Estudos revelam alterações célula por célula causadas quando corações e rins de porcos são transplantados para humanos
As equipes cirúrgicas da NYU Langone Health realizaram os primeiros transplantes de rim1 de porco geneticamente modificado do mundo em um corpo humano2 em setembro e novembro de 2021 e, em seguida, transplantaram dois corações de porco no verão de 2022. Esses procedimentos foram realizados em pacientes declarados mortos com base em critérios neurológicos (falecidos) e mantidos em ventiladores com o consentimento de suas famílias. Demonstrando o progresso da área, a NYU Langone, em abril de 2024, transplantou um rim1 de porco em um paciente vivo.
Agora, duas novas análises, uma publicada online na revista Nature Medicine e a outra na revista Med, revelam alterações no nível de célula3 única nos órgãos e nos corpos dos receptores antes, durante e logo após as cirurgias de xenotransplante nos falecidos. Equipes de cientistas trabalharam ao lado dos cirurgiões, coletando amostras de sangue4 e tecidos para analisar alterações em dezenas de milhares de células5 coletadas.
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Liderado por pesquisadores da NYU Grossman School of Medicine e do Broad Institute de MIT e Harvard, o artigo da Med rastreou a atividade genética e celular nos dois rins7 de porco transplantados para humanos e os comparou com amostras de rim1 de porco que não haviam sido traduzidas. Para isso, a equipe de pesquisa utilizou diversas técnicas, incluindo o sequenciamento de RNA de célula3 única, que determinou a ordem (sequência) das letras moleculares que compõem os genes suínos e humanos ativos em vários tipos de células5 durante os procedimentos.
O estudo mostrou que os rins7 de porco transplantados, embora não tenham sido totalmente rejeitados pelos organismos dos receptores (sem insuficiência renal8 imediata), causaram uma forte reação nas células5 mononucleares do sangue4 periférico humano (CMSPs). Este conjunto de células5 imunológicas pode atacar órgãos transplantados (estranhos) da mesma forma que atacam invasores estrangeiros (por exemplo, vírus9). Embora a rejeição imediata não tenha sido observada, em parte devido ao tratamento com medicamentos que a suprimiam, o novo estudo encontrou evidências de reações mais sutis que poderiam causar o fracasso dos xenotransplantes ao longo do tempo.
Especificamente, observou-se que os rins7 de porco desencadeiam “rejeição mediada por anticorpos” em nível molecular. À medida que o corpo desenvolve proteínas10 imunológicas, chamadas anticorpos11, específicas para um órgão transplantado, elas recrutam células5 exterminadoras naturais (natural killer [NK]), macrófagos12 e células5 T que podem danificá-lo. A equipe também observou um aumento nos mecanismos de reparo de tecidos nos rins7 de porcos, onde certas células5 se multiplicam como parte do crescimento envolvido na cura. As células5 normais que se transformam em células5 cancerígenas também crescem agressivamente, por isso vale a pena observar o mecanismo.
“Detalhamos os mecanismos celulares que determinam como as células5 imunológicas humanas reagem a um xenotransplante no curto prazo”, disse Jef Boeke, PhD, co-autor sênior13 de ambos os estudos e diretor do Instituto de Genética de Sistemas da NYU Grossman School of Medicine. “Esses resultados nos dão novos insights sobre como podemos desenvolver órgãos suínos para transplante ou adaptar tratamentos de imunossupressão14 para melhorar a tolerância a um órgão estranho”.
Ao rastrear a interação entre os rins7 e o sistema humano várias vezes ao dia, os pesquisadores descobriram que as células5 imunológicas dos rins7 dos porcos provocaram reações logo após o transplante, mas que as células5 imunológicas humanas infiltraram-se nos órgãos dos suínos em 48 horas para dominar a sinalização. Medir o grau em que as células5 imunológicas dos porcos desencadeiam a primeira onda de ataque imunológico aos xenotransplantes irá moldar os esforços para prevenir danos celulares irreversíveis aos mesmos, dizem os autores do estudo.
O outro novo artigo, publicado na Nature Medicine, apresentou uma análise “multiômica” de corações de porcos e células5 humanas circundantes em falecidos. Isso incluiu análises a cada seis horas após o transplante da atividade genética (transcriptômica), bem como de proteínas10 (proteômica15), lipídios e metabólitos16 (intermediários nas vias biológicas) presentes nas células5.
Aumentos rápidos e massivos no número de certos tipos de células5 também foram observados em falecidos que receberam corações de porco. Em um dos falecidos, mas não no outro, as populações ativadas de células5 T e células5 NK dentro do grupo de CMSP aumentaram de cerca de 1% 30 horas após o transplante para mais de 20% de toda a população de CMSP em 66 horas após o procedimento. Essa dramática reação imunológica ao órgão, uma complicação chamada disfunção perioperatória do xenoenxerto cardíaco (PCXD), veio com um influxo prejudicial de células5 imunológicas (inflamação17) e tentativas de cura equivocadas (remodelação do tecido18) que engrossam o tecido18 e podem prejudicar a função.
Os piores resultados experimentados por esse falecido podem ser em parte porque este coração19 era menor do que o previsto para o tamanho do receptor e exigiu um procedimento extra para compensar isso, disseram os pesquisadores. Esses fatores podem ter interrompido o fluxo sanguíneo e o suprimento de oxigênio ao coração19 por mais tempo, o que é conhecido por causar lesão20 de isquemia21-reperfusão quando o suprimento é restaurado. A equipe de pesquisa observou que as reações imunológicas relacionadas à PCXD ao órgão do porco pioraram na presença da lesão20 de reperfusão deste receptor.
