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Sucesso de ensaio clínico utilizando CRISPR para tratamento do câncer abre caminho para tratamentos personalizados

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Um pequeno ensaio clínico mostrou que os pesquisadores podem usar a técnica CRISPR de edição de genes para alterar as células1 imunológicas para que reconheçam proteínas2 mutantes específicas dos tumores de uma pessoa. Essas células1 podem então ser liberadas com segurança no corpo para encontrar e destruir seu alvo.

É a primeira tentativa de combinar duas áreas importantes na pesquisa do câncer3: edição de genes para criar tratamentos personalizados e engenharia de células1 imunológicas chamadas células1 T para melhor direcionar os tumores. A abordagem foi testada em 16 pessoas com tumores sólidos, inclusive na mama4 e no cólon5.

“É provavelmente a terapia mais complicada já tentada na clínica”, diz o co-autor do estudo, Antoni Ribas, pesquisador de câncer3 e médico da Universidade da Califórnia, em Los Angeles. “Estamos tentando fazer um exército com as células1 T do próprio paciente.”

Os resultados foram publicados na revista Nature e apresentados na reunião anual da Society for Immunotherapy of Cancer3 em Boston, Massachusetts.

Ribas e seus colegas começaram sequenciando o DNA de amostras de sangue6 e biópsias7 de tumores, para procurar por mutações encontradas no tumor8, mas não no sangue6. Isso tinha que ser feito para cada pessoa no ensaio clínico. “As mutações são diferentes em cada câncer”, diz Ribas. “E embora existam algumas mutações compartilhadas, elas são a minoria.”

Os pesquisadores então usaram algoritmos para prever qual das mutações provavelmente seria capaz de provocar uma resposta das células1 T, um tipo de glóbulo branco que patrulha o corpo em busca de células1 errantes. “Se as células1 T veem algo que não parece normal, elas o matam”, diz Stephanie Mandl, diretora científica da PACT Pharma em San Francisco, Califórnia, e principal autora do estudo. “Mas nos pacientes que vemos na clínica com câncer3, em algum momento o sistema imunológico9 meio que perdeu a batalha e o tumor8 cresceu.”

Após uma série de análises para confirmar suas descobertas, validar suas previsões e projetar proteínas2 chamadas receptores de células1 T capazes de reconhecer as mutações tumorais, os pesquisadores coletaram amostras de sangue6 de cada participante e usaram a edição do genoma CRISPR para inserir os genes que codificam esses receptores em suas células1 T. Cada participante teve que tomar medicação para reduzir o número de células1 imunológicas produzidas, e as células1 modificadas foram infundidas.

“Este é um processo de fabricação tremendamente complicado”, diz Joseph Fraietta, que projeta terapias de células1 T contra o câncer3 na Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia. Em alguns casos, todo o procedimento levou mais de um ano.

Leia sobre "Genética - conceitos básicos" e "Câncer3 - informações importantes".

Cada um dos 16 participantes recebeu células1 T modificadas com até três alvos diferentes. Posteriormente, as células1 editadas foram encontradas circulando em seu sangue6 e estavam presentes em concentrações mais altas próximas aos tumores do que as células1 não editadas antes do tratamento. Um mês após o tratamento, cinco dos participantes apresentaram doença estável, o que significa que seus tumores não cresceram. Apenas duas pessoas experimentaram efeitos colaterais10 que provavelmente foram devidos à atividade das células1 T editadas.

Embora a eficácia do tratamento tenha sido baixa, os pesquisadores usaram doses relativamente pequenas de células1 T para estabelecer a segurança da abordagem, diz Ribas. “Só precisamos bater mais forte da próxima vez”, diz ele.

E à medida que os pesquisadores desenvolvem maneiras de acelerar o desenvolvimento das terapias, as células1 modificadas passam menos tempo sendo cultivadas fora do corpo e podem ser mais ativas quando infundidas. “A tecnologia ficará cada vez melhor”, diz Fraietta.

