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Terapia antirretroviral muito precoce pode resultar na supressão sustentada do HIV em neonatos

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Em recém-nascidos com infecção1 por HIV2 adquirida no útero3, a administração de terapia antirretroviral (TARV) dentro de 48 horas de vida pode levar à supressão virológica sustentada do HIV2 durante 2 anos, indicou um estudo de prova de conceito4 de fase I/II publicado no The Lancet HIV2.

Em duas coortes que receberam regimes de TARV com três medicamentos à base de nevirapina dentro de dois dias de vida e mantiveram os critérios de controle virológico definidos pelo protocolo até a semana 108 do estudo, 64% dos bebês5 na coorte6 1 e 71% dos bebês5 na coorte6 2 não tinham DNA de HIV2-1 detectado, relataram Deborah Persaud, MD, da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins em Baltimore, EUA, e colegas.

A probabilidade estimada de manter o RNA plasmático indetectável por 2 anos foi de 33% para a coorte6 1 e 57% para a coorte6 2.

Na semana 108, 83% dos bebês5 na coorte6 1 e 100% dos bebês5 na coorte6 2 testaram negativo para o HIV2-1, e entre os 54 bebês5 que iniciaram a TARV muito precocemente, 19% preencheram os critérios para uma possível interrupção do tratamento.

Leia sobre "Infecção1 pelo HIV2" e "Imunossupressão7 e imunodepressão".

“Nosso objetivo era testar se tratar muito cedo – dentro de 48 horas de vida – os recém-nascidos que contraíram o HIV2 no útero3 levaria a uma supressão virológica sustentada na TARV neonatal e a uma diminuição acentuada na quantidade de células8 infectadas pelo HIV2 que persistiam com a TARV”, disse Persaud.

“Aos 2 anos de idade, 10 deles, quase 20% dos 54 bebês5, tinham tanto DNA do HIV2 quanto anticorpos9 do HIV2 não detectados no sangue10 – tornando-os elegíveis para considerar a interrupção do regime de TARV do estudo para ver se eles tiveram remissão sem TARV, na qual o vírus11 não retorna dentro das 2 a 4 semanas habituais após a interrupção da TARV”, disse ela. “Isso nos permite testar o conceito terapêutico do tratamento antirretroviral muito precoce dos recém-nascidos para alcançar a remissão sem TARV, como reportamos há uma década no caso de um bebê no Mississippi”.

A criança no Mississippi foi infectada com HIV2 no útero3, mas recebeu TARV às 30 horas de idade e até os 18 meses, quando o tratamento foi suspenso, explicou Persaud. A criança alcançou remissão sem TARV durante 27 meses, sugerindo que o início precoce da TARV poderia limitar os reservatórios virais do HIV2 e até alcançar uma cura potencial.

“Os benefícios clínicos óbvios em termos de morbidade12 e mortalidade13 do início super precoce da TARV não podem mais ser ignorados”, escreveram Philippe Van de Perre, MD, PhD, da Universidade de Montpelier, na França, e Penny Moore, PhD, da Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, em um comentário que acompanhou a publicação do estudo. “As diretrizes para os cuidados pediátricos do HIV2 devem incluir urgentemente o diagnóstico14 super precoce de recém-nascidos infectados com HIV2 no útero3 e o início imediato da TARV durante a janela em que os pares mãe – recém-nascido ainda estão na maternidade. A implementação de tais políticas tem o potencial de poupar algumas destas crianças da terapia antirretroviral ao longo da vida.”

Persaud salientou que é fundamental testar as grávidas para HIV2, não só para prevenir a infecção1, mas também para detectar a infecção1 pelo HIV2 no útero3, para que a terapia possa ser iniciada nos primeiros dias de vida da criança.

“O objetivo do tratamento permanece o mesmo: chegar a cargas virais indetectáveis, permanecer indetectáveis e manter as crianças no seu regime de tratamento até sabermos como chegar à remissão sem TARV, na qual a terapia pode ser interrompida”, ela disse.

