Gostou do artigo? Compartilhe!

Consumo de apenas 4 bebidas alcoólicas semanais foi associado a mudanças no cérebro, elevando o ferro cerebral e contribuindo para efeitos cognitivos adversos

A+ A- Alterar tamanho da letra
Avalie esta notícia

O consumo moderado de álcool foi associado a maior nível de ferro cerebral e pior função cognitiva1, mostrou um estudo observacional publicado na revista PLoS Medicine.

Entre quase 21.000 pessoas na coorte2 U.K. Biobank, a ingestão de álcool acima de 7 unidades semanais (56 g, ou cerca de quatro bebidas padrão por semana nos EUA) foi associada a marcadores de ferro cerebral mais elevado em várias regiões dos gânglios3 basais, de acordo com Anya Topiwala, PhD, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, e co-autores.

Marcadores de ferro cerebral mais elevado, por sua vez, foram associados a pontuações mais baixas em testes de função executiva4, inteligência fluida e velocidade de reação.

“Este é o primeiro estudo, até onde sabemos, demonstrando ferro cerebral mais elevado em bebedores moderados”, disse Topiwala ao MedPage Today. “As descobertas oferecem um caminho potencial pelo qual o álcool pode causar declínio cognitivo5”.

“Estabelecer o caminho é importante, pois pode oferecer pistas sobre como podemos intervir para reduzir os danos”, disse Topiwala. “Para o ferro, na verdade temos medicamentos – quelantes de ferro – que podem reduzir os níveis”.

As análises sugerem que as mudanças no acúmulo de ferro podem contribuir para os efeitos adversos na estrutura cerebral e no desempenho cognitivo6 observados em pessoas que consomem álcool em quantidades moderadas ou maiores, comentou Henry Kranzler, MD, da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, que não estava envolvido com a pesquisa.

“As descobertas, no entanto, são amplamente limitadas aos gânglios3 basais, coleções de células7 cerebrais envolvidas no controle motor, funções executivas e emoções”, disse Kranzler ao MedPage Today.

Leia sobre "Como manter mais baixo o risco do consumo de bebidas alcoólicas" e "Ferritina - como estão suas reservas de ferro".

No artigo publicado, os pesquisadores relatam como a deposição de ferro no cérebro8 tem sido associada a várias condições neurodegenerativas e relatada na dependência de álcool. Porém, se o acúmulo de ferro ocorre em bebedores moderados é desconhecido.

Os objetivos, portanto, foram investigar evidências em apoio de relações causais entre o consumo de álcool e os níveis de ferro no cérebro8 e examinar se o ferro cerebral mais elevado representa um caminho potencial para déficits cognitivos9 relacionados ao álcool.

Associações observacionais entre marcadores de ferro cerebral e consumo de álcool (n = 20.729 participantes do U.K. Biobank) foram comparadas com associações com ingestão de álcool geneticamente prevista e transtorno por uso de álcool a partir de randomização mendeliana (RM) de 2 amostras.

A ingestão de álcool foi autorrelatada por meio de um questionário na linha de base (2006 a 2010). Participantes com dados completos foram incluídos. A ressonância magnética10 ponderada pela suscetibilidade de múltiplos órgãos (9,60 ± 1,10 anos após a linha de base) foi usada para determinar o teor de ferro de cada região do cérebro8 (mapeamento quantitativo de suscetibilidade [MQS] e T2*) e de tecidos hepáticos (T2*), um marcador de ferro sistêmico11.

Os principais desfechos foram suscetibilidade (χ) e T2*, medidas utilizadas como índices de deposição de ferro. As regiões do cérebro8 de interesse incluíram putâmen, núcleo caudado12, hipocampo13, tálamo14 e substância negra. Caminhos potenciais para o acúmulo de ferro no cérebro8 relacionado ao álcool através de estoques sistêmicos15 elevados de ferro (fígado16) foram explorados na análise de mediação causal.

A cognição17 foi avaliada no exame e no acompanhamento online (5,82 ± 0,86 anos após a linha de base). A função executiva4 foi avaliada com o teste de trilha, inteligência fluida com tarefas de quebra-cabeça18 e tempo de reação por uma tarefa baseada no jogo de cartas “Snap”.

A média de idade foi de 54,8 ± 7,4 anos e 48,6% eram do sexo feminino. O consumo semanal de álcool foi de 17,7 ± 15,9 unidades e os nunca bebedores representaram 2,7% da amostra.

