês graft-versus-host disease), e os pacientes tratados com MDR-101 apresentaram melhor qualidade de vida, em comparação com um grupo controle tratado com imunossupressão1 convencional, relataram Dixon Kaufman, MD, PhD, da Universidade de Wisconsin em Madison, e co-autores.
“Um dos aspectos mais importantes deste protocolo é que ele realmente demonstrou a comprovação de princípio de que isso é realmente possível”, disse o co-autor Mark Stegall, MD, da Mayo Clinic em Rochester, Minnesota. “Sim, é em uma população menor de pacientes, mas os resultados mostraram que os pacientes podem passar por isso e se livrar da imunossupressão1. E é realmente reprodutível.”
Outras estratégias para desmamar pacientes da imunossupressão1 já foram avaliadas, “mas não tiveram tanto sucesso. A questão dos procedimentos altamente compatíveis é que as células7 do doador não atacam o receptor, então os pacientes não desenvolvem a doença do enxerto5 contra o hospedeiro. Do ponto de vista imunológico, isso mostra que é possível introduzir essas células7 do doador e os pacientes não precisarão tomar nenhum imunossupressor8.”
Alcançar o quimerismo9 tem sido um dos principais objetivos da ciência dos transplantes desde o início, e este estudo representa um grande passo para alcançá-lo, disse Amit Tevar, MD, do Centro Médico da Universidade de Pittsburgh.
Saiba mais sobre "Sistema imunológico10", "Imunossupressão1 e imunodepressão" e "Transplante de órgãos".
“Este é um estudo importante e marcante”, disse Tevar. “Ele analisa o MDR-101, que é uma terapia celular experimental totalmente nova, mas, mais importante, o estudo foi bem feito, bem planejado e teve resultados extremamente bons. Quando se considera o desfecho de 75% dos pacientes livres de imunossupressão1 por mais de 2 anos, isso é notável. É algo que realmente nunca vimos antes.”
“Acredito que ele alcançou tudo o que o estudo de fase III pretendia alcançar e representa um importante passo para avançar o campo rumo à tolerância imunológica”, acrescentou.
Na introdução, Kaufman e co-autores observaram: “Raramente alguns pacientes transplantados podem desenvolver ‘tolerância’ ao transplante doado e não necessitar de imunossupressão1 por toda a vida. Isso ocorre com mais frequência em pares de doadores e receptores ‘altamente compatíveis’ que compartilham os mesmos ‘antígenos de transplante’ ou antígenos11 leucocitários humanos (HLAs). Um componente-chave para o sucesso da tolerância parece ser o estabelecimento de ‘quimerismo’, em que o receptor apresenta evidências de células7 hematopoiéticas (sanguíneas) do doador circulantes.”
Pesquisadores de transplantes tentaram induzir tolerância em receptores de transplantes com regimes de condicionamento envolvendo quimioterapia12 intensiva e irradiação de corpo inteiro para eliminar as células7 hematopoiéticas e o sistema imunológico10 do receptor e substituí-los por medula óssea13 ou células-tronco3 hematopoiéticas de doadores, continuaram os autores. Alguns protocolos alcançaram 100% de quimerismo9, mas estão associados a sucesso limitado em receptores com HLA incompatível e a uma incidência14 inaceitável de DECH.
Há mais de 30 anos, uma abordagem alternativa ao quimerismo9 foi desenvolvida, utilizando globulina15 antitimócito de coelho não mieloablativa, depletora de linfócitos, e irradiação linfoide16 total. A estratégia alcançou quimerismo9 misto ou de baixo nível. Dados de uma série de estudos unicêntricos mostraram que 24 de 29 pacientes com HLA compatível e quimerismo9 misto persistente por pelo menos 6 meses interromperam toda a imunossupressão1, e 20 de 24 permaneceram livres de rejeição por pelo menos 2 anos.
