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Abordagem não convencional para Clostridioides difficile: experimentos apoiam o tratamento da inflamação em vez das bactérias

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As infecções1 intestinais por Clostridioides difficile (C. diff) podem causar diarreia2 grave e debilitante em pacientes hospitalizados ou que estão em terapias imunossupressoras. As infecções1 podem ser muito difíceis de erradicar, reaparecendo quando os pacientes tentam reduzir gradualmente os antibióticos. Muitas pessoas tomam antibióticos durante meses e podem tornar-se resistentes a três ou mais deles.

“Muitas vezes, tomar antibióticos não é suficiente”, explicou Meenakshi Rao, professora assistente de pediatria da Harvard Medical School no Boston Children’s Hospital. “A infecção3 pode catalisar uma inflamação4 grave e descontrolada, especialmente em pacientes com doença inflamatória intestinal.”

Esta inflamação4, por sua vez, promove a colonização do tecido5 intestinal por C. diff. E os próprios antibióticos podem ser parte do problema.

“Uma vez que atacamos C. diff com antibióticos, eles perturbam o microbioma6 intestinal”, disse Min Dong, professor associado de cirurgia da HMS no Boston Children’s, cujo laboratório estuda toxinas7 bacterianas e como combatê-las. “Isso cria uma oportunidade para infecções1 graves e recorrentes e se torna um ciclo vicioso.”

Uma nova abordagem potencial – que Dong, Rao e colegas descreveram na revista Nature – concentra-se em conter a inflamação4 intestinal em vez de combater diretamente as bactérias.

Em vez de antibióticos, a abordagem poderia empregar medicamentos já utilizados para náuseas8 e enxaquecas9.

Os medicamentos funcionaram em ratos com uma cepa10 hipervirulenta de C. diff. Rao espera desenvolver um ensaio clínico para testar estes agentes em pessoas com infecções1 por C. diff.

Saiba mais sobre "Diarreia2 por Clostridium difficile", "Colite11 pseudomembranosa" e "A resistência aos antibióticos e as superbactérias".

Dong sabia há muito tempo que C. diff produz uma toxina12 extremamente potente – a toxina12 B – mas não sabia como ela causa a inflamação4 do cólon13.

Usando dados de sequenciamento de RNA unicelular e outras técnicas, seu laboratório elaborou o mecanismo, mostrando que a toxina12 B se liga a receptores específicos (FZD1/2/7 e CSPG4).

Eles mostraram ainda que dois tipos principais de células14 nos tecidos intestinais – neurônios15 sensoriais e pericitos16, respectivamente – apresentam esses receptores em níveis especialmente elevados.

“Há alguns anos, não teríamos conseguido descobrir isso”, disse Dong. “Agora podemos fazer isso com tecnologias unicelulares.”

A expertise de Rao na complexa neurobiologia do trato gastrointestinal foi crítica.

Ela e Dong descobriram que, em resposta à toxina12, os neurônios15 sensoriais secretam neuropeptídeos, chamados substância P e peptídeo relacionado ao gene da calcitonina17 (CGRP), enquanto os pericitos16, que circundam os vasos sanguíneos18, produzem citocinas19 pró-inflamatórias.

Num modelo de rato, isto provocou intensa inflamação4 neurogênica e danos nos tecidos – o mesmo tipo de dano que ocorre em pacientes humanos.

“É uma resposta inflamatória aguda muito forte que causa dilatação dos vasos e uma liberação maciça de células14 imunológicas, citocinas19 e mediadores inflamatórios que entram nos tecidos”, disse Dong. “Normalmente, esta é uma resposta protetora, mas é exagerada, perturbando não apenas as bactérias, mas também as células14 hospedeiras”.

Já existem medicamentos aprovados pela FDA (e pela Anvisa no Brasil) para bloquear os neuropeptídeos desencadeantes.

O aprepitanto, usado para náuseas8 e vômitos20, bloqueia a sinalização da substância P.

Pequenas moléculas relacionadas ao olcegepant ou anticorpos21 monoclonais como o fremanezumabe, usados para enxaquecas9, inibem a sinalização do CGRP.

No modelo de camundongo, esses medicamentos reduziram a inflamação4 e os danos aos tecidos. Surpreendentemente, eles até reduziram a carga da bactéria22 C. diff nos intestinos23 dos animais.

“Trabalhos recentes de outros pesquisadores sugerem que danos às células14 intestinais podem induzir a liberação de nutrientes que beneficiam C. diff”, disse Dong. “A resposta imunológica perturba o microbioma6, o que promove o crescimento da C. diff. Assim que diminuirmos a resposta do hospedeiro, a C. diff terá menos capacidade de sobreviver.”

