Memórias de longo prazo são formadas quebrando o DNA e consertando-o
Como duram as memórias? O surrealista espanhol Salvador Dalí ponderou esta questão na sua famosa obra “A Persistência da Memória”. Ele também explorou as consequências trágicas das condições de perda de memória em “A Desintegração da Persistência da Memória”.
À medida que a população global envelhece e os diagnósticos da doença de Alzheimer1 e de formas relacionadas de demência2 aumentam, os mecanismos que permitem que as memórias durem têm chamado a atenção dos neurocientistas. No entanto, o que permite que experiências breves, codificadas em apenas alguns segundos, sejam repetidas continuamente durante a vida, permanece um mistério.
Agora, um estudo em camundongos, publicado na revista Nature, descobriu que as células nervosas3 formam memórias de longo prazo com a ajuda de uma resposta inflamatória.
Segundo os pesquisadores, quando se forma uma memória de longo prazo, algumas células4 cerebrais experimentam uma onda de atividade elétrica tão forte que quebra seu DNA. Então, uma resposta inflamatória entra em ação, reparando esses danos e ajudando a consolidar a memória.
O novo estudo encaixa uma peça crucial neste quebra-cabeças da formação de memórias ao descrever mecanismos moleculares que são essenciais para a memória, envolvendo a imunidade5 inata em uma nova população de neurônios6.
Leia sobre "Doenças neurodegenerativas", "Quando a perda de memória não é normal", "Testes de memória" e "O que é inflamação7".
No artigo publicado, os pesquisadores descrevem a formação de conjuntos de memória através da via TLR9 sensora de DNA.
Eles relatam que, à medida que os neurônios6 do hipocampo8 respondem a diversos tipos de informação, um subconjunto se reúne em microcircuitos que representam uma memória. Esses neurônios6 normalmente passam por adaptações moleculares que consomem muita energia, resultando ocasionalmente em danos transitórios ao DNA.
Neste estudo, encontrou-se aglomerados discretos de neurônios6 CA1 excitatórios do hipocampo8 com quebras persistentes de DNA de fita dupla (dsDNA), rupturas do envelope nuclear e liberação perinuclear de fragmentos9 de histonas e de dsDNA horas após o aprendizado.
Após esses eventos iniciais, alguns neurônios6 adquiriram um fenótipo10 inflamatório envolvendo ativação da sinalização TLR9 e acúmulo de complexos de reparo de danos no DNA centrossomal. A desativação específica para neurônios6 do gene Tlr9 prejudicou a memória, ao mesmo tempo em que enfraqueceu as alterações contextuais de expressão gênica induzidas pelo condicionamento do medo em grupos específicos de neurônios6 CA1 excitatórios.
Notavelmente, a via TLR9 teve um papel essencial na função do centrossoma, incluindo reparação de danos no DNA, ciliogênese e construção de redes perineuronais.
Demonstrou-se uma nova cascata de eventos moleculares induzidos por aprendizagem em agrupamentos neuronais distintos submetidos a danos no dsDNA e reparo mediado por TLR9, resultando no seu recrutamento para circuitos de memória.
Com a função da via TLR9 comprometida, este mecanismo fundamental de memória torna-se uma porta de entrada para a instabilidade genômica e deficiências cognitivas implicadas na senescência acelerada, distúrbios psiquiátricos e distúrbios neurodegenerativos.
A manutenção da integridade da sinalização inflamatória via TLR9 surge assim como uma estratégia preventiva promissora para déficits neurocognitivos.
Fontes:
Nature, publicação em 27 de março de 2024.
Nature, notícia publicada em 27 de março de 2024.