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Solidão pode triplicar o risco de demência e, mesmo sem demência, sentimentos de solidão foram ligados a alterações cerebrais

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A incidência1 de demência2 triplicou em idosos solitários que, de outra forma, teriam um risco relativamente baixo com base na idade e nos genes, pesquisadores descobriram.

Pessoas idosas solitárias com menos de 80 anos sem um alelo APOE43 tiveram um risco três vezes maior de demência2 ao longo de 10 anos do que pessoas semelhantes que não eram solitárias, relatou Joel Salinas, MD, da NYU Grossman School of Medicine, em Nova York, e colegas.

Independentemente da idade ou do status da APOE4, idosos solitários apresentaram maior risco de demência2 em 10 anos em comparação com aqueles que não eram solitários.

Entre as pessoas sem demência2, a solidão foi associada a uma pior função executiva4, menor volume cerebral total e maior lesão5 da substância branca, escreveram os pesquisadores no estudo publicado na revista Neurology.

O estudo fornece evidências de classe I de que a solidão aumenta o risco de 10 anos de desenvolver demência2. “Isso amplia as implicações para a saúde6 da população das tendências observadas na crescente prevalência7 da solidão”, disse Salinas.

Leia sobre "Sentimentos de solidão", "Demência2" e "Mal de Alzheimer8".

“Essas descobertas não apenas estabelecem a ligação entre a solidão e o risco de demência2 com muito mais firmeza, mas também têm implicações em como pensamos sobre os fatores de risco para demência2, a relevância da triagem básica da solidão na avaliação de indivíduos com maior risco e como existe um potencial para subestimar esse risco em adultos solitários, especialmente se eles não tiverem nenhum fator de risco9 genético conhecido, como o alelo10 APOE4”, disse Salinas ao MedPage Today.

“Estudos futuros precisam esclarecer os caminhos biológicos subjacentes envolvidos, mas há muito que os indivíduos podem fazer agora para ajudar a lidar com a solidão em si mesmos, em seus amigos e familiares e em suas comunidades”, acrescentou.

Os riscos para a saúde6 associados ao isolamento social e à solidão passaram para o primeiro plano durante a pandemia11 da COVID-19, mas a biologia da solidão tem sido investigada há muitos anos.

“O corpo trata a solidão como um estado de ameaça e responde ativando sistemas defensivos como o sistema nervoso12 simpático13, que por sua vez estimula o sistema imunológico14 a aumentar a inflamação”, observou Steve Cole, PhD, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, que não faz parte do estudo. “Esse é um caminho pelo qual o isolamento social pode acelerar a progressão da doença de Alzheimer15 e outras doenças crônicas relacionadas à inflamação”, disse ele ao MedPage Today.

“No entanto, é difícil esclarecer os mecanismos envolvidos em estudos correlacionais como este”, destacou Cole. “Também sabemos que a inflamação16 altera a função cerebral e a motivação social, aumentando a possibilidade de que os processos biológicos iniciais relacionados ao Alzheimer8 possam realmente promover a solidão e o isolamento social”.

“Independentemente das direções causais envolvidas, este estudo contribui para o crescente corpo de evidências de que o processo social e a saúde6 cognitiva17 estão profundamente ligados e podem abrir novas oportunidades para manter a saúde6 cognitiva17 à medida que envelhecemos”, disse Cole.

No artigo publicado, os pesquisadores contextualizam como a solidão é comum e sua prevalência7 está aumentando. A relação da solidão com a demência2 subsequente e o curso pré-clínico inicial da doença de Alzheimer15 e demência2 relacionada (DADR) permanece obscura. Assim, o objetivo primário do estudo foi determinar a associação da solidão com o risco de demência2 por todas as causas em 10 anos e marcadores de imagem cognitivos18 e neuroanatômicos precoces de vulnerabilidade para DADR.

Foi realizada uma análise retrospectiva de dados coletados prospectivamente das coortes do Estudo de Framingham de base populacional (09/09/1948-31/12/2018). Os participantes elegíveis tiveram a solidão avaliada e estavam livres de demência2 no início do estudo. A solidão foi registrada usando a Escala de Depressão do Centro de Estudos Epidemiológicos; definida conservadoramente como sentir-se solitário ≥3 dias na última semana.

Os principais resultados foram demência2 incidente19 ao longo de um período de 10 anos, cognição20 e volumes cerebrais de ressonância magnética21 e lesão5 de substância branca.

Dos 2.308 participantes (idade média, 73 [DP, 9] anos; 56% mulheres) que preencheram a elegibilidade na amostra de demência2, 14% (329/2.308) desenvolveram demência2; 6% (144/2.308) eram solitários.