Células1 T modificadas – chamadas de células1 CAR-T – foram aprovadas para o tratamento de alguns tipos de câncer3 de sangue6 e linfa11, mas os tumores sólidos representam um desafio particular. As células1 CAR-T são eficazes apenas contra proteínas2 que são expressas na superfície das células1 tumorais. Essas proteínas2 podem ser encontradas em muitos cânceres de sangue6 e linfa11, o que significa que não há necessidade de projetar novos receptores de células1 T para cada pessoa com câncer3.

Mas as proteínas2 de superfície comuns não foram encontradas em tumores sólidos, diz Fraietta. E os tumores sólidos fornecem barreiras físicas às células1 T, que devem circular pelo sangue6, viajar até o tumor8 e depois se infiltrar para matar as células1 cancerígenas. Às vezes, as células1 tumorais também suprimem as respostas imunes, liberando sinais12 químicos imunossupressores e usando o suprimento local de nutrientes para alimentar seu rápido crescimento.

“O ambiente ao redor de um tumor8 é como um esgoto”, diz Fraietta. “As células1 T tornam-se menos funcionais assim que atingem o local.”

Com esta prova inicial de conceito em mãos13, Mandl e seus colegas esperam poder projetar células1 T não apenas para reconhecer mutações do câncer3, mas também para serem mais ativas perto do tumor8. Mandl diz que existem várias maneiras possíveis de fortalecer as células1 T, por exemplo, removendo os receptores que respondem a sinais12 imunossupressores ou ajustando seu metabolismo14 para que possam encontrar mais facilmente uma fonte de energia no ambiente do tumor8.

Esses designs elaborados podem ser viáveis graças aos recentes avanços tecnológicos no uso do CRISPR para editar células1 T, diz Avery Posey, que estuda terapias celulares e genéticas para o câncer3 na Universidade da Pensilvânia. “Tornou-se incrivelmente eficiente”, diz ele. “Veremos meios muito sofisticados de engenharia de células1 imunológicas na próxima década.”

No artigo publicado, os pesquisadores descrevem a substituição de receptores de células1 T de precisão não viral para terapia celular personalizada.

Eles relatam que o receptor de células1 T (RCT) fornece a especificidade fina das células1 T para reconhecer mutações em células1 cancerígenas. Desenvolveu-se então uma abordagem de nível clínico baseada na edição de genoma de precisão não viral CRISPR/Cas9 para desativar simultaneamente dois genes de RCT endógenos, RCTα (TRAC) e RCTβ (TRBC), e inserir no locus TRAC as duas cadeias de um RCT específico de neoantígeno (neoRCT), isolado das próprias células1 T circulantes do paciente usando uma biblioteca personalizada de reagentes de captura solúveis de neoantígeno-HLA previstos.

Dezesseis pacientes com cânceres sólidos refratários15 receberam até três produtos celulares neoRCT-transgênicos distintos, cada um expressando um neoRCT específico do paciente, em um primeiro ensaio clínico de fase 1 de escalonamento de dose celular em humanos.

Um paciente apresentou síndrome16 de liberação de citocinas17 de grau 1 e outro apresentou encefalite18 de grau 3. Todos tiveram os efeitos colaterais10 esperados da quimioterapia19 linfodepletora.

Cinco pacientes tiveram doença estável e os outros 11 tiveram progressão da doença como melhor resposta à terapia.

Células1 T transgênicas NeoRCT foram detectadas em biópsias7 tumorais pós-infusão em frequências mais altas do que os RCTs nativos pré-infusão.

Este estudo demonstra a viabilidade de isolar e clonar múltiplos RCTs reconhecendo neoantígenos mutacionais, a supressão do RCT endógeno e ativação dos neoRCTs simultâneas usando edição de genoma de precisão não viral de etapa única, a fabricação de células1 T modificadas por neoRCT em grau clínico, a segurança de infundir até três produtos de células1 T neoRCT editadas por genes e a capacidade das células1 T transgênicas de trafegar para os tumores dos pacientes.

