Alimentos consumidos na infância moldam o paladar adulto
Um novo estudo, publicado na revista Science Advances, mostrou que os alimentos que consumimos nos anos de formação ficam ‘impressos’ no cérebro1, que tem dificuldade de alterar preferências mais tarde na vida. A exposição precoce a uma variedade de sabores, portanto, ajudaria no desenvolvimento gustativo, efeito esse que não foi observado na idade adulta.
Para entender melhor esse cenário, os cientistas do departamento de Neurobiologia e Comportamento da Universidade Stony Brook, nos Estados Unidos, utilizaram camundongos, uma vez que a biologia do sistema gustativo, ligado ao sentido do paladar2, é semelhante entre os mamíferos.
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Os animais foram divididos entre filhotes e adultos e foram expostos a uma variedade de sabores diferentes durante uma semana. Após uma semana, os camundongos retornaram às suas dietas antigas, que não tinham a mesma diversidade de paladar2. Um outro grupo que não passou pela intervenção foi monitorado para comparação.
Semanas após a exposição, foi oferecida aos animais uma solução adocicada para observar as preferências deles em comparação à água. Aqueles que eram filhotes durante o primeiro experimento apresentaram uma atração mais forte pelo sabor diferenciado na idade adulta, o que não aconteceu entre os camundongos que passaram pela intervenção já mais velhos.
Além disso, identificou-se que a exposição a múltiplos sabores na infância levou ao desenvolvimento de circuitos neurais, e que essa preferência do sabor foi influenciada por todos os aspectos da experiência gustativa: as sensações na boca3, o olfato e a interação do intestino com o cérebro1.
Os pesquisadores também analisaram a atividade dos neurônios4 no córtex gustativo dos animais, parte do cérebro1 envolvida no paladar2 e nas decisões sobre o que comer. Eles observaram que, no grupo adulto que não teve a preferência desenvolvida, havia diferenças na atividade de neurônios4 chamados de inibitórios.
Ao manipular esses neurônios4 inibitórios na fase adulta, injetando uma substância no córtex gustativo que quebra redes de proteínas5 acumuladas ao redor dessas células6 cerebrais, os animais exibiram mudanças semelhantes na preferência pela solução adocicada à observada entre os animais expostos durante a infância. Isso porque essas redes, quando estabelecidas, limitam a habilidade de os neurônios4 mudarem a resposta a estímulos, algo que é chamado plasticidade.
Os resultados mostraram que a intervenção “rejuvenesceu” as sinapses no córtex gustativo e restaurou a plasticidade em resposta à experiência gustativa. Para os cientistas, isso reforçou o papel dos neurônios4 inibitórios no processo de desenvolvimento da preferência alimentar.
No artigo, os pesquisadores relatam sobre a plasticidade dependente da experiência dos circuitos gustativos do córtex insular e preferências gustativas.
Eles contextualizam que a experiência precoce com alimentos influencia a preferência de sabor na idade adulta. Mas como a experiência gustativa influencia o desenvolvimento das preferências gustativas e o refinamento dos circuitos corticais não foi investigado.
Eles então expuseram camundongos recém-desmamados a uma variedade de soluções gustativas e determinaram os efeitos na preferência por doces na idade adulta.
Foi demonstrada uma mudança dependente da experiência na preferência por sacarose que persiste várias semanas após o término da exposição. Uma mudança na palatabilidade da sacarose, resposta neural alterada à sacarose e plasticidade sináptica inibitória na porção gustativa do córtex insular também foram induzidas.
A modulação da preferência por doce ocorreu dentro de uma janela de desenvolvimento restrita, mas a restauração da capacidade de plasticidade inibitória na porção gustativa do córtex insular em adultos reativou a sensibilidade da preferência de sacarose à experiência de sabor.
Esses resultados estabelecem uma ligação fundamental entre a experiência gustativa, a preferência por doces, a plasticidade inibitória e a função do circuito cortical, e destacam a importância da nutrição7 no início da vida na definição das preferências de sabor.
Veja também sobre "Neuroplasticidade cerebral", "As relações entre intestino e cérebro1" e "O que é uma alimentação saudável".
Fontes:
Science Advances, Vol. 9, Nº 2, em 11 de janeiro de 2023.
O Globo, notícia publicada em 13 de janeiro de 2023.