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Síndrome do ovário policístico pode ser tratada com medicamento contra malária

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Um medicamento já usado para tratar a malária também pode funcionar como um tratamento para a síndrome1 dos ovários2 policísticos (SOP).

Em um pequeno estudo com 19 mulheres com SOP, publicado na revista Science, o medicamento amplamente usado artemisinina melhorou a regularidade dos ciclos menstruais e os níveis hormonais, reduzindo a testosterona, que geralmente é muito alta em pessoas com a doença.

Embora a causa raiz da SOP não seja clara, ela envolve desequilíbrios em vários hormônios, incluindo muita testosterona sendo produzida pelos ovários2. Isso pode levar a ciclos menstruais irregulares e infertilidade3, bem como acne4 e excesso de pelos no corpo, entre outros sintomas5.

As pessoas afetadas também tendem a ser menos sensíveis ao hormônio6 regulador do açúcar7 insulina8, o que leva ao ganho de peso, piorando os desequilíbrios hormonais.

No momento, as pessoas com SOP têm seus sintomas5 tratados individualmente. Por exemplo, elas podem fazer tratamentos a laser para remover pelos do corpo ou tomar a pílula anticoncepcional para regularizar a menstruação9.

Ao investigar os efeitos de diferentes medicamentos em células10 de gordura11 em camundongos, Qi12-Qun Tang, da Universidade Fudan em Xangai, China, notou que a artemisinina reduziu os sintomas5 em camundongos com uma condição semelhante à SOP.

Sua equipe posteriormente deu artemisinina a 19 mulheres com SOP por três meses. O medicamento reduziu os níveis de testosterona em todas elas, e a maioria também viu uma diminuição em outra substância chamada hormônio6 antimülleriano, que foi associada à SOP. Para 12 das participantes, o medicamento também levou a ciclos menstruais regulares.

Em outro trabalho em camundongos e em células10 humanas, a equipe descobriu que a artemisinina parece reduzir a produção de testosterona nos ovários2.

Leia sobre "Entendendo os ovários2 policísticos" e "O que saber sobre os cistos ovarianos".

Stephen Franks, do Imperial College London, diz que a artemisinina pode agir por meio de um mecanismo diferente, melhorando a sensibilidade à insulina8, já que perder peso tende a reduzir os sintomas5 da SOP, embora as 19 mulheres tivessem um índice de massa corporal13 saudável em média. “Se os resultados forem tão bons em um ensaio randomizado14 quanto neste estudo preliminar, é emocionante”, diz ele.

Elisabet Stener-Victorin, do Instituto Karolinska em Estocolmo, Suécia, diz que o fato de a artemisinina já ser geralmente segura quando usada para malária significa que ela pode ser rapidamente transformada em um novo tratamento para SOP.

No artigo publicado, os pesquisadores descrevem como as artemisininas melhoram a síndrome1 dos ovários2 policísticos mediando a interação LONP1-CYP11A1.

Eles relatam que a síndrome1 do ovário15 policístico (SOP), um distúrbio endócrino16 reprodutivo prevalente que afeta de 10 a 13% das mulheres em idade reprodutiva, é caracterizada por hiperandrogenemia, disfunção ovulatória, morfologia do ovário15 policístico e, frequentemente, por distúrbios metabólicos associados. O excesso de andrógeno17 é um fator-chave que impulsiona as características fenotípicas18 da SOP. Apesar da alta prevalência19 da SOP, as intervenções farmacológicas para uma síndrome1 tão complicada enfrentam desafios substanciais. As opções de tratamento atualmente disponíveis para a SOP são limitadas e adaptadas principalmente ao gerenciamento de sintomas5 específicos. Consequentemente, há uma necessidade urgente e convincente para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas inovadoras.

A artemisinina, derivada de plantas Artemisia, é amplamente reconhecida por sua eficácia contra a malária. Demonstrou-se anteriormente que a artemisinina e seus derivados possuem a capacidade de aumentar o gasto de energia e a sensibilidade à insulina8 por meio da ativação de adipócitos20 termogênicos, protegendo assim contra a obesidade21 induzida pela dieta e distúrbios metabólicos. Neste estudo, explorou-se o potencial terapêutico das artemisininas em modelos de roedores semelhantes à SOP e pacientes humanos com SOP avaliando o efeito dos derivados da artemisinina no nível de testosterona, ciclo estral e morfologia do ovário15 policístico. Usando abordagens in vitro e in vivo, investigou-se o impacto das artemisininas na síntese de testosterona ovariana. O alvo direto das artemisininas foi identificado para elucidar o mecanismo que governa a regulação da síntese de testosterona pelas artemisininas.