Adultos solitários (versus não solitários) apresentaram maior risco de demência2 em 10 anos (taxa de risco ajustada por idade, sexo e educação, 1,54; IC 95%, 1,06-2,24). Participantes solitários com menos de 80 anos sem alelos22 APOE ε4 tiveram um risco três vezes maior (taxa de risco ajustada, 3,03; IC 95%, 1,63-5,62).

Entre 1.875 pessoas sem demência2 que preencheram a elegibilidade na amostra de cognição20 (idade média, 62 [DP, 9] anos; 54% mulheres), a solidão foi associada a pior função executiva4, menor volume cerebral total e maior lesão5 da substância branca.

Ao longo de 10 anos de vigilância clínica rigorosa da demência2 neste estudo de coorte23, a solidão foi associada ao aumento do risco de demência2; isso triplicou em adultos cujo risco inicial seria relativamente baixo com base na idade e risco genético, representando a maioria da população dos EUA. A solidão também foi associada a piores marcadores neurocognitivos de vulnerabilidade para doença de Alzheimer15 e demência2 relacionada, sugerindo um papel patogênico24 precoce.

Esses achados podem ter importantes implicações clínicas e de saúde6 pública, dadas as tendências observadas de solidão.

Este estudo fornece evidências de classe I de que a solidão aumenta o risco de 10 anos de desenvolver demência2.

Veja também sobre "Distúrbio neurocognitivo", "Envelhecimento cerebral normal ou patológico" e "Isolamento social".

 

Fontes:
Neurology, publicação em 07 de fevereiro de 2022.
MedPage Today, notícia publicada em 09 de fevereiro de 2022.

 

NEWS.MED.BR, 2022. Solidão pode triplicar o risco de demência e, mesmo sem demência, sentimentos de solidão foram ligados a alterações cerebrais. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1410565/solidao-pode-triplicar-o-risco-de-demencia-e-mesmo-sem-demencia-sentimentos-de-solidao-foram-ligados-a-alteracoes-cerebrais.htm>. Acesso em: 24 abr. 2024.