“Estamos longe desse objetivo, mas estes ensaios clínicos15 de prova de conceito4 ajudam-nos a compreender como reduzir estes reservatórios e mantê-los em níveis muito baixos para ajudar a chegar à remissão sem TARV. A TARV salva vidas de crianças, mas precisamos de melhores terapias para ajudar com o desafio da adesão e das toxicidades a longo prazo”, acrescentou ela.

No artigo publicado, os pesquisadores relatam que os bebês5 nascidos com HIV2-1 necessitam de terapia antirretroviral (TARV) durante toda a vida. O objetivo do estudo foi avaliar se a TARV muito precoce em neonatos16 poderia restringir os reservatórios do HIV2-1, um passo importante para a remissão sem TARV.

O IMPAACT P1115 é um estudo de prova de conceito4 de fase 1/2 em andamento, no qual bebês5 foram inscritos em 30 clínicas de pesquisa em 11 países (Brasil, Haiti, Quênia, Malawi, África do Sul, Tanzânia, Tailândia, Uganda, EUA, Zâmbia e Zimbabue) em duas coortes.

Bebês5 com pelo menos 34 semanas de idade gestacional com alto risco de HIV2-1 intra-útero3 com HIV2-1 materno não tratado (coorte6 1) ou que estavam recebendo profilaxia antirretroviral tripla preventiva fora do estudo (TARV materna permitida; coorte6 2) foram incluídos.

Todos os bebês5 iniciaram o tratamento dentro de 48 horas de vida. A coorte6 1 iniciou TARV com três medicamentos à base de nevirapina, e a coorte6 2 iniciou profilaxia com três medicamentos à base de nevirapina e depois TARV com três medicamentos à base de nevirapina após o diagnóstico14 de HIV2 aos 10 dias de idade.

Adicionou-se ritonavir 75 mg/m² e lopinavir 300 mg/m² orais co-formulados duas vezes ao dia a partir dos 14 dias de vida e 42 semanas de idade pós-menstrual. Interrompeu-se a nevirapina 12 semanas após dois níveis consecutivos de RNA do HIV2-1 plasmático abaixo do limite de detecção.

Rastreou-se a supressão virológica, os resultados de segurança e o cumprimento de um perfil de biomarcador pré-determinado aos 2 anos de idade (RNA indetectável desde a semana 48, negativo para anticorpo17 do HIV2-1, DNA de HIV2-1 não detectado e contagem e porcentagem de CD4 normais) para avaliar a qualificação para interrupção analítica do tratamento.

Entre 23 de janeiro de 2015 e 14 de dezembro de 2017, 440 bebês5 foram incluídos na coorte6 1 e 20 foram incluídos na coorte6 2. 54 desses bebês5 (34 da coorte6 1 e 20 da coorte6 2) tiveram HIV2-1 intra-útero3 confirmado e foram inscritos para receber a TARV do estudo. 33 (61%) dos 54 bebês5 eram do sexo feminino e 21 (39%) do sexo masculino.

A probabilidade estimada de manter RNA plasmático indetectável até 2 anos foi de 33% (IC 95% 17-49) na coorte6 1 e 57% (28-78) na coorte6 2. Entre os bebês5 que mantiveram os critérios de controle virológico definidos pelo protocolo até a semana 108 do estudo, 7 dos 11 (64%, IC 95% 31-89) na coorte6 1 e 5 dos 7 (71%, 29-96) na coorte6 2 não tinham DNA de HIV2-1 detectado. 10 dos 12 (83%, 52-100) na coorte6 1 e todos os 7 (100%, 59-100) na coorte6 2 tiveram resultado negativo para anticorpos9 do HIV2-1 na semana 108.

Entre 54 bebês5 que iniciaram TARV muito precocemente, 10 (19%; 6 na coorte6 1 e 4 na coorte6 2) preencheram todos os critérios para possível interrupção analítica do tratamento. Eventos adversos reversíveis de graus 3 ou 4 ocorreram em 15 (44%) dos 34 bebês5 da coorte6 1 e 7 (35%) dos 20 bebês5 da coorte6 2.

O estudo concluiu que a TARV muito precoce para o HIV2-1 intra-útero3 pode alcançar uma supressão virológica sustentada em associação com biomarcadores que indicam reservatórios restritos de HIV2-1 aos 2 anos de idade, o que pode permitir uma potencial remissão sem TARV.

