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Atomoxetina pode ser reaproveitada para neuroproteção no comprometimento cognitivo leve

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Aumentar os níveis do neurotransmissor norepinefrina com atomoxetina, um medicamento para TDAH reaproveitado, pode ser capaz de parar o progresso da neurodegeneração em pessoas com sinais1 precoces da doença de Alzheimer2, sugere um estudo realizado no Emory Brain Health Center e publicado na revista científica Brain.

Este é um dos primeiros estudos clínicos publicados a mostrar um efeito significativo na proteína Tau, que forma emaranhados neurofibrilares3 no cérebro4 na doença de Alzheimer2. Em 39 pessoas com comprometimento cognitivo5 leve (CGL), seis meses de tratamento com atomoxetina reduziram os níveis de Tau no líquido cefalorraquidiano6 (LCR) dos participantes do estudo e normalizaram outros marcadores de neuroinflamação.

O estudo aponta para uma estratégia alternativa de medicamentos contra a doença de Alzheimer2 que não dependem de anticorpos7 contra a Tau ou outra proteína relacionada à doença de Alzheimer2, a beta-amiloide. Um recente medicamento aprovado pela FDA, o aducanumabe, tem como alvo a beta-amiloide, mas seus benefícios são controversos entre os especialistas da área.

Estudos maiores e mais longos de atomoxetina no CGL e no Alzheimer8 são necessários, concluíram os pesquisadores do Emory. O medicamento não teve um efeito significativo na cognição9 ou outros resultados clínicos, o que era esperado, dada a duração relativamente curta do estudo.

“Uma das principais vantagens da atomoxetina é que ela já é aprovada pela FDA e conhecida por ser segura”, diz o autor sênior10 David Weinshenker, PhD, professor de genética humana na Emory University School of Medicine. “Os efeitos benéficos da atomoxetina na atividade da rede cerebral e nos marcadores de inflamação11 no LCR trazem otimismo”.

“Estamos encorajados pelos resultados do estudo”, diz o principal autor Allan Levey, MD, PhD, professor de neurologia da Emory University School of Medicine. “O tratamento foi seguro, bem tolerado em indivíduos com comprometimento cognitivo5 leve e modulou o neurotransmissor cerebral norepinefrina, exatamente como hipotetizamos. Além disso, nossos estudos exploratórios mostram resultados promissores em biomarcadores de imagem e do LCR que precisam ser acompanhados em estudos maiores com maior período de tratamento.”

Leia sobre "Neurotransmissores - quais são e como agem", "Mal de Alzheimer8" e "Distúrbio neurocognitivo".

Os pesquisadores da Emory escolheram a atomoxetina, de nome comercial Strattera, com o objetivo de aumentar os níveis cerebrais de norepinefrina, que eles achavam que poderia estabilizar uma região vulnerável do cérebro4 contra a neurodegeneração relacionada ao Alzheimer8.

O locus coeruleus é o local inicial da neuropatologia da doença de Alzheimer2, com a Tau hiperfosforilada aparecendo no início da idade adulta seguida de neurodegeneração na demência12. A disfunção do locus coeruleus contribui para a patobiologia do Alzheimer8 em modelos experimentais, que podem ser resgatados aumentando a transmissão de norepinefrina.

Para testar o aumento de norepinefrina como uma potencial terapia modificadora da doença, foi realizado um estudo de fase II, orientado por biomarcadores, da atomoxetina, um inibidor do transportador de norepinefrina clinicamente aprovado, em indivíduos com comprometimento cognitivo5 leve devido à doença de Alzheimer2.

O estudo cruzado, duplo-cego, de centro único, de 12 meses envolveu trinta e nove participantes com comprometimento cognitivo5 leve e evidência de biomarcadores da doença de Alzheimer2, que foram randomizados para tratamento com atomoxetina ou placebo13.

As avaliações foram coletadas na linha de base, aos 6 meses (crossover) e aos 12 meses (completo). O engajamento do alvo foi avaliado por medidas de norepinefrina e metabólitos14 no LCR e no plasma15.

Os resultados primários pré-especificados foram os níveis de IL1α e TECK no LCR. Os resultados secundários/exploratórios incluíram medidas clínicas, análises do LCR de amiloide-β42, Tau e pTau181, proteômica16 de espectrometria de massa e citocinas17 direcionadas baseadas em imunidade18 relacionadas à inflamação11, bem como imagens cerebrais com ressonância magnética19 e PET com fluorodesoxiglicose.

As medidas demográficas e clínicas basais foram semelhantes entre os braços do estudo. As taxas de abandono foram de 5,1% para atomoxetina e 2,7% para placebo13, sem diferenças significativas nos eventos adversos.