Rao, que também é membro afiliado do corpo docente da F.M. Kirby Neurobiology Center, do Boston Children's, espera colaborar com seus colegas gastroenterologistas para desenvolver um ensaio clínico de um ou mais medicamentos. Eles provavelmente começariam em pacientes com C. diff resistente a antibióticos.

“Poderíamos começar usando esses medicamentos em conjunto com antibióticos, como terapia adjuvante”, sugeriu ela. “Sabemos que esses medicamentos são seguros.”

No artigo publicado na Nature, os pesquisadores relatam que a C. difficile intoxica neurônios15 e pericitos16 para provocar inflamação4 neurogênica.

Eles contextualizam que a infecção3 por Clostridioides difficile (ICD) é uma das principais causas de infecções1 gastrointestinais associadas aos cuidados de saúde24. A inflamação4 exagerada do cólon13 causada por toxinas7 de C. dificile, como a toxina B (TcdB), danifica os tecidos e promove a colonização de C. dificile, mas como a TcdB causa inflamação4 não está claro.

Neste estudo, relatou-se que a TcdB induz inflamação4 neurogênica visando neurônios15 e pericitos16 aferentes que inervam o intestino através de receptores, incluindo os receptores Frizzled (FZD1, FZD2 e FZD7) em neurônios15 e proteoglicano de sulfato de condroitina 4 (CSPG4) em pericitos16.

A TcdB estimula a secreção da substância neuropeptídica P (SP) e do peptídeo relacionado ao gene da calcitonina17 (CGRP) dos neurônios15 e citocinas19 pró-inflamatórias dos pericitos16. A entrega direcionada do domínio enzimático da TcdB, através da fusão com uma toxina12 diftérica desintoxicada, em neurônios15 sensoriais peptidérgicos que expressam o receptor exógeno da toxina12 diftérica (uma abordagem que chamou-se de toxogenética) é suficiente para induzir inflamação4 neurogênica e recapitula a principal histopatologia25 colônica associada à ICD.

Por outro lado, camundongos sem SP, CGRP ou receptor SP (receptor de neurocinina 1) apresentam patologia26 reduzida em ambos os modelos de injeção27 cecal de TcdB e ICD.

O bloqueio da sinalização SP ou CGRP reduz o dano tecidual e a carga de C. difficile em camundongos infectados com uma cepa10 padrão de C. dificile ou com cepas28 hipervirulentas que expressam a variante TcdB2.

Assim, o direcionamento da inflamação4 neurogênica fornece uma abordagem terapêutica29 orientada ao hospedeiro para o tratamento de infecção3 por Clostridioides difficile.

Leia sobre "Doença inflamatória intestinal", "Microbioma6 intestinal humano" e "O que são bactérias".

 

Fontes:
Nature, publicação em 12 de setembro de 2023.
Harvard Medical School, notícia publicada em 26 de outubro de 2023.

 

NEWS.MED.BR, 2023. Abordagem não convencional para Clostridioides difficile: experimentos apoiam o tratamento da inflamação em vez das bactérias. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1461424/abordagem-nao-convencional-para-clostridioides-difficile-experimentos-apoiam-o-tratamento-da-inflamacao-em-vez-das-bacterias.htm>. Acesso em: 27 abr. 2024.