Veja também sobre "Conhecendo o sistema imunológico18" e "O que é a AIDS".

 

Fontes:
The Lancet HIV2, Vol. 11, Nº 1, em janeiro de 2024.
MedPage Today, notícia publicada em 11 de dezembro de 2023.

 

NEWS.MED.BR, 2023. Terapia antirretroviral muito precoce pode resultar na supressão sustentada do HIV em neonatos. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1463042/terapia-antirretroviral-muito-precoce-pode-resultar-na-supressao-sustentada-do-hiv-em-neonatos.htm>. Acesso em: 10 out. 2024.

Complementos

1 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
2 HIV: Abreviatura em inglês do vírus da imunodeficiência humana. É o agente causador da AIDS.
3 Útero: Orgão muscular oco (de paredes espessas), na pelve feminina. Constituído pelo fundo (corpo), local de IMPLANTAÇÃO DO EMBRIÃO e DESENVOLVIMENTO FETAL. Além do istmo (na extremidade perineal do fundo), encontra-se o COLO DO ÚTERO (pescoço), que se abre para a VAGINA. Além dos istmos (na extremidade abdominal superior do fundo), encontram-se as TUBAS UTERINAS.
4 Prova de conceito: Prova de conceito (PoC ou Proof of Concept) é um termo utilizado para denominar um modelo prático que possa provar o conceito (teórico) estabelecido por uma pesquisa ou artigo técnico. Ela pode ser considerada uma implementação, em geral resumida ou incompleta, de um método ou de uma ideia, realizada com o propósito de verificar se o conceito ou a teoria em questão é susceptível de ser explorado de maneira útil.
5 Bebês: Lactentes. Inclui o período neonatal e se estende até 1 ano de idade (12 meses).
6 Coorte: Grupo de indivíduos que têm algo em comum ao serem reunidos e que são observados por um determinado período de tempo para que se possa avaliar o que ocorre com eles. É importante que todos os indivíduos sejam observados por todo o período de seguimento, já que informações de uma coorte incompleta podem distorcer o verdadeiro estado das coisas. Por outro lado, o período de tempo em que os indivíduos serão observados deve ser significativo na história natural da doença em questão, para que haja tempo suficiente do risco se manifestar.
7 Imunossupressão: Supressão das reações imunitárias do organismo, induzida por medicamentos (corticosteroides, ciclosporina A, etc.) ou agentes imunoterápicos (anticorpos monoclonais, por exemplo); que é utilizada em alergias, doenças autoimunes, etc. A imunossupressão é impropriamente tomada por alguns como sinônimo de imunodepressão.
8 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
9 Anticorpos: Proteínas produzidas pelo organismo para se proteger de substâncias estranhas como bactérias ou vírus. As pessoas que têm diabetes tipo 1 produzem anticorpos que destroem as células beta produtoras de insulina do próprio organismo.
10 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.
11 Vírus: Pequeno microorganismo capaz de infectar uma célula de um organismo superior e replicar-se utilizando os elementos celulares do hospedeiro. São capazes de causar múltiplas doenças, desde um resfriado comum até a AIDS.
12 Morbidade: Morbidade ou morbilidade é a taxa de portadores de determinada doença em relação à população total estudada, em determinado local e em determinado momento.
13 Mortalidade: A taxa de mortalidade ou coeficiente de mortalidade é um dado demográfico do número de óbitos, geralmente para cada mil habitantes em uma dada região, em um determinado período de tempo.
14 Diagnóstico: Determinação de uma doença a partir dos seus sinais e sintomas.
15 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
16 Neonatos: Refere-se a bebês nos seus primeiros 28 dias (mês) de vida. O termo “recentemente-nascido“ refere-se especificamente aos primeiros minutos ou horas que se seguem ao nascimento. Esse termo é utilizado para enfocar os conhecimentos e treinamento da ressuscitação imediatamente após o nascimento e durante as primeiras horas de vida.
17 Anticorpo: Proteína circulante liberada pelos linfócitos em reação à presença no organismo de uma substância estranha (antígeno).
18 Sistema imunológico: Sistema de defesa do organismo contra infecções e outros ataques de micro-organismos que enfraquecem o nosso corpo.
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