Adoçantes de baixa ou nenhuma caloria foram associados ao declínio da cognição global na meia-idade
Um estudo longitudinal realizado por pesquisadores da USP com servidores públicos brasileiros mostrou que os escores cognitivos1 na meia-idade diminuíram com o aumento do consumo de adoçantes artificiais de baixa ou nenhuma caloria2.
Pessoas de 35 a 59 anos nos tercis mais altos de uso de adoçantes artificiais apresentaram declínios mais rápidos na fluência verbal (segundo tercil: β = -0,016; terceiro tercil: β = -0,040) ao longo de 8 anos, relataram Claudia Kimie Suemoto, médica e doutora da Universidade de São Paulo, e co-autores, em estudo publicado na revista científica Neurology.
Comparados com aqueles no tercil mais baixo, eles também apresentaram declínios mais rápidos na cognição3 global (segundo tercil: β = -0,008; terceiro tercil: β = -0,024).
Segundo os pesquisadores, isso significa que, após esse acompanhamento de oito anos, os participantes nos dois grupos de mais alto consumo apresentaram taxas 35% e 62% maiores de declínio cognitivo4 global; e 110% e 173% maiores de declínio da fluência verbal, respectivamente. Os maiores consumidores também tiveram uma taxa de declínio de memória 32% mais alta que os demais.
Não houve associação entre adoçantes de baixa ou nenhuma caloria2 e alterações cognitivas em pessoas com 60 anos ou mais.
O consumo de aspartame5, sacarina6, acessulfame-k, eritritol, sorbitol7 e xilitol foi associado a quedas mais rápidas na cognição3 global, particularmente nos domínios da memória e da fluência verbal. Não foi encontrada nenhuma ligação entre a tagatose, um açúcar8 natural, e o declínio cognitivo4.
Em pessoas sem diabetes9, o maior nível de uso de adoçantes artificiais foi associado a declínios mais rápidos na fluência verbal e na cognição3 global. Em pessoas com diabetes9, o maior uso foi associado a quedas mais rápidas na memória e na cognição3 global.
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“Embora tenhamos encontrado ligações com o declínio cognitivo4 em pessoas de meia-idade com e sem diabetes9, pessoas com diabetes9 são mais propensas a usar adoçantes artificiais como substitutos do açúcar”, disse Suemoto em um comunicado. “Mais pesquisas são necessárias para confirmar nossas descobertas e investigar se outras alternativas ao açúcar8 refinado, como purê de maçã (applesauce), mel, xarope de bordo (maple syrup) ou açúcar8 de coco, podem ser alternativas eficazes.”
Alimentos ultraprocessados sem açúcar8, como bebidas diet, energéticos, iogurtes, salgadinhos, sobremesas de baixa caloria2 e bebidas à base de leite, por exemplo, frequentemente contêm adoçantes de baixa ou nenhuma caloria2, observaram os pesquisadores. Alguns estudos descobriram que o consumo mais tarde na vida de bebidas adoçadas com açúcar8 ou adoçadas artificialmente não estava associado à demência10. Outros relacionaram bebidas adoçadas com acidente vascular cerebral11 (AVC) e risco cognitivo4.
O estudo atual “baseia-se em evidências crescentes de que exposições alimentares comuns, particularmente aditivos alimentares ultraprocessados, antes considerados benignos, podem influenciar a saúde12 cerebral de maneiras que neurologistas e outros profissionais de saúde12 estão apenas começando a entender”, observou Thomas Holland, MD, do Rush Medical College em Chicago, EUA, em um editorial que acompanhou a publicação do estudo.
Esta pesquisa tem várias implicações importantes para os médicos, observou Holland. O uso de modelagem estatística rigorosa “fortalece nossa confiança nas associações cognitivas observadas”, escreveu ele. Além disso, avaliações de adoçantes individuais sugerem que “vários adoçantes de baixa ou nenhuma caloria2, não apenas o eritritol, podem representar riscos cognitivos”.
Os mecanismos biológicos subjacentes a essas descobertas podem ser particularmente relevantes para neurologistas, afirmou ele. “O eritritol tem sido associado ao aumento da reatividade plaquetária, ao potencial de trombose13 e à produção prejudicada de óxido nítrico endotelial”, destacou Holland.
“Esses efeitos vasculares14 levantam sérias preocupações para a saúde12 cerebral, visto que a doença cerebrovascular15 é a base de muitas demências e o óxido nítrico desempenha um papel crítico na manutenção da perfusão cerebral”, acrescentou. “Além disso, o estresse oxidativo elevado e a neuroinflamação, possivelmente desencadeados por metabólitos16 de adoçantes de baixa ou nenhuma caloria2, representam mecanismos propostos que se alinham com vias conhecidas de comprometimento cognitivo4.”