Descobriu-se que o análogo da artemisinina, artemeter, exibiu melhorias consideráveis na hiperandrogenemia, ciclos estrais irregulares, morfologia do ovário15 policístico e baixa fertilidade nos modelos de roedores semelhantes à SOP. As artemisininas inibiram a hiperandrogenemia ao reprimir a síntese de testosterona ovariana.

A análise proteômica22 quantitativa relativa revelou o membro 1 da família 11 do citocromo P450, subfamília A (CYP11A1), a enzima23 que catalisa a etapa inicial da síntese de andrógenos24, como a proteína mais notavelmente diminuída afetada pelas artemisininas. Investigações posteriores mostraram que as artemisininas induziram a degradação de CYP11A1, levando à inibição da síntese de andrógenos24 ovarianos. Esse efeito inibitório foi diminuído na ausência de CYP11A1.

Mecanicamente, as artemisininas visaram diretamente a lon peptidase 1 (LONP1), aumentando a interação entre LONP1 e CYP11A1 e promovendo a degradação catalisada por LONP1 de CYP11A1. Por outro lado, o indutor androgênico25 interrompeu a ligação entre LONP1 e CYP11A1; além disso, LONP1 foi regulada negativamente na SOP, resultando em níveis elevados de CYP11A1 e aumento da síntese de andrógenos24.

Simulações de encaixe de proteínas26 e experimentos funcionais subsequentes sugeriram que o efeito inibitório das artemisininas no nível de CYP11A1 dependia amplamente de sua ligação direta ao domínio proteolítico de LONP1. Consistente com a função das artemisininas, a superexpressão de LONP1 suprimiu fortemente a produção de andrógenos24 no ovário15.

Por fim, um ensaio clínico piloto foi conduzido para confirmar os efeitos terapêuticos das artemisininas em pacientes com SOP. Descobriu-se que o tratamento com diidroartemisinina melhorou efetivamente a hiperandrogenemia, reduziu os níveis de hormônio6 antimülleriano, melhorou a morfologia do ovário15 policístico e contribuiu para a normalização da menstruação9 em pacientes com SOP.

Esses dados demonstraram a eficácia das artemisininas no alívio dos sintomas5 associados à SOP em modelos de roedores e pacientes humanas. As artemisininas se ligam diretamente à LONP1, iniciando a interação entre LONP1 e CYP11A1, que por sua vez promove a degradação de CYP11A1, subsequentemente inibindo a síntese de andrógenos24 ovarianos e controlando a SOP. Ao contrário, o indutor androgênico25 interrompe a interação LONP1-CYP11A1 e agrava a SOP.

No geral, as descobertas destacam o potencial promissor das artemisininas como medicamentos eficazes para o tratamento abrangente da SOP. Esta descoberta esclarece uma interação até então desconhecida entre LONP1 e CYP11A1 que é potencializada pelas artemisininas para controlar a síntese de andrógenos24, abrindo caminhos para a intervenção da SOP ao direcionar a interação LONP1-CYP11A1.

Veja também sobre "Acne4 na mulher adulta", "Irregularidades do ciclo menstrual" e "Hirsutismo27".

 

Fontes:
Science, Vol. 384, Nº 6701, em 14 de junho de 2024.
New Scientist, notícia publicada em 13 de junho de 2024.

 

NEWS.MED.BR, 2024. Síndrome do ovário policístico pode ser tratada com medicamento contra malária. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1477715/sindrome-do-ovario-policistico-pode-ser-tratada-com-medicamento-contra-malaria.htm>. Acesso em: 17 dez. 2024.