Complementos

1 Infecções: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
2 Diarréia: Aumento do volume, freqüência ou quantidade de líquido nas evacuações.Deve ser a manifestação mais freqüente de alteração da absorção ou transporte intestinal de substâncias, alterações estas que em geral são devidas a uma infecção bacteriana ou viral, a toxinas alimentares, etc.
3 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
4 Inflamação: Conjunto de processos que se desenvolvem em um tecido em resposta a uma agressão externa. Incluem fenômenos vasculares como vasodilatação, edema, desencadeamento da resposta imunológica, ativação do sistema de coagulação, etc.Quando se produz em um tecido superficial (pele, tecido celular subcutâneo) pode apresentar tumefação, aumento da temperatura local, coloração avermelhada e dor (tétrade de Celso, o cientista que primeiro descreveu as características clínicas da inflamação).
5 Tecido: Conjunto de células de características semelhantes, organizadas em estruturas complexas para cumprir uma determinada função. Exemplo de tecido: o tecido ósseo encontra-se formado por osteócitos dispostos em uma matriz mineral para cumprir funções de sustentação.
6 Microbioma: Comunidade ecológica de microrganismos comensais, simbióticos e patogênicos que compartilham nosso espaço corporal. Microbioma humano é o conjunto de microrganismos que reside no corpo do Homo sapiens, mantendo uma relação simbiótica com o hospedeiro. O conceito vai além do termo microbiota, incluindo também a relação entre as células microbianas e as células e sistemas humanos, por meio de seus genomas, transcriptomas, proteomas e metabolomas.
7 Toxinas: Substâncias tóxicas, especialmente uma proteína, produzidas durante o metabolismo e o crescimento de certos microrganismos, animais e plantas, capazes de provocar a formação de anticorpos ou antitoxinas.
8 Náuseas: Vontade de vomitar. Forma parte do mecanismo complexo do vômito e pode ser acompanhada de sudorese, sialorréia (salivação excessiva), vertigem, etc .
9 Enxaquecas: Sinônimo de migrânea. É a cefaléia cuja prevalência varia de 10 a 20% da população. Ocorre principalmente em mulheres com uma proporção homem:mulher de 1:2-3. As razões para esta preponderância feminina ainda não estão bem entendidas, mas suspeita-se de alguma relação com o hormônio feminino. Resulta da pressão exercida por vasos sangüíneos dilatados no tecido nervoso cerebral subjacente. O tratamento da enxaqueca envolve normalmente drogas vaso-constritoras para aliviar esta pressão. No entanto, esta medicamentação pode causar efeitos secundários no sistema circulatório e é desaconselhada a pessoas com problemas cardiológicos.
10 Cepa: Cepa ou estirpe é um termo da biologia e da genética que se refere a um grupo de descendentes com um ancestral comum que compartilham semelhanças morfológicas e/ou fisiológicas.
11 Colite: Inflamação da porção terminal do cólon (intestino grosso). Pode ser devido a infecções intestinais (a causa mais freqüente), ou a processos inflamatórios diversos (colite ulcerativa, colite isquêmica, colite por radiação, etc.).
12 Toxina: Substância tóxica, especialmente uma proteína, produzida durante o metabolismo e o crescimento de certos microrganismos, animais e plantas, capaz de provocar a formação de anticorpos ou antitoxinas.
13 Cólon:
14 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
15 Neurônios: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO. Sinônimos: Células Nervosas
16 Pericitos: Células delgadas únicas com vários processos estendendo-se ao longo do eixo do vaso capilar e circundando a parede vascular, também denominadas células murais. Os pericitos estão imersos na MEMBRANA BASAL e compartilhados com as CÉLULAS ENDOTELIAIS do vaso. Os pericitos são importantes na manutenção da integridade do vaso, angiogênese e na remodelagem vascular.
17 Calcitonina: Hormônio secretado pela glândula tireoide que inibe a perda de cálcio dos ossos.
18 Vasos Sanguíneos: Qualquer vaso tubular que transporta o sangue (artérias, arteríolas, capilares, vênulas e veias).
19 Citocinas: Citoquina ou citocina é a designação genérica de certas substâncias segregadas por células do sistema imunitário que controlam as reações imunes do organismo.
20 Vômitos: São a expulsão ativa do conteúdo gástrico pela boca. Podem ser classificados em: alimentar, fecalóide, biliar, em jato, pós-prandial. Sinônimo de êmese. Os medicamentos que agem neste sintoma são chamados de antieméticos.
21 Anticorpos: Proteínas produzidas pelo organismo para se proteger de substâncias estranhas como bactérias ou vírus. As pessoas que têm diabetes tipo 1 produzem anticorpos que destroem as células beta produtoras de insulina do próprio organismo.
22 Bactéria: Organismo unicelular, capaz de auto-reproduzir-se. Existem diferentes tipos de bactérias, classificadas segundo suas características de crescimento (aeróbicas ou anaeróbicas, etc.), sua capacidade de absorver corantes especiais (Gram positivas, Gram negativas), segundo sua forma (bacilos, cocos, espiroquetas, etc.). Algumas produzem infecções no ser humano, que podem ser bastante graves.
23 Intestinos: Seção do canal alimentar que vai do ESTÔMAGO até o CANAL ANAL. Inclui o INTESTINO GROSSO e o INTESTINO DELGADO.
24 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
25 Histopatologia: Histologia de tecidos orgânicos que apresentam lesões. A histologia é uma disciplina biomédica que realiza estudos da estrutura microscópica, composição e função dos tecidos vivos.
26 Patologia: 1. Especialidade médica que estuda as doenças e as alterações que estas provocam no organismo. 2. Qualquer desvio anatômico e/ou fisiológico, em relação à normalidade, que constitua uma doença ou caracterize determinada doença. 3. Por extensão de sentido, é o desvio em relação ao que é próprio ou adequado ou em relação ao que é considerado como o estado normal de uma coisa inanimada ou imaterial.
27 Injeção: Infiltração de medicação ou nutrientes líquidos no corpo através de uma agulha e seringa.
28 Cepas: Cepa ou estirpe é um termo da biologia e da genética que se refere a um grupo de descendentes com um ancestral comum que compartilham semelhanças morfológicas e/ou fisiológicas.
29 Terapêutica: Terapia, tratamento de doentes.
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