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Organoides feitos de fluido uterino podem ajudar a tratar fetos antes do nascimento

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Bebês1 que nascem com condições médicas graves poderão um dia obter melhores diagnósticos e tratamentos enquanto estiverem no útero2, graças a uma nova técnica que envolve recolher amostras de células3 do fluido no útero2 e cultivá-las em laboratório. As descobertas foram relatadas na revista Nature Medicine.

Numa inovação mundial, Paolo De Coppi, do Great Ormond Street Hospital, em Londres, e os seus colegas demonstraram que as células3 fetais recuperadas do líquido amniótico4 podem ser induzidas a formar bolas em miniatura de tecido5 pulmonar, renal6 ou do intestino delgado7, chamadas organoides. Eles também mostraram que esses organoides pulmonares poderiam ajudar a orientar o tratamento de bebês1 nascidos com uma doença pulmonar às vezes fatal chamada hérnia8 diafragmática congênita9 (HDC).

A técnica ainda não foi utilizada no tratamento de nenhuma criança, mas os resultados mostram que, em princípio, é possível, diz De Coppi. A técnica também poderia ser modificada para ajudar em várias outras doenças congênitas10, numa estratégia que os pesquisadores chamam de “medicina pré-natal personalizada”.

Leia sobre "Pré-natal: o que é", "Líquido amniótico4" e "Malformações11 fetais".

A ideia explora uma abordagem recente em que as células cultivadas12 em laboratório são induzidas a crescer em organoides de tecido5, do tamanho aproximado de uma lentilha, que assumem uma estrutura tridimensional. Estes organoides, então, capturam certos aspectos do tecido5 em questão, incluindo se ele é saudável ou está crescendo anormalmente, melhor do que a técnica padrão de crescimento de células3 em uma camada bidimensional.

A equipe mostrou agora que amostras de líquido amniótico4 colhidas durante a gravidez13 contêm células3 fetais capazes de formar organoides de tecido5 dos pulmões14, rins15 e intestino delgado7.

Estudar organoides feitos de células3 de um feto16 conhecido por ter uma doença congênita9 pode fornecer aos médicos mais informações sobre exatamente qual forma a doença assumirá, quão grave é e como pode ser tratada.

No estudo, a equipe criou organoides para 12 fetos com HDC, onde os órgãos abdominais sobem para o tórax17 e impedem o crescimento adequado do pulmão18 esquerdo. A condição pode ser tratada enquanto o feto16 está no útero2, empurrando um balão para dentro do pulmão18 para expandi-lo, ajudando-o a se desenvolver melhor.

Os pesquisadores criaram organoides pulmonares a partir dos fetos antes e depois do tratamento com balão. Eles viram indícios de que os organoides criados após o tratamento se comportavam mais como tecido5 pulmonar saudável do que os feitos anteriormente, sugerindo que o tratamento foi bem-sucedido.

A técnica de organoides poderia, portanto, ser usada para monitorar se o tratamento funcionou, bem como avaliar se ele é necessário em primeiro lugar, já que os médicos só realizam essa intervenção nas formas mais graves da doença.

“Isso tem muito potencial para diagnósticos funcionais”, diz De Coppi. “Sabemos como fazer diagnósticos com base em imagens, mas às vezes há um amplo espectro possível de gravidade da condição. Esperamos oferecer uma melhor ferramenta de diagnóstico19 pré-natal.”

“Se tivermos a possibilidade de categorizar uma doença em leve, moderada ou grave, é uma grande conquista”, afirma Cecilia Götherström, do Instituto Karolinska, em Estocolmo, na Suécia.

Holm Schneider, do Hospital Universitário de Erlangen, na Alemanha, diz que a abordagem também sugere a possibilidade de um dia transformar organoides em tecidos maduros para implantação em bebês1 após o nascimento, por exemplo, em condições onde falta parte do intestino. “Se pudéssemos conceber estruturas semelhantes a intestinos20 para estarem disponíveis após o nascimento destas crianças, estaríamos numa posição muito melhor”, diz ele.