O consumo de álcool foi associado a marcadores de maior nível de ferro (χ) no putâmen (β = 0,08 desvio padrão [DP] [intervalo de confiança {IC} 95% 0,06 a 0,09], p <0,001), no núcleo caudado12 (β = 0,05 [0,04 a 0,07], p <0,001) e na substância negra (β = 0,03 [0,02 a 0,05], p <0,001) e menor nível de ferro no tálamo14 (β = -0,06 [-0,07 a -0,04], p <0,001).

Análises baseadas em quintil19 encontraram essas associações naqueles que consumiam >7 unidades (56 g) de álcool semanalmente. As análises de RM forneceram evidências fracas de que essas relações são causais.

Bebidas alcoólicas geneticamente preditas semanais foram positivamente associadas à suscetibilidade do putâmen e do hipocampo13; no entanto, essas associações não sobreviveram a múltiplas correções de testes.

Observou-se fraca evidência de uma relação causal entre transtorno por uso de álcool geneticamente previsto e maior suscetibilidade do putâmen; no entanto, isso não foi robusto para correção de comparações múltiplas. O transtorno por uso de álcool geneticamente previsto foi associado ao ferro sérico e à saturação da transferrina.

Ferro hepático elevado foi observado apenas em >11 unidades (88 g) de álcool semanalmente. Níveis sistêmicos15 de ferro mediaram parcialmente as associações de ingestão de álcool com ferro cerebral.

Marcadores de ferro mais elevado nos gânglios3 basais foram associados a função executiva4 mais lenta, inteligência fluida mais baixa e tempos de reação mais lentos.

As principais limitações do estudo incluem que χ e T2* podem refletir alterações na mielina20 e no ferro; o uso de álcool foi autorrelatado; e as estimativas de RM podem ser influenciadas pela pleiotropia genética.

Até onde se sabe, este estudo representa a maior investigação sobre o consumo moderado de álcool e a homeostase do ferro até o momento. O consumo de álcool acima de 7 unidades semanais foi associado a maior nível de ferro cerebral. O acúmulo de ferro representa um mecanismo potencial para o declínio cognitivo5 relacionado ao álcool.

Veja também sobre "Distúrbio neurocognitivo" e "Envelhecimento cerebral normal ou patológico".

 

Fontes:
PLoS Medicine, publicação em 14 de julho de 2022.
MedPage Today, notícia publicada em 14 de julho de 2022.

 

NEWS.MED.BR, 2022. Consumo de apenas 4 bebidas alcoólicas semanais foi associado a mudanças no cérebro, elevando o ferro cerebral e contribuindo para efeitos cognitivos adversos. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1421505/consumo-de-apenas-4-bebidas-alcoolicas-semanais-foi-associado-a-mudancas-no-cerebro-elevando-o-ferro-cerebral-e-contribuindo-para-efeitos-cognitivos-adversos.htm>. Acesso em: 18 nov. 2024.

