Bactérias vaginais podem consumir medicamentos de prevenção ao HIV (PrEP) e deixar as mulheres em risco
Apesar da eficácia dos antirretrovirais para Profilaxia Pré-Exposição1 (PrEP) ao HIV2 em homens que fazem sexo com homens, estudos em mulheres produziram resultados amplamente variados. Evidências recentes demonstram que as comunidades microbianas vaginais estão associadas a um maior risco de aquisição de HIV2 e podem impactar a eficácia da PrEP.
Assim, mulheres com uma certa mistura de bactérias em suas vaginas podem ter um risco muito maior de contrair o HIV2 porque as bactérias consomem drogas que previnem a infecção3 pelo vírus4.
Os medicamentos de profilaxia pré-exposição1 são 90% eficazes na prevenção de infecções5 por HIV2 em homens que fazem sexo com homens. Mas a eficácia dos medicamentos de PrEP cai para 50% ou menos nas mulheres, independentemente de serem tomados por via oral ou vaginal – e os pesquisadores não têm uma explicação completa de por que esse é o caso.
Nichole Klatt, da Universidade de Minnesota, e seus colegas suspeitam que parte do motivo pode ser o microbioma6 vaginal. Em muitos casos, o microbioma6 vaginal é dominado pela bactéria7 Lactobacillus, que ajuda a manter uma camada mucosa8 protetora que reduz o risco de inflamação9 e infecção3. Se o número de Lactobacillus cair, uma comunidade bacteriana diversa, incluindo espécies como Gardnerella vaginalis, assume o controle – e as mulheres podem ficar mais suscetíveis a infecções5 sexualmente transmissíveis.
Sabe-se, portanto, que Lactobacillus spp. previne a colonização de bactérias disbióticas (isto é, vaginose bacteriana), que está associada ao aumento da transmissão do HIV2. No entanto, o papel que esses micróbios desempenham na alteração da farmacocinética das drogas da PrEP é atualmente desconhecido.
Em estudo publicado na revista PLOS Pathogens, os pesquisadores investigaram os mecanismos subjacentes a como as bactérias vaginais alteram os níveis de drogas da PrEP e impactam as taxas de infecção3 por HIV2 ex vivo.
Saiba mais sobre "Infecção3 pelo HIV2", "Doenças sexualmente transmissíveis", "Vaginose bacteriana" e "Bactérias do bem".
A equipe de Klatt realizou uma série de estudos para ver o que acontece quando três drogas de prevenção do HIV2 são cultivadas com micróbios retirados de diferentes microbiomas vaginais, alguns dominados por Lactobacillus e outros mais diversos. Duas drogas – tenofovir e dapivirina – logo começaram a desaparecer das diversas culturas. Após 24 horas, as culturas dominadas por Lactobacillus tinham o dobro do nível das drogas de prevenção do HIV2 observadas nas culturas diversas, diz Klatt.
Uma análise mais aprofundada sugeriu por quê. Bactérias anaeróbicas como G. vaginalis parecem metabolizar – essencialmente, comer – as drogas. No mundo real, elas podem fazer isso antes que os medicamentos alcancem as células10 vaginais que deveriam proteger. Isso ajudaria a explicar por que os medicamentos são menos eficazes em algumas mulheres, diz Klatt.
A terceira droga teve um destino diferente. Tenofovir alafenamida – que é principalmente para o tratamento da hepatite11 B e só está licenciado como um tratamento para o HIV2 para certos grupos de risco – não pareceu afetado pelas culturas diversas, mantendo os mesmos volumes em ambos os tipos de amostras, diz ela.
Os pesquisadores usaram lavagens cervicovaginais (LCVs) de mulheres com ou sem vaginose bacteriana (VB) e identificaram o metabolismo12 microbiano de drogas PrEP em amostras de VB por meio de análise LC-MS/MS dos níveis de drogas solúveis e formação de metabólitos13 em culturas de células10 T duplas.
As amostras de LCV foram avaliadas para análise de microbioma6 usando sequenciamento de genes 16S rRNA bacterianos. Também se observou que bactérias não-Lactobacillus associadas à VB podem impactar a eficácia da PrEP por meio do aumento das taxas de infecção3 por HIV2 em co-culturas contendo bactérias Lactobacillus ou de VB, drogas de PrEP, células10 CEM-GFP e vírus4 HIV2-1LAI.
Finalmente, usou-se esses dados para desenvolver um novo sistema de modelagem de simulação matemática preditiva para prever essas interações medicamentosas para testes futuros.
Dessa forma, o estudo mostrou como a microbiota14 vaginal disbiótica pode impactar os níveis e a cinética15 dos medicamentos da PrEP e fornecem evidências que ligam as bactérias vaginais à eficácia da PrEP em mulheres.
Descobriu-se que os micróbios disbióticos metabolizam os fármacos da PrEP mais rápido do que a captação das células10-alvo e alteram significativamente as taxas de infecção3 por HIV2 in vitro, e isso pode ser previsto com um novo modelo computacional.
Os resultados demonstram, então, que o microbioma6 vaginal pode desempenhar um papel fundamental na prevenção do HIV2 por meio da alteração dos níveis de drogas terapêuticas por meio do metabolismo12.
O estudo expõe lacunas importantes na pesquisa de saúde16 feminina que estão afetando diretamente cerca de 1 milhão de mulheres que adquirem o HIV2 a cada ano, diz Klatt. Assim, melhores medições e intervenções para disbiose17 vaginal serão críticas para melhorar a eficácia dos esforços de prevenção do HIV2 em mulheres.
Leia sobre "Doenças da vagina18 mais comuns" e "Disbiose17".
Fontes:
PLOS Pathogens, publicação em 03 de dezembro de 2020.
New Scientist, notícia publicada em 03 de dezembro de 2020.