No artigo publicado, os pesquisadores descrevem a derivação pré-natal guiada por célula21 única de organoides epiteliais fetais primários a partir de fluidos amniótico e traqueal humanos.

Eles relatam que o isolamento de células-tronco22 fetais específicas do tecido5 e a derivação de organoides primários são limitados a amostras obtidas no término da gravidez13, dificultando a investigação pré-natal do desenvolvimento fetal e de doenças congênitas10. Portanto, são necessários novos modelos in vitro específicos do paciente.

Para tanto, seria vantajoso o isolamento e a expansão de células-tronco22 fetais durante a gravidez13, sem a necessidade de amostras de tecido5 ou reprogramação. O líquido amniótico4 (LA) é uma fonte de células3 de vários órgãos em desenvolvimento. Utilizando análise unicelular, caracterizou-se as identidades celulares presentes no LA humano.

Identificou-se e isolou-se células-tronco22/progenitoras epiteliais viáveis de origem fetal gastrointestinal, renal6 e pulmonar. Após a cultura, essas células3 formaram organoides epiteliais clonais, manifestando a identidade do intestino delgado7, do túbulo renal6 e do pulmão18. Os organoides do LA exibem transcrição, expressão proteica e características funcionais de seu tecido5 de origem.

Com relevância para a modelagem de doenças pré-natais, derivou-se organoides pulmonares de células3 de LA e de líquido traqueal de fetos com hérnia8 diafragmática congênita9, recapitulando algumas características da doença.

Os organoides do LA são derivados em um cronograma compatível com a intervenção pré-natal, permitindo potencialmente a investigação de ferramentas terapêuticas e estratégias de medicina regenerativa personalizadas para o feto16 em estágios de desenvolvimento clinicamente relevantes.

Veja também sobre "Células-tronco22" e "Doenças congênitas10, genéticas e hereditárias".

 

Fontes:
Nature Medicine, publicação em 04 de março de 2024.
New Scientist, notícia publicada em 04 de março de 2024.

 

NEWS.MED.BR, 2024. Organoides feitos de fluido uterino podem ajudar a tratar fetos antes do nascimento. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1467517/organoides-feitos-de-fluido-uterino-podem-ajudar-a-tratar-fetos-antes-do-nascimento.htm>. Acesso em: 27 abr. 2024.