O ensaio clínico MDR-101-MLK (matched living kidney, ou rim17 vivo compatível) continuou a avaliação da estratégia não mieloablativa para alcançar quimerismo9 com o MDR-101 em procedimentos de transplante renal2 com doador vivo e compatibilidade HLA completa (nos dois haplótipos).
No artigo, os pesquisadores relatam que o ensaio clínico multicêntrico, randomizado4 e controlado de fase 3 avaliou o produto celular experimental (MDR-101) para produzir tolerância imunológica em comparação ao tratamento padrão, em receptores de transplante renal2.
Receptores adultos de rins18 de irmãos vivos com antígeno19 leucocitário humano compatível nos 2 haplótipos foram randomizados 2:1 para tratamento (n = 20) ou controle (n = 10). O produto MDR-101 era do mesmo doador renal2. Os receptores de tratamento receberam um protocolo de condicionamento não mieloablativo com globulina15 antitimócito de coelho e irradiação linfoide16 total de baixa dose (10 frações). O MDR-101 foi infundido (dia 11). Os esteroides foram retirados no dia 10 e o micofenolato no dia 39. O tacrolimus foi continuado até o dia 180 e reduzido gradualmente para retirada 1 ano após o transplante se o quimerismo9 misto hematopoiético do doador fosse ≥ 5%. Os controles receberam imunossupressão1 (IS) conforme o padrão institucional de tratamento.
Vinte receptores receberam a infusão de MDR-101 e nenhum desenvolveu doença do enxerto5 contra o hospedeiro. Dezenove (95%) descontinuaram com sucesso toda IS aproximadamente 1 ano após o transplante renal2. Quinze (75%) atingiram o desfecho primário do estudo de ausência de IS por >2 anos. Quatro retomaram a IS: 1 com nefropatia20 recorrente por imunoglobulina21 A; 1 com nefropatia20 recorrente por imunoglobulina21 A e rejeição; 1 com rejeição; e 1 com alterações limítrofes na biópsia22.
Dos 19 pacientes que descontinuaram a IS, 17 apresentaram evidências de quimerismo9 misto na suspensão do tacrolimus. No dia 1.095 (3 anos após o transplante), 9 pacientes ainda apresentavam quimerismo9 misto. Os pacientes permaneceram sem imunossupressão1 mesmo após a perda do quimerismo9.
O estudo demonstrou que os receptores de transplante renal2 que receberam MDR-101 alcançaram quimerismo9 misto do doador e tolerância imunológica funcional por mais de 2 anos, sem morte, perda do enxerto5, anticorpos6 específicos contra o doador ou doença do enxerto5 contra o hospedeiro, e demonstraram melhor qualidade de vida em comparação ao tratamento padrão.
Leia sobre "Doação de órgãos" e "Transplante renal2: o que é necessário para ser um doador ou um receptor".
Esperava-se que todos os pacientes no grupo MDR-101 precisassem de imunossupressão1 por toda a vida com condicionamento convencional, disse Stegall.
“Todos os dados mostram que, se você os interromper, se eles tiverem que parar de tomar seus medicamentos ou diminuir seus medicamentos por algum outro motivo, eles rejeitarão o rim17 do doador completamente”, disse ele. “Este não é um processo que existiria sem todo o regime de condicionamento e tudo o que os pacientes passaram.”
A duração ideal da imunossupressão1 ainda não foi determinada, “mas acho que um ano provavelmente é um bom período.”
Os próximos passos da estratégia são obter a aprovação da FDA e se tornar o padrão de tratamento, e então tentar determinar se a estratégia pode ser aplicada a um público mais amplo de receptores menos compatíveis, disse Stegall. Como é necessário um doador vivo, a estratégia tem aplicabilidade limitada além do transplante renal2, ele reconheceu. Transplantes parciais de fígado23 e de pulmão24 são teoricamente possíveis, mas representam situações de transplante relativamente incomuns.
Fontes:
American Journal of Transplantation, Vol. 25, N° 7, em julho de 2025.
MedPage Today, notícia publicada em 14 de julho de 2025.