Novas descobertas sobre a relação entre vício alimentar e vírus intestinais
Estudo recente revelou uma conexão intrigante entre o vício alimentar, ou dependência alimentar, caracterizado por comportamentos compulsivos como o consumo excessivo de alimentos, e vírus1 específicos presentes no intestino humano.
O eixo intestino-cérebro2 é um campo consolidado na ciência médica, com o microbioma3 intestinal assumindo papel importante na regulação do comportamento alimentar e dos circuitos neurológicos. Menos estudado, porém, é o impacto dos vírus1 intestinais, particularmente os bacteriófagos, na dinâmica microbiológica4 e em funções cerebrais.
No novo estudo, publicado na revista Nature Metabolism, pesquisadores identificaram que os bacteriófagos da família Microviridae, particularmente o Gokushovirus WZ-2015a, estão associados não apenas ao aumento da dependência alimentar, com maiores pontuações na Escala de Dependência Alimentar de Yale (YFAS), mas também a marcadores de obesidade5, como maior circunferência abdominal.
Esses vírus1 parecem interferir diretamente no metabolismo6 de aminoácidos importantes, como o triptofano e a tirosina7, que servem como precursores de neurotransmissores fundamentais, como a serotonina e a dopamina8. Alterações nesses neurotransmissores impactam circuitos cerebrais de recompensa, de forma semelhante ao que ocorre em indivíduos expostos a substâncias como morfina e cocaína.
Leia sobre "Transtornos alimentares", "O que é compulsão alimentar" e "As relações entre intestino e cérebro2".
Para demonstrar a relação causal, os pesquisadores realizaram transplantes de microbiota9 fecal e viral de humanos para camundongos. Os animais que receberam o vírus1 apresentaram comportamentos compulsivos relacionados ao consumo de alimentos, além de alterações metabólicas e na expressão de receptores de dopamina8 em diferentes regiões cerebrais.
Uma descoberta marcante foi o papel do ácido antranílico, um metabólito10 do triptofano, que se mostrou significativamente reduzido em indivíduos com maior carga viral. Quando suplementado em camundongos, esse metabólito10 não apenas reduziu os comportamentos de dependência alimentar, como também impactou vias de síntese de neurotransmissores. Em outro modelo experimental, utilizando Drosophila, observou-se que o ácido antranílico regula o comportamento alimentar e a preferência por etanol, reforçando sua relevância no controle de comportamentos compulsivos.
Esses achados abrem um campo de pesquisa promissor, com implicações para o desenvolvimento de tratamentos inovadores contra obesidade5 e vício alimentar, seja por meio da modulação do microbioma3 intestinal ou da suplementação11 de metabólitos12 específicos. Além disso, os resultados destacam o papel potencialmente perigoso de agentes virais transmissíveis no desenvolvimento de dependências alimentares, ampliando a compreensão da relação entre intestino e cérebro2.
Confira a seguir o resumo do artigo publicado.
Bacteriófagos Microviridae influenciam as características comportamentais do vício alimentar por meio das vias de sinalização do triptofano e da tirosina7
O vício em comida contribui para a pandemia13 de obesidade5, mas a conexão entre como o microbioma3 intestinal está ligado ao vício em comida permanece em grande parte obscura.
Neste estudo, mostrou-se que bacteriófagos Microviridae, particularmente Gokushovirus WZ-2015a, estão associados ao vício em comida e à obesidade5 em várias coortes humanas. Análises adicionais revelam que o vício em comida e o Gokushovirus estão ligados ao metabolismo6 da serotonina e da dopamina8.
Camundongos que recebem transplante de microbiota9 fecal e viral de doadores humanos com a maior carga de Gokushovirus exibem aumento do vício em comida, acompanhado de mudanças no metabolismo6 de triptofano, serotonina e dopamina8 em diferentes regiões do cérebro2, juntamente de alterações nos receptores de dopamina8.
Mecanisticamente, a análise direcionada do triptofano mostra concentrações mais baixas de ácido antranílico (AA) associadas ao Gokushovirus. A suplementação11 de AA em camundongos diminui o vício em comida e altera as vias relacionadas ao ciclo de liberação da síntese de neurotransmissores. Em Drosophila, o AA regula o comportamento alimentar e a preferência por etanol semelhante ao vício.
Em resumo, este estudo propõe que os bacteriófagos no microbioma3 intestinal contribuem para a regulação do vício alimentar modulando o metabolismo6 do triptofano e da tirosina7.
Veja também sobre "Microbioma3 intestinal humano", "Neurotransmissores - quais são e como agem" e "Os vícios e as suas caraterísticas".
Fonte: Nature Metabolism, publicação em 25 de novembro de 2024.