Complementos

1 Cognitiva: 1. Relativa ao conhecimento, à cognição. 2. Relativa ao processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio. 3. Diz-se de estados e processos relativos à identificação de um saber dedutível e à resolução de tarefas e problemas determinados. 4. Diz-se dos princípios classificatórios derivados de constatações, percepções e/ou ações que norteiam a passagem das representações simbólicas à experiência, e também da organização hierárquica e da utilização no pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios.
2 Coorte: Grupo de indivíduos que têm algo em comum ao serem reunidos e que são observados por um determinado período de tempo para que se possa avaliar o que ocorre com eles. É importante que todos os indivíduos sejam observados por todo o período de seguimento, já que informações de uma coorte incompleta podem distorcer o verdadeiro estado das coisas. Por outro lado, o período de tempo em que os indivíduos serão observados deve ser significativo na história natural da doença em questão, para que haja tempo suficiente do risco se manifestar.
3 Gânglios: 1. Na anatomia geral, são corpos arredondados de tamanho e estrutura variáveis; nodos, nódulos. 2. Em patologia, são pequenos tumores císticos localizados em uma bainha tendinosa ou em uma cápsula articular, especialmente nas mãos, punhos e pés.
4 Função executiva: Também conhecida como controle cognitivo ou sistema supervisor atencional é um conceito neuropsicológico que se aplica ao processo cognitivo responsável pelo planejamento e execução de atividades, que podem incluir, por exemplo, a iniciação de tarefas, memória de trabalho, atenção sustentada e inibição de impulsos.
5 Cognitivo: 1. Relativo ao conhecimento, à cognição. 2. Relativo ao processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio. 3. Diz-se de estados e processos relativos à identificação de um saber dedutível e à resolução de tarefas e problemas determinados. 4. Diz-se dos princípios classificatórios derivados de constatações, percepções e/ou ações que norteiam a passagem das representações simbólicas à experiência, e também da organização hierárquica e da utilização no pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios.
6 Desempenho cognitivo: Desempenho dos processos de aprendizagem e de aquisição de conhecimento através da percepção.
7 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
8 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
9 Cognitivos: 1. Relativo ao conhecimento, à cognição. 2. Relativo ao processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio. 3. Diz-se de estados e processos relativos à identificação de um saber dedutível e à resolução de tarefas e problemas determinados. 4. Diz-se dos princípios classificatórios derivados de constatações, percepções e/ou ações que norteiam a passagem das representações simbólicas à experiência, e também da organização hierárquica e da utilização no pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios.
10 Ressonância magnética: Exame que fornece imagens em alta definição dos órgãos internos do corpo através da utilização de um campo magnético.
11 Sistêmico: 1. Relativo a sistema ou a sistemática. 2. Relativo à visão conspectiva, estrutural de um sistema; que se refere ou segue um sistema em seu conjunto. 3. Disposto de modo ordenado, metódico, coerente. 4. Em medicina, é o que envolve o organismo como um todo ou em grande parte.
12 Núcleo Caudado: Massa cinzenta, alongada, do neoestriado que se localiza adjacentemente ao ventrículo lateral do cérebro.
13 Hipocampo: Elevação curva da substância cinzenta, que se estende ao longo de todo o assoalho no corno temporal do ventrículo lateral (Tradução livre de Córtex Entorrinal; Via Perfurante;
14 Tálamo: Corpos pareados (contendo principalmente substância cinzenta), que formam uma parte da parede lateral do terceiro ventrículo do cérebro. O tálamo é a maior porção do diencéfalo, sendo geralmente dividido em agregados celulares (conhecidos como grupos nucleares).
15 Sistêmicos: 1. Relativo a sistema ou a sistemática. 2. Relativo à visão conspectiva, estrutural de um sistema; que se refere ou segue um sistema em seu conjunto. 3. Disposto de modo ordenado, metódico, coerente. 4. Em medicina, é o que envolve o organismo como um todo ou em grande parte.
16 Fígado: Órgão que transforma alimento em energia, remove álcool e toxinas do sangue e fabrica bile. A bile, produzida pelo fígado, é importante na digestão, especialmente das gorduras. Após secretada pelas células hepáticas ela é recolhida por canalículos progressivamente maiores que a levam para dois canais que se juntam na saída do fígado e a conduzem intermitentemente até o duodeno, que é a primeira porção do intestino delgado. Com esse canal biliar comum, chamado ducto hepático, comunica-se a vesícula biliar através de um canal sinuoso, chamado ducto cístico. Quando recebe esse canal de drenagem da vesícula biliar, o canal hepático comum muda de nome para colédoco. Este, ao entrar na parede do duodeno, tem um músculo circular, designado esfíncter de Oddi, que controla o seu esvaziamento para o intestino.
17 Cognição: É o conjunto dos processos mentais usados no pensamento, percepção, classificação, reconhecimento e compreensão para o julgamento através do raciocínio para o aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas.
18 Cabeça:
19 Quintil: 1. Em estatística, diz-se de ou qualquer separatriz que divide a área de uma distribuição de frequência em cinco domínios de áreas iguais. O termo quintil também é utilizado, por vezes, para designar uma das quintas partes da amostra ordenada. 2. Em astronomia, é o aspecto de dois planetas distantes 72° entre si (distância angular correspondente a um quinto do Zodíaco). 3. Em matemática, é o mesmo que quíntico. A palavra quintil deriva do latim quintus, que significa quinto.
20 Mielina: Bainha, rica em lipídeos e proteínas, que reveste os AXÔNIOS, tanto no sistema nervoso central como no periférico. É um isolante elétrico que permite a condução dos impulsos nervosos de modo mais rápido e energeticamente mais eficiente. É formada pelas membranas de células da glia (CÉLULAS DE SCHWANN no sistema nervoso periférico e OLIGODENDROGLIA no sistema nervoso central). A deterioração desta bainha nas DOENÇAS DESMIELINIZANTES é um sério problema clínico.
Gostou do artigo? Compartilhe!