Complementos

1 Síndrome: Conjunto de sinais e sintomas que se encontram associados a uma entidade conhecida ou não.
2 Ovários: São órgãos pares com aproximadamente 3cm de comprimento, 2cm de largura e 1,5cm de espessura cada um. Eles estão presos ao útero e à cavidade pelvina por meio de ligamentos. Na puberdade, os ovários começam a secretar os hormônios sexuais, estrógeno e progesterona. As células dos folículos maduros secretam estrógeno, enquanto o corpo lúteo produz grandes quantidades de progesterona e pouco estrógeno.
3 Infertilidade: Capacidade diminuída ou ausente de gerar uma prole. O termo não implica a completa inabilidade para ter filhos e não deve ser confundido com esterilidade. Os clínicos introduziram elementos físicos e temporais na definição. Infertilidade é, portanto, freqüentemente diagnosticada quando, após um ano de relações sexuais não protegidas, não ocorre a concepção.
4 Acne: Doença de predisposição genética cujas manifestações dependem da presença dos hormônios sexuais. As lesões começam a surgir na puberdade, atingindo a maioria dos jovens de ambos os sexos. Os cravos e espinhas ocorrem devido ao aumento da secreção sebácea associada ao estreitamento e obstrução da abertura do folículo pilosebáceo, dando origem aos comedões abertos (cravos pretos) e fechados (cravos brancos). Estas condições favorecem a proliferação de microorganismos que provocam a inflamação característica das espinhas, sendo o Propionibacterium acnes o agente infeccioso mais comumente envolvido.
5 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
6 Hormônio: Substância química produzida por uma parte do corpo e liberada no sangue para desencadear ou regular funções particulares do organismo. Por exemplo, a insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas que diz a outras células quando usar a glicose para energia. Hormônios sintéticos, usados como medicamentos, podem ser semelhantes ou diferentes daqueles produzidos pelo organismo.
7 Açúcar: 1. Classe de carboidratos com sabor adocicado, incluindo glicose, frutose e sacarose. 2. Termo usado para se referir à glicemia sangüínea.
8 Insulina: Hormônio que ajuda o organismo a usar glicose como energia. As células-beta do pâncreas produzem insulina. Quando o organismo não pode produzir insulna em quantidade suficiente, ela é usada por injeções ou bomba de insulina.
9 Menstruação: Sangramento cíclico através da vagina, que é produzido após um ciclo ovulatório normal e que corresponde à perda da camada mais superficial do endométrio uterino.
10 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
11 Gordura: Um dos três principais nutrientes dos alimentos. Os alimentos que fornecem gordura são: manteiga, margarina, óleos, nozes, carnes vermelhas, peixes, frango e alguns derivados do leite. O excesso de calorias é estocado no organismo na forma de gordura, fornecendo uma reserva de energia ao organismo.
12 QI: O QI é utilizado para dimensionar a inteligência humana em relação à faixa etária a que um sujeito pertence. Em 1905, os franceses Alfred Binet e Theodore Simon desenvolveram uma ferramenta para avaliar os potenciais cognitivos dos estudantes, tentando detectar entre eles aqueles que precisavam de um auxílio maior de seus mestres, criando a Escala de Binet-Simon. Outros estudiosos aperfeiçoaram esta metodologia. William Stern foi quem, em 1912, propôs o termo “QI“. O Quociente de Inteligência é a razão entre a Idade Mental e a Cronológica, multiplicada por 100 para se evitar a utilização dos decimais. Seguindo-se este indicador, é possível avaliar se um infante é precoce ou se apresenta algum retardamento no aprendizado. Os que apresentam o quociente em torno de 100 são considerados normais, os acima deste resultado revelam-se precoces e os que alcançam um valor mais inferior (cerca de 70) são classificados como retardados. Uma alta taxa de QI não indica que o indivíduo seja mentalmente são, ou mesmo feliz, e também não avalia outros potenciais e capacidades, tais como as artísticas e as de natureza espiritual. O QI mede bem os talentos linguísticos, os pensamentos lógicos, matemáticos e analíticos, a facilidade de abstração em construções teóricas, o desenvolvimento escolar, o saber acadêmico acumulado ao longo do tempo. Os grandes gênios do passado, avaliados dessa forma, apresentavam uma taxa de aproximadamente 180, o que caracteriza um superdotado.
13 Índice de massa corporal: Medida usada para avaliar se uma pessoa está abaixo do peso, com peso normal, com sobrepeso ou obesa. É a medida mais usada na prática para saber se você é considerado obeso ou não. Também conhecido como IMC. É calculado dividindo-se o peso corporal em quilogramas pelo quadrado da altura em metros. Existe uma tabela da Organização Mundial de Saúde que classifica as medidas de acordo com o resultado encontrado.