Complementos

1 Incidência: Medida da freqüência em que uma doença ocorre. Número de casos novos de uma doença em um certo grupo de pessoas por um certo período de tempo.
2 Demência: Deterioração irreversível e crônica das funções intelectuais de uma pessoa.
3 Alelo APOE4: Os polimorfismos no gene da apolipoproteína E (APOE) são importantes fatores de risco para o desenvolvimento da doença de Alzheimer (DA). Em humanos, existem três alelos principais do gene APOE, decorrentes de apenas duas alterações no DNA, chamados de épsilon2, épsilon3 e épsilon4.
4 Função executiva: Também conhecida como controle cognitivo ou sistema supervisor atencional é um conceito neuropsicológico que se aplica ao processo cognitivo responsável pelo planejamento e execução de atividades, que podem incluir, por exemplo, a iniciação de tarefas, memória de trabalho, atenção sustentada e inibição de impulsos.
5 Lesão: 1. Ato ou efeito de lesar (-se). 2. Em medicina, ferimento ou traumatismo. 3. Em patologia, qualquer alteração patológica ou traumática de um tecido, especialmente quando acarreta perda de função de uma parte do corpo. Ou também, um dos pontos de manifestação de uma doença sistêmica. 4. Em termos jurídicos, prejuízo sofrido por uma das partes contratantes que dá mais do que recebe, em virtude de erros de apreciação ou devido a elementos circunstanciais. Ou também, em direito penal, ofensa, dano à integridade física de alguém.
6 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
7 Prevalência: Número de pessoas em determinado grupo ou população que são portadores de uma doença. Número de casos novos e antigos desta doença.
8 Alzheimer: Doença degenerativa crônica que produz uma deterioração insidiosa e progressiva das funções intelectuais superiores. É uma das causas mais freqüentes de demência. Geralmente começa a partir dos 50 anos de idade e tem incidência similar entre homens e mulheres.
9 Fator de risco: Qualquer coisa que aumente a chance de uma pessoa desenvolver uma doença.
10 Alelo: 1. Que ocupa os mesmos loci (locais) nos cromossomos (diz-se de gene). 2. Em genética, é cada uma das formas que um gene pode apresentar e que determina características diferentes.
11 Pandemia: É uma epidemia de doença infecciosa que se espalha por um ou mais continentes ou por todo o mundo, causando inúmeras mortes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a pandemia pode se iniciar com o aparecimento de uma nova doença na população, quando o agente infecta os humanos, causando doença séria ou quando o agente dissemina facilmente e sustentavelmente entre humanos. Epidemia global.
12 Sistema nervoso: O sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC) e o sistema nervoso periférico (SNP). O SNC é formado pelo encéfalo e pela medula espinhal e a porção periférica está constituída pelos nervos cranianos e espinhais, pelos gânglios e pelas terminações nervosas.
13 Simpático: 1. Relativo à simpatia. 2. Que agrada aos sentidos; aprazível, atraente. 3. Em fisiologia, diz-se da parte do sistema nervoso vegetativo que põe o corpo em estado de alerta e o prepara para a ação.
14 Sistema imunológico: Sistema de defesa do organismo contra infecções e outros ataques de micro-organismos que enfraquecem o nosso corpo.
15 Doença de Alzheimer: É uma doença progressiva, de causa e tratamentos ainda desconhecidos que acomete preferencialmente as pessoas idosas. É uma forma de demência. No início há pequenos esquecimentos, vistos pelos familiares como parte do processo normal de envelhecimento, que se vão agravando gradualmente. Os pacientes tornam-se confusos e por vezes agressivos, passando a apresentar alterações da personalidade, com distúrbios de conduta e acabam por não reconhecer os próprios familiares e até a si mesmos quando colocados frente a um espelho. Tornam-se cada vez mais dependentes de terceiros, iniciam-se as dificuldades de locomoção, a comunicação inviabiliza-se e passam a necessitar de cuidados e supervisão integral, até mesmo para as atividades elementares como alimentação, higiene, vestuário, etc..
16 Inflamação: Conjunto de processos que se desenvolvem em um tecido em resposta a uma agressão externa. Incluem fenômenos vasculares como vasodilatação, edema, desencadeamento da resposta imunológica, ativação do sistema de coagulação, etc.Quando se produz em um tecido superficial (pele, tecido celular subcutâneo) pode apresentar tumefação, aumento da temperatura local, coloração avermelhada e dor (tétrade de Celso, o cientista que primeiro descreveu as características clínicas da inflamação).
17 Cognitiva: 1. Relativa ao conhecimento, à cognição. 2. Relativa ao processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio. 3. Diz-se de estados e processos relativos à identificação de um saber dedutível e à resolução de tarefas e problemas determinados. 4. Diz-se dos princípios classificatórios derivados de constatações, percepções e/ou ações que norteiam a passagem das representações simbólicas à experiência, e também da organização hierárquica e da utilização no pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios.
18 Cognitivos: 1. Relativo ao conhecimento, à cognição. 2. Relativo ao processo mental de percepção, memória, juízo e/ou raciocínio. 3. Diz-se de estados e processos relativos à identificação de um saber dedutível e à resolução de tarefas e problemas determinados. 4. Diz-se dos princípios classificatórios derivados de constatações, percepções e/ou ações que norteiam a passagem das representações simbólicas à experiência, e também da organização hierárquica e da utilização no pensamento e linguagem daqueles mesmos princípios.
19 Incidente: 1. Que incide, que sobrevém ou que tem caráter secundário; incidental. 2. Acontecimento imprevisível que modifica o desenrolar normal de uma ação. 3. Dificuldade passageira que não modifica o desenrolar de uma operação, de uma linha de conduta.
20 Cognição: É o conjunto dos processos mentais usados no pensamento, percepção, classificação, reconhecimento e compreensão para o julgamento através do raciocínio para o aprendizado de determinados sistemas e soluções de problemas.
21 Ressonância magnética: Exame que fornece imagens em alta definição dos órgãos internos do corpo através da utilização de um campo magnético.
22 Alelos: 1. Que ocupa os mesmos loci (locais) nos cromossomos (diz-se de gene). 2. Em genética, é cada uma das formas que um gene pode apresentar e que determina características diferentes.
23 Estudo de coorte: Um estudo de coorte é realizado para verificar se indivíduos expostos a um determinado fator apresentam, em relação aos indivíduos não expostos, uma maior propensão a desenvolver uma determinada doença. Um estudo de coorte é constituído, em seu início, de um grupo de indivíduos, denominada coorte, em que todos estão livres da doença sob investigação. Os indivíduos dessa coorte são classificados em expostos e não-expostos ao fator de interesse, obtendo-se assim dois grupos (ou duas coortes de comparação). Essas coortes serão observadas por um período de tempo, verificando-se quais indivíduos desenvolvem a doença em questão. Os indivíduos expostos e não-expostos devem ser comparáveis, ou seja, semelhantes quanto aos demais fatores, que não o de interesse, para que as conclusões obtidas sejam confiáveis.
24 Patogênico: 1. Relativo a patogenia, patogênese ou patogenesia. 2. Que provoca ou pode provocar, direta ou indiretamente, uma doença.
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