A atomoxetina aumentou fortemente os níveis de norepinefrina plasmáticos e no LCR. Os níveis de IL1α e TECK não foram mensuráveis na maioria das amostras. Não houve efeitos significativos do tratamento na cognição9 e nos resultados clínicos, como esperado, dada a curta duração do estudo.

A atomoxetina foi associada a uma redução significativa na Tau e pTau181 no LCR em comparação com placebo13, mas não foi associada a alteração na amiloide-β42. O tratamento com atomoxetina também alterou significativamente a abundância de painéis de proteínas20 no LCR ligados a fisiopatologias cerebrais, incluindo função sináptica, metabolismo21 cerebral e imunidade18 glial, bem como proteínas20 CDCP1, CD244, TWEAK e osteoprotegerina relacionadas à inflamação11.

O tratamento também foi associado com fator neurotrófico derivado do cérebro4 significativamente aumentado e triglicerídeos reduzidos no plasma15. A ressonância magnética19 funcional do estado de repouso mostrou conectividade inter-rede significativamente aumentada devido à atomoxetina entre a ínsula e o hipocampo22.

O PET com fluorodesoxiglicose mostrou aumento da captação associada à atomoxetina no hipocampo22, giro para-hipocampal, polo temporal médio, giro temporal inferior e giro fusiforme, com efeitos sendo observados 6 meses após o tratamento.

Em resumo, o tratamento com atomoxetina foi seguro, bem tolerado e atingiu o engajamento do alvo na doença de Alzheimer2 prodrômica. A atomoxetina reduziu significativamente a Tau e a pTau do líquido cefalorraquidiano6, normalizou os painéis de biomarcadores de proteínas20 do líquido cefalorraquidiano6 ligados à função sináptica, ao metabolismo21 cerebral e à imunidade18 glial, e aumentou a atividade cerebral e o metabolismo21 nos principais circuitos do lobo temporal23.

Um estudo mais aprofundado da atomoxetina é necessário para reaproveitar o medicamento para retardar a progressão da doença de Alzheimer2.

Veja também sobre "Conhecendo as doenças degenerativas24" e "Líquor25 - o que pode revelar sua análise?"

 

Fontes:
Brain, Vol. 145, Nº6, em junho de 2022.
EurekAlert!, notícia publicada em dezembro de 2021.

 

NEWS.MED.BR, 2022. Atomoxetina pode ser reaproveitada para neuroproteção no comprometimento cognitivo leve. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1424530/atomoxetina-pode-ser-reaproveitada-para-neuroprotecao-no-comprometimento-cognitivo-leve.htm>. Acesso em: 25 abr. 2024.