14 Randomizado: Ensaios clínicos comparativos randomizados são considerados o melhor delineamento experimental para avaliar questões relacionadas a tratamento e prevenção. Classicamente, são definidos como experimentos médicos projetados para determinar qual de duas ou mais intervenções é a mais eficaz mediante a alocação aleatória, isto é, randomizada, dos pacientes aos diferentes grupos de estudo. Em geral, um dos grupos é considerado controle – o que algumas vezes pode ser ausência de tratamento, placebo, ou mais frequentemente, um tratamento de eficácia reconhecida. Recursos estatísticos são disponíveis para validar conclusões e maximizar a chance de identificar o melhor tratamento. Esses modelos são chamados de estudos de superioridade, cujo objetivo é determinar se um tratamento em investigação é superior ao agente comparativo.
15 Ovário: Órgão reprodutor (GÔNADAS) feminino. Nos vertebrados, o ovário contém duas partes funcionais Sinônimos: Ovários
16 Endócrino: Relativo a ou próprio de glândula, especialmente de secreção interna; endocrínico.
17 Andrógeno: Termo genérico para qualquer composto natural ou sintético, geralmente um hormônio esteróide, que estimula ou controla o desenvolvimento e manutenção das características masculinas em vertebrados ao ligar-se a receptores andrógenos. Isso inclui a atividade dos órgãos sexuais masculinos acessórios e o desenvolvimento de características sexuais secundárias masculinas. Também são os esteróides anabólicos originais. São precursores de todos os estrógenos, os hormônios sexuais femininos. São exemplos de andrógeno: testosterona, dehidroepiandrosterona (DHEA), androstenediona (Andro), androstenediol, androsterona e dihidrotestosterona (DHT).
18 Fenotípicas: Referente a fenótipo, ou seja, à manifestação visível ou detectável de um genótipo. Características físicas, morfológicas e fisiológicas do organismo.
19 Prevalência: Número de pessoas em determinado grupo ou população que são portadores de uma doença. Número de casos novos e antigos desta doença.
20 Adipócitos: Células do corpo que geralmente armazenam GORDURAS na forma de TRIGLICERÍDEOS. Os ADIPÓCITOS BRANCOS são os tipos predominantes encontrados, na maioria das vezes, na cavidade abdominal e no tecido subcutâneo. Os ADIPÓCITOS MARRONS são células termogênicas que podem ser encontradas em recém-nascidos de algumas espécies e em mamíferos que hibernam.
21 Obesidade: Condição em que há acúmulo de gorduras no organismo além do normal, mais severo que o sobrepeso. O índice de massa corporal é igual ou maior que 30.
22 Proteômica: Ciência que estuda o conjunto de proteínas e suas isoformas contidas em amostras biológicas, seja esta um organismo, um tecido, uma organela celular ou uma célula, sempre determinadas pelo genoma.
23 Enzima: Proteína produzida pelo organismo que gera uma reação química. Por exemplo, as enzimas produzidas pelo intestino que ajudam no processo digestivo.
24 Andrógenos: Termo genérico para qualquer composto natural ou sintético, geralmente um hormônio esteróide, que estimula ou controla o desenvolvimento e manutenção das características masculinas em vertebrados ao ligar-se a receptores andrógenos. Isso inclui a atividade dos órgãos sexuais masculinos acessórios e o desenvolvimento de características sexuais secundárias masculinas. Também são os esteróides anabólicos originais. São precursores de todos os estrógenos, os hormônios sexuais femininos. São exemplos de andrógenos: testosterona, dehidroepiandrosterona (DHEA), androstenediona (Andro), androstenediol, androsterona e dihidrotestosterona (DHT).
25 Androgênico: Relativo à androgenia e a androgênios. Androgênios são hormônios esteroides, controladores do crescimento dos órgãos sexuais masculinos. O hormônio natural masculino é a testosterona.
26 Proteínas: Um dos três principais nutrientes dos alimentos. Alimentos que fornecem proteína incluem carne vermelha, frango, peixe, queijos, leite, derivados do leite, ovos.
27 Hirsutismo: Presença de pêlos terminais (mais grossos e escuros) na mulher, em áreas anatômicas características de distribuição masculina, como acima dos lábios, no mento, em torno dos mamilos e ao longo da linha alba no abdome inferior. Pode manifestar-se como queixa isolada ou como parte de um quadro clínico mais amplo, acompanhado de outros sinais de hiperandrogenismo (acne, seborréia, alopécia), virilização (hipertrofia do clitóris, aumento da massa muscular, modificação do tom de voz), distúrbios menstruais e/ou infertilidade.
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