Bactérias intestinais produzem hormônio envolvido na depressão pós-parto
Pesquisadores descobriram que a flatulência pode servir a um propósito além de ser desconfortável ou engraçada: o gás liberado por algumas bactérias intestinais estimula outras bactérias intestinais a produzirem um hormônio1 envolvido na gravidez2 e em um tratamento aprovado pela FDA para depressão pós-parto, de acordo com uma nova pesquisa liderada por cientistas da Harvard Medical School.
O trabalho mostra como as bactérias intestinais podem produzir novos hormônios a partir de esteroides na bile3 e, ao fazê-lo, agir como um órgão endócrino4. Esta pesquisa aumenta a lista crescente de maneiras pelas quais a microbiota5 intestinal pode influenciar a biologia e a saúde6 humanas. O estudo também fornece novas evidências de que os médicos poderão um dia tratar ou prevenir certos tipos de problemas de saúde6 mental manipulando o microbioma7 intestinal.
As descobertas foram publicadas na revista Cell.
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“Embora seja do conhecimento comum que a saúde6 intestinal é importante para o nosso bem-estar geral, ainda está sendo descoberto exatamente como as bactérias que residem no nosso trato gastrointestinal interagem umas com as outras e com as nossas próprias células8 para impactar a nossa saúde6 mental”, disse a primeira autora Megan McCurry, que conduziu o trabalho como estudante de pós-graduação e pesquisadora de pós-doutorado no laboratório de Sloan Devlin no Instituto Blavatnik da HMS. “Este trabalho revela como certas bactérias intestinais realizam uma transformação química que produz um esteroide que pode impactar a saúde6 das mulheres e a depressão pós-parto.”
Trabalhando em placas9 de Petri em laboratório e com ratos, McCurry e colegas encontraram dois tipos relacionados de bactérias no trato gastrointestinal humano – Gordonibacter pamelaeae e Eggerthella lenta – que podem modificar esteroides. Eles descobriram ainda que essa modificação química ocorre na direção oposta à forma como as células8 humanas produzem esteroides.
“Nossas células8 produzem esteroides apenas na direção oxidativa, ou seja, perdendo elétrons, enquanto mostramos que as bactérias intestinais podem ir na direção inversa, conhecida como redução, ou ganhar elétrons – tornando a transformação bacteriana única”, disse Devlin, professor associado de química biológica e farmacologia10 molecular da HMS e autor sênior11 do estudo.
A equipe descobriu que as bactérias podem alterar os corticoides encontrados na bile3 – esteroides que desempenham papéis na função imunológica e no metabolismo12. As bactérias os transformam em derivados da progesterona, que são hormônios sexuais e neuroesteroides que afetam o cérebro13 e o sistema nervoso14.
“Sabemos que o corpo humano15 produz progesterona nas glândulas16 suprarrenais, na placenta e nos ovários17. Nosso trabalho sugere que o microbioma7 atua como um órgão endócrino4 adicional”, disse Devlin.
Devlin e sua equipe descobriram que um dos derivados da progesterona produzido pelas bactérias intestinais é a alopregnanolona, assim chamada há um século porque o corpo a produz durante a gravidez2.
Em parceria com Andrea Edlow, professora associada de obstetrícia, ginecologia e biologia reprodutiva da HMS no Massachusetts General Hospital, a equipe investigou a produção de alopregnanolona durante a gravidez2. A análise das amostras fecais das participantes do estudo revelou que as mulheres no terceiro trimestre de gravidez2 não só tinham níveis 100 vezes mais elevados de alopregnanolona, mas também tinham mais vestígios genéticos das duas bactérias intestinais do que as pessoas que não estavam grávidas. As descobertas sugerem que as bactérias intestinais contribuem para a produção de alopregnanolona durante a gravidez2.