Complementos

1 Bebês: Lactentes. Inclui o período neonatal e se estende até 1 ano de idade (12 meses).
2 Útero: Orgão muscular oco (de paredes espessas), na pelve feminina. Constituído pelo fundo (corpo), local de IMPLANTAÇÃO DO EMBRIÃO e DESENVOLVIMENTO FETAL. Além do istmo (na extremidade perineal do fundo), encontra-se o COLO DO ÚTERO (pescoço), que se abre para a VAGINA. Além dos istmos (na extremidade abdominal superior do fundo), encontram-se as TUBAS UTERINAS.
3 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
4 Líquido amniótico: Fluido viscoso, incolor ou levemente esbranquiçado, que preenche a bolsa amniótica e envolve o embrião durante toda a gestação, protegendo-o contra infecções e choques mecânicos e térmicos.
5 Tecido: Conjunto de células de características semelhantes, organizadas em estruturas complexas para cumprir uma determinada função. Exemplo de tecido: o tecido ósseo encontra-se formado por osteócitos dispostos em uma matriz mineral para cumprir funções de sustentação.
6 Renal: Relacionado aos rins. Uma doença renal é uma doença dos rins. Insuficiência renal significa que os rins pararam de funcionar.
7 Intestino delgado: O intestino delgado é constituído por três partes: duodeno, jejuno e íleo. A partir do intestino delgado, o bolo alimentar é transformado em um líquido pastoso chamado quimo. Com os movimentos desta porção do intestino e com a ação dos sucos pancreático e intestinal, o quimo é transformado em quilo, que é o produto final da digestão. Depois do alimento estar transformado em quilo, os produtos úteis para o nosso organismo são absorvidos pelas vilosidades intestinais, passando para os vasos sanguíneos.
8 Hérnia: É uma massa circunscrita formada por um órgão (ou parte de um órgão) que sai por um orifício, natural ou acidental, da cavidade que o contém. Por extensão de sentido, excrescência, saliência.
9 Congênita: 1. Em biologia, o que é característico do indivíduo desde o nascimento ou antes do nascimento; conato. 2. Que se manifesta espontaneamente; inato, natural, infuso. 3. Que combina bem com; apropriado, adequado. 4. Em termos jurídicos, é o que foi adquirido durante a vida fetal ou embrionária; nascido com o indivíduo. Por exemplo, um defeito congênito.
10 Congênitas: 1. Em biologia, o que é característico do indivíduo desde o nascimento ou antes do nascimento; conato. 2. Que se manifesta espontaneamente; inato, natural, infuso. 3. Que combina bem com; apropriado, adequado. 4. Em termos jurídicos, é o que foi adquirido durante a vida fetal ou embrionária; nascido com o indivíduo. Por exemplo, um defeito congênito.
11 Malformações: 1. Defeito na forma ou na formação; anomalia, aberração, deformação. 2. Em patologia, é vício de conformação de uma parte do corpo, de origem congênita ou hereditária, geralmente curável por cirurgia. Ela é diferente da deformação (que é adquirida) e da monstruosidade (que é incurável).
12 Células Cultivadas: Células propagadas in vitro em meio especial apropriado ao seu crescimento. Células cultivadas são utilizadas no estudo de processos de desenvolvimento, processos morfológicos, metabólicos, fisiológicos e genéticos, entre outros.
13 Gravidez: Condição de ter um embrião ou feto em desenvolvimento no trato reprodutivo feminino após a união de ovo e espermatozóide.
14 Pulmões: Órgãos do sistema respiratório situados na cavidade torácica e responsáveis pelas trocas gasosas entre o ambiente e o sangue. São em número de dois, possuem forma piramidal, têm consistência esponjosa e medem cerca de 25 cm de comprimento. Os pulmões humanos são divididos em segmentos denominados lobos. O pulmão esquerdo possui dois lobos e o direito possui três. Os pulmões são compostos de brônquios que se dividem em bronquíolos e alvéolos pulmonares. Nos alvéolos se dão as trocas gasosas ou hematose pulmonar entre o meio ambiente e o corpo, com a entrada de oxigênio na hemoglobina do sangue (formando a oxiemoglobina) e saída do gás carbônico ou dióxido de carbono (que vem da célula como carboemoglobina) dos capilares para o alvéolo.
15 Rins: Órgãos em forma de feijão que filtram o sangue e formam a urina. Os rins são localizados na região posterior do abdômen, um de cada lado da coluna vertebral.
16 Feto: Filhote por nascer de um mamífero vivíparo no período pós-embrionário, depois que as principais estruturas foram delineadas. Em humanos, do filhote por nascer vai do final da oitava semana após a CONCEPÇÃO até o NASCIMENTO, diferente do EMBRIÃO DE MAMÍFERO prematuro.
17 Tórax: Parte superior do tronco entre o PESCOÇO e o ABDOME; contém os principais órgãos dos sistemas circulatório e respiratório. (Tradução livre do original Sinônimos: Peito; Caixa Torácica
18 Pulmão: Cada um dos órgãos pareados que ocupam a cavidade torácica que tem como função a oxigenação do sangue.
19 Diagnóstico: Determinação de uma doença a partir dos seus sinais e sintomas.
20 Intestinos: Seção do canal alimentar que vai do ESTÔMAGO até o CANAL ANAL. Inclui o INTESTINO GROSSO e o INTESTINO DELGADO.
21 Célula: Unidade funcional básica de todo tecido, capaz de se duplicar (porém algumas células muito especializadas, como os neurônios, não conseguem se duplicar), trocar substâncias com o meio externo à célula, etc. Possui subestruturas (organelas) distintas como núcleo, parede celular, membrana celular, mitocôndrias, etc. que são as responsáveis pela sobrevivência da mesma.
22 Células-tronco: São células primárias encontradas em todos os organismos multicelulares que retêm a habilidade de se renovar por meio da divisão celular mitótica e podem se diferenciar em uma vasta gama de tipos de células especializadas.
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