Complementos

1 Sinais: São alterações percebidas ou medidas por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida.
2 Doença de Alzheimer: É uma doença progressiva, de causa e tratamentos ainda desconhecidos que acomete preferencialmente as pessoas idosas. É uma forma de demência. No início há pequenos esquecimentos, vistos pelos familiares como parte do processo normal de envelhecimento, que se vão agravando gradualmente. Os pacientes tornam-se confusos e por vezes agressivos, passando a apresentar alterações da personalidade, com distúrbios de conduta e acabam por não reconhecer os próprios familiares e até a si mesmos quando colocados frente a um espelho. Tornam-se cada vez mais dependentes de terceiros, iniciam-se as dificuldades de locomoção, a comunicação inviabiliza-se e passam a necessitar de cuidados e supervisão integral, até mesmo para as atividades elementares como alimentação, higiene, vestuário, etc..
3 Emaranhados Neurofibrilares: Estruturas anormais (localizadas em várias partes do cérebro) compostas por arranjos densos de filamentos helicoidais pareados (neurofilamentos e microtúbulos). Estes empilhamentos helicoidais (duplas hélices) de subunidades transversas, apresentam-se em filamentos (semelhantes a fitas retorcidas para a esquerda) que provavelmente incorporam as seguintes proteínas
4 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
5 Cognitivo: 1. Relativo ao conhecimento, à cognição. 2. Relativo ao processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio. 3. Diz-se de estados e processos relativos à identificação de um saber dedutível e à resolução de tarefas e problemas determinados. 4. Diz-se dos princípios classificatórios derivados de constatações, percepções e/ou ações que norteiam a passagem das representações simbólicas à experiência, e também da organização hierárquica e da utilização no pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios.
6 Líquido cefalorraquidiano: Líquido cefalorraquidiano (LCR), também conhecido como líquor ou fluido cérebro espinhal, é definido como um fluido corporal estéril, incolor, encontrado no espaço subaracnoideo no cérebro e na medula espinhal (entre as meninges aracnoide e pia-máter). Caracteriza-se por ser uma solução salina pura, com baixo teor de proteínas e células, atuando como um amortecedor para o córtex cerebral e a medula espinhal. Possui também a função de fornecer nutrientes para o tecido nervoso e remover resíduos metabólicos do mesmo. É sintetizado pelos plexos coroidais, epitélio ventricular e espaço subaracnoideo em uma taxa de aproximadamente 20 mL/hora. Em recém-nascidos, este líquido é encontrado em um volume que varia entre 10 a 60 mL, enquanto que no adulto fica entre 100 a 150 mL.
7 Anticorpos: Proteínas produzidas pelo organismo para se proteger de substâncias estranhas como bactérias ou vírus. As pessoas que têm diabetes tipo 1 produzem anticorpos que destroem as células beta produtoras de insulina do próprio organismo.
8 Alzheimer: Doença degenerativa crônica que produz uma deterioração insidiosa e progressiva das funções intelectuais superiores. É uma das causas mais freqüentes de demência. Geralmente começa a partir dos 50 anos de idade e tem incidência similar entre homens e mulheres.
9 Cognição: É o conjunto dos processos mentais usados no pensamento, percepção, classificação, reconhecimento e compreensão para o julgamento através do raciocínio para o aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas.
10 Sênior: 1. Que é o mais velho. 2. Diz-se de desportistas que já ganharam primeiros prêmios: um piloto sênior. 3. Diz-se de profissionais experientes que já exercem, há algum tempo, determinada atividade.
11 Inflamação: Conjunto de processos que se desenvolvem em um tecido em resposta a uma agressão externa. Incluem fenômenos vasculares como vasodilatação, edema, desencadeamento da resposta imunológica, ativação do sistema de coagulação, etc.Quando se produz em um tecido superficial (pele, tecido celular subcutâneo) pode apresentar tumefação, aumento da temperatura local, coloração avermelhada e dor (tétrade de Celso, o cientista que primeiro descreveu as características clínicas da inflamação).
12 Demência: Deterioração irreversível e crônica das funções intelectuais de uma pessoa.
13 Placebo: Preparação neutra quanto a efeitos farmacológicos, ministrada em substituição a um medicamento, com a finalidade de suscitar ou controlar as reações, geralmente de natureza psicológica, que acompanham tal procedimento terapêutico.
14 Metabólitos: Qualquer composto intermediário das reações enzimáticas do metabolismo.
15 Plasma: Parte que resta do SANGUE, depois que as CÉLULAS SANGÜÍNEAS são removidas por CENTRIFUGAÇÃO (sem COAGULAÇÃO SANGÜÍNEA prévia).
16 Proteômica: Ciência que estuda o conjunto de proteínas e suas isoformas contidas em amostras biológicas, seja esta um organismo, um tecido, uma organela celular ou uma célula, sempre determinadas pelo genoma.
17 Citocinas: Citoquina ou citocina é a designação genérica de certas substâncias segregadas por células do sistema imunitário que controlam as reações imunes do organismo.
18 Imunidade: Capacidade que um indivíduo tem de defender-se perante uma agressão bacteriana, viral ou perante qualquer tecido anormal (tumores, enxertos, etc.).
19 Ressonância magnética: Exame que fornece imagens em alta definição dos órgãos internos do corpo através da utilização de um campo magnético.
20 Proteínas: Um dos três principais nutrientes dos alimentos. Alimentos que fornecem proteína incluem carne vermelha, frango, peixe, queijos, leite, derivados do leite, ovos.
21 Metabolismo: É o conjunto de transformações que as substâncias químicas sofrem no interior dos organismos vivos. São essas reações que permitem a uma célula ou um sistema transformar os alimentos em energia, que será ultilizada pelas células para que as mesmas se multipliquem, cresçam e movimentem-se. O metabolismo divide-se em duas etapas: catabolismo e anabolismo.
22 Hipocampo: Elevação curva da substância cinzenta, que se estende ao longo de todo o assoalho no corno temporal do ventrículo lateral (Tradução livre de Córtex Entorrinal; Via Perfurante;
23 Lobo temporal:
24 Degenerativas: Relativas a ou que provocam degeneração.
25 Líquor: Líquido cefalorraquidiano (LCR), também conhecido como líquor ou fluido cérebro espinhal, é definido como um fluido corporal estéril, incolor, encontrado no espaço subaracnoideo no cérebro e na medula espinhal (entre as meninges aracnoide e pia-máter). Caracteriza-se por ser uma solução salina pura, com baixo teor de proteínas e células, atuando como um amortecedor para o córtex cerebral e a medula espinhal. Possui também a função de fornecer nutrientes para o tecido nervoso e remover resíduos metabólicos do mesmo. É sintetizado pelos plexos coroidais, epitélio ventricular e espaço subaracnoideo em uma taxa de aproximadamente 20 mL/hora. Em recém-nascidos, este líquido é encontrado em um volume que varia entre 10 a 60 mL, enquanto que no adulto fica entre 100 a 150 mL.
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