Veja também: "Conhecendo o sistema imunológico9" e "Distinção entre tumores benignos e malignos".

 

Fontes:
Nature, publicação em 10 de novembro de 2022.
Nature, notícia publicada em 10 de novembro de 2022.

 

NEWS.MED.BR, 2022. Sucesso de ensaio clínico utilizando CRISPR para tratamento do câncer abre caminho para tratamentos personalizados. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1430135/sucesso-de-ensaio-clinico-utilizando-crispr-para-tratamento-do-cancer-abre-caminho-para-tratamentos-personalizados.htm>. Acesso em: 29 mar. 2024.

Complementos

1 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
2 Proteínas: Um dos três principais nutrientes dos alimentos. Alimentos que fornecem proteína incluem carne vermelha, frango, peixe, queijos, leite, derivados do leite, ovos.
3 Câncer: Crescimento anormal de um tecido celular capaz de invadir outros órgãos localmente ou à distância (metástases).
4 Mama: Em humanos, uma das regiões pareadas na porção anterior do TÓRAX. As mamas consistem das GLÂNDULAS MAMÁRIAS, PELE, MÚSCULOS, TECIDO ADIPOSO e os TECIDOS CONJUNTIVOS.
5 Cólon:
6 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.
7 Biópsias: 1. Retirada de material celular ou de um fragmento de tecido de um ser vivo para determinação de um diagnóstico. 2. Exame histológico e histoquímico. 3. Por metonímia, é o próprio material retirado para exame.
8 Tumor: Termo que literalmente significa massa ou formação de tecido. É utilizado em geral para referir-se a uma formação neoplásica.
9 Sistema imunológico: Sistema de defesa do organismo contra infecções e outros ataques de micro-organismos que enfraquecem o nosso corpo.
10 Efeitos colaterais: 1. Ação não esperada de um medicamento. Ou seja, significa a ação sobre alguma parte do organismo diferente daquela que precisa ser tratada pelo medicamento. 2. Possível reação que pode ocorrer durante o uso do medicamento, podendo ser benéfica ou maléfica.
11 Linfa: 1. Pode referir-se à água, especialmente a límpida, no uso formal. 2. Líquido orgânico originado do sangue, composto de proteínas e lipídios, que circula nos vasos linfáticos e transporta glóbulos brancos, especialmente os linfócitos T. 3. Qualquer humor aquoso.
12 Sinais: São alterações percebidas ou medidas por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida.
13 Mãos: Articulação entre os ossos do metacarpo e as falanges.
14 Metabolismo: É o conjunto de transformações que as substâncias químicas sofrem no interior dos organismos vivos. São essas reações que permitem a uma célula ou um sistema transformar os alimentos em energia, que será ultilizada pelas células para que as mesmas se multipliquem, cresçam e movimentem-se. O metabolismo divide-se em duas etapas: catabolismo e anabolismo.
15 Refratários: 1. Que resiste à ação física ou química. 2. Que resiste às leis ou a princípios de autoridade. 3. No sentido figurado, que não se ressente de ataques ou ações exteriores; insensível, indiferente, resistente. 4. Imune a certas doenças.
16 Síndrome: Conjunto de sinais e sintomas que se encontram associados a uma entidade conhecida ou não.
17 Citocinas: Citoquina ou citocina é a designação genérica de certas substâncias segregadas por células do sistema imunitário que controlam as reações imunes do organismo.
18 Encefalite: Inflamação do tecido encefálico produzida por uma infecção viral, bacteriana ou micótica (fungos).
19 Quimioterapia: Método que utiliza compostos químicos, chamados quimioterápicos, no tratamento de doenças causadas por agentes biológicos. Quando aplicada ao câncer, a quimioterapia é chamada de quimioterapia antineoplásica ou quimioterapia antiblástica.
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