Suemoto e colegas estudaram mais de 12 mil servidores públicos com 35 anos ou mais, inscritos no Estudo Longitudinal de Saúde12 do Adulto (ELSA-Brasil), acompanhando-os por uma mediana de 8 anos. O desempenho cognitivo17 foi avaliado a cada 4 anos. Questionários de frequência alimentar foram utilizados para calcular a ingestão combinada e individual de sete adoçantes de baixa ou nenhuma caloria2.
Os participantes foram agrupados em tercis com base no consumo desses adoçantes. O tercil mais baixo consumiu uma média de 19,9 mg/dia; o grupo mais alto consumiu uma média de 191,0 mg/dia. O sorbitol7 apresentou o maior consumo, com uma média de 63,8 mg/dia.
Como o estudo baseou-se em questionários de frequência alimentar, a possibilidade de viés de relato incorreto não pode ser descartada, reconheceram os pesquisadores. O consumo alimentar foi medido apenas uma vez, no início do estudo. Alguns adoçantes, como a sucralose, não foram incluídos.
Muitas covariáveis nesta análise foram autorrelatadas, acrescentaram Suemoto e co-autores. Embora os modelos de regressão tenham sido ajustados para diversas variáveis clínicas e de estilo de vida, pode ter ocorrido confusão residual.
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Confira a seguir o resumo do artigo publicado.
Associação entre o consumo de adoçantes artificiais de baixa ou nenhuma caloria2 e declínio cognitivo4
O consumo de adoçantes de baixa ou nenhuma caloria2 (ABNCs) tem sido associado a desfechos adversos de saúde12. No entanto, pouco se sabe sobre a associação entre o consumo de ABNCs e a cognição3. O objetivo deste estudo foi investigar a associação entre o consumo de ABNCs e o declínio cognitivo4.
Foi realizado um estudo observacional longitudinal utilizando dados de servidores públicos com idade igual ou superior a 35 anos no início do estudo, inscritos no Estudo Longitudinal Brasileiro de Saúde12 do Adulto e avaliados em três ondas do estudo (2008-2010, 2012-2014 e 2017-2019).
Participantes com dados dietéticos incompletos, ingestão calórica extrema (<1º percentil ou >99º percentil) e dados incompletos para testes cognitivos1 e covariáveis no início do estudo foram excluídos.
Um Questionário de Frequência Alimentar foi utilizado para calcular o consumo combinado e individual de 7 ABNCs (aspartame5, sacarina6, acessulfame-k, eritritol, xilitol, sorbitol7 e tagatose). Estimou-se os escores z em 6 testes cognitivos1. A associação de ABNCs com declínio cognitivo4 foi avaliada por meio de modelos lineares de efeitos mistos.
Entre 12.772 participantes (idade média de 51,9 ± 9,0 anos, 54,8% mulheres, 43,2% negros/pardos), o consumo médio de ABNCs foi de 92,1 ± 90,1 mg/dia.
Entre os participantes com menos de 60 anos, o consumo de ABNCs combinados nos tercis mais altos foi associado a um declínio mais rápido na fluência verbal (segundo tercil: β = -0,016, IC de 95% -0,040 a -0,008; terceiro tercil: β = -0,040, IC de 95% -0,064 a -0,016) e na cognição3 global (segundo tercil: β = -0,008, IC de 95% -0,024 a 0,008; terceiro tercil: β = -0,024, IC de 95% -0,040 a -0,008).
Não houve associação entre tercis de ABNCs e declínio cognitivo4 em participantes com 60 anos ou mais.
O consumo de aspartame5, sacarina6, acessulfame-k, eritritol, sorbitol7 e xilitol foi associado a um declínio mais rápido na cognição3 global, particularmente nos domínios de memória e fluência verbal. O consumo de ABNCs combinados nos tercis mais altos foi associado a um declínio mais rápido na fluência verbal e cognição3 global em participantes sem diabetes9 e a um declínio mais rápido na memória e cognição3 global em participantes com diabetes9.
O estudo concluiu que o consumo de ABNCs foi associado a uma taxa acelerada de declínio cognitivo4 durante 8 anos de acompanhamento. Esses achados sugerem a possibilidade de danos a longo prazo do consumo de ABNCs na função cognitiva19, particularmente ABNCs artificiais e álcoois de açúcar8. As limitações do estudo incluem dados dietéticos autorrelatados, viés de seleção por atrito e confusão residual por comportamentos de saúde12 concomitantes.
Fontes:
Neurology, Vol. 105, N° 7, publicação em 03 de setembro de 2025.
MedPage Today, notícia