Os pesquisadores relacionaram baixos níveis de alopregnanolona à depressão pós-parto e outros transtornos psiquiátricos e de humor, e a alopregnanolona é usada como um medicamento aprovado pela FDA, conhecido como brexanolona, para tratar a depressão pós-parto. Com isso em mente, Devlin e colegas querem expandir seu estudo de amostras fecais para rastrear participantes durante o primeiro, segundo e terceiro trimestres e após o parto e ver quem desenvolve depressão pós-parto. O objetivo é compreender melhor se as bactérias intestinais contribuem para os níveis de alopregnanolona durante a gravidez2 e aumentam o risco ou protegem contra a depressão pós-parto.
Se os pesquisadores encontrarem um efeito, “no futuro, como comunidade, poderemos pensar em terapias direcionadas ao microbioma7 para doenças neurológicas como a depressão”, disse Devlin.
Os pesquisadores também revelaram como as duas bactérias realizam suas transformações químicas.
Primeiro, eles identificaram os genes em ação. Em segundo lugar, eles descobriram que as bactérias G. pamelaeae e E. lenta precisam de hidrogênio – um dos gases que outras bactérias em nosso trato gastrointestinal produzem ao digerir os alimentos.
“Os efeitos do gás no metabolismo12 bacteriano têm sido amplamente ignorados, provavelmente porque estudá-lo em laboratório é muito difícil”, disse ela. “Nosso trabalho sugere que é provável que haja outros processos bacterianos intestinais que são significativamente afetados, basicamente, pela flatulência”.
A equipe espera que o trabalho demonstre que a química conduzida pelas bactérias intestinais tem impacto na saúde6 e no comportamento humanos, neste caso durante a gravidez2.
“Antes do nosso trabalho, o entendimento predominante era que o hospedeiro produz esteroides; o microbioma7 não fez parte da conversa”, disse Devlin. “Esperamos que este trabalho convença as pessoas de que as bactérias intestinais modificam os esteroides para produzir moléculas que podem afetar as funções do hospedeiro, incluindo o humor e o comportamento”.
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Confira a seguir o resumo do artigo publicado.
Bactérias intestinais convertem glicocorticoides em progestágenos na presença de gás hidrogênio
Destaques
- Gordonibacter e Eggerthella 21-desidroxilam corticoides do hospededeiro para produzir progestágenos.
- A produção bacteriana de gás hidrogênio promove 21-desidroxilação.
- Os genes da 21-desidroxilação foram identificados usando genômica comparativa e funcional.
- Os níveis de progestina e a abundância do agrupamento genético foram significativamente maiores durante a gravidez2.
Resumo
Estudos recentes sugerem que bactérias associadas a humanos interagem com esteroides produzidos pelo hospedeiro, mas os mecanismos e o impacto fisiológico18 de tais interações permanecem obscuros.
Neste estudo, mostrou-se que as bactérias intestinais humanas Gordonibacter pamelaeae e Eggerthella lenta convertem corticoides biliares abundantes em progestinas através da 21-desidroxilação, transformando assim uma classe de esteroides reguladores da imunidade19 e do metabolismo12 em uma classe de hormônios sexuais e neuroesteroides.
Usando genômica comparativa, expressão homóloga e expressão heteróloga, identificou-se um agrupamento de genes bacterianos que realiza 21-desidroxilação. Também descobriu-se um papel inesperado para a produção de gás hidrogênio pelos comensais intestinais na promoção da 21-desidroxilação, sugerindo que o hidrogênio modula o metabolismo12 secundário no intestino.
Os níveis de certas progestinas bacterianas, incluindo a alopregnanolona, mais conhecida como brexanolona, um medicamento aprovado pela FDA para a depressão pós-parto, aumentam substancialmente nas fezes de mulheres grávidas.
Assim, a conversão bacteriana de corticoides em progestágenos pode afetar a fisiologia20 do hospedeiro, particularmente no contexto da gravidez2 e da saúde6 da mulher.
Veja também sobre "As relações entre intestino e cérebro13" e "Bactérias do bem".
Fontes:
Cell, Vol. 187, Nº 12, em junho de 2024.
Harvard Medical School, notícia publicada em 24 de maio de 2024.