“Este estudo demonstrou que a multiômica pode ser usada para revelar um quadro amplo do que está acontecendo no receptor de um xenoenxerto”, disse Brendan Keating, PhD, co-autor sênior13 de ambos os estudos e docente do Departamento de Cirurgia da NYU Grossman School of Medicine. “A equipe que fez o xenotransplante tinha várias teorias sobre por que o primeiro falecido estava tendo mais problemas, mas a multiômica ajudou a definir as complicações e pode ser usada para combatê-las no futuro”.
Leia sobre "Sistema imunológico22" e "Imunossupressão14 e imunodepressão".
Confira a seguir os resumos dos artigos publicados.
Dinâmica celular no xenotransplante renal6 de porco para humano
Destaques
- Células5 imunológicas humanas infiltradas nos xenoenxertos renais suínos já às 12 h pós-xenotransplante (pXTx).
- Sequenciamento de RNA de célula3 única (ScRNA-seq) longitudinal de CMSPs humanas revelou duas fases de resposta imune.
- Os xenoenxertos sofrem expressão gênica global associada a danos teciduais inflamatórios.
- Rins7 suínos ativaram rapidamente a proliferação celular pXTx.
Resumo
O xenotransplante de órgãos suínos geneticamente modificados tem o potencial de enfrentar o desafio da escassez de doadores de órgãos. Foram realizados dois casos de xenotransplante de rim1 suíno para humano, mas os efeitos fisiológicos nos xenoenxertos e nas respostas imunológicas dos receptores permanecem em grande parte descaracterizados.
Realizou-se sequenciamento de RNA de célula3 única (scRNA-seq) e análises longitudinais de RNA-seq dos rins7 suínos para dissecar a dinâmica celular associada ao xenotransplante e as interações receptor-xenoenxerto. Além disso, realizou-se scRNA-seq longitudinal das células5 mononucleares do sangue4 periférico (CMSPs) para detectar respostas imunes do receptor ao longo do tempo.
Embora não tenham sido detectados sinais23 de rejeição hiperaguda, as análises do scRNA-seq dos xenoenxertos encontraram evidências de células5 endoteliais e ativação da resposta imune, indicando sinais23 precoces de rejeição mediada por anticorpos11. Rastreando a origem das espécies das células5, encontrou-se infiltração de células5 imunes humanas em ambos os xenoenxertos.
Os transcritos humanos no RNA-seq longitudinal revelaram que a infiltração de células5 imunes humanas e a ativação da expressão de quimiocinas induzida por interferon gama ocorreram 12 e 48 horas após o xenotransplante, respectivamente. De acordo com esse achado, o scRNA-seq longitudinal de CMSPs também revelou duas fases das respostas imunes dos receptores às 12 e 48-53 horas.
Por último, observou-se assinaturas de expressão global de danos no tecido18 renal6 associados ao xenotransplante nos xenoenxertos. Surpreendentemente, detectou-se um rápido aumento de células5 proliferativas em ambos os xenoenxertos, indicando a ativação do programa de reparação de tecidos suíno.
O estudo concluiu que análises transcriptômicas longitudinais e de célula3 única de rins7 suínos e CMSPs do receptor revelaram dinâmica celular resolvida no tempo das interações xenoenxerto-receptor durante o xenotransplante. Essas dicas podem ser aproveitadas para projetar edições genéticas e regimes de imunossupressão14 para otimizar os resultados do xenotransplante.
Perfil multiômico integrativo em falecidos humanos que receberam xenoenxertos de coração19 de porco
Em um estudo anterior, xenoenxertos cardíacos de porcos editados com 10 genes e transplantados em dois falecidos humanos não mostraram evidência de rejeição de início agudo24 mediada por células5 ou anticorpos11. Neste estudo, para entender melhor o cenário molecular detalhado após o xenotransplante, realizou-se transcriptômica, lipidômica, proteômica15 e metabolômica em massa e de célula3 única em amostras de sangue4 obtidas dos falecidos transplantados a cada 6 horas, bem como perfil histológico25 e transcriptômico do tecido18.
Observou-se respostas imunes iniciais substanciais em células5 mononucleares do sangue4 periférico e tecido18 xenoenxertado obtido do falecido 1 (homem), associadas à atividade de células5 T a jusante26 e de células5 exterminadoras naturais. Análises longitudinais indicaram a presença de lesão20 de isquemia21-reperfusão, exacerbada pela imunossupressão14 inadequada de células5 T, consistente com achados anteriores de disfunção perioperatória de xenoenxerto cardíaco em estudos de porcos com primatas não humanos.
Além disso, 42 horas após o transplante, ocorreram alterações substanciais no metabolismo27 celular e nas vias de dano hepático, correlacionando-se com profunda disfunção fisiológica28 em todo o órgão.
Em contraste, alterações relativamente pequenas nos perfis de RNA, proteína, lipídios e metabolismo27 foram observadas no falecido 2 (feminino) em comparação com o falecido 1.
No geral, essas análises multiômicas delineiam respostas distintas ao xenotransplante cardíaco nos dois falecidos humanos e revelam novos insights sobre as respostas moleculares e imunológicas precoces após o xenotransplante.
Essas descobertas podem auxiliar no desenvolvimento de abordagens terapêuticas direcionadas para limitar os fenótipos relacionados à lesão20 de isquemia21-reperfusão e melhorar os resultados.
Veja também sobre "Edição genética" e "Genética - conceitos básicos".
Fontes:
Med, publicação em 21 de maio de 2024.
Nature Medicine, publicação em 17 de maio de 2024.
Science Daily, notícia publicada em 21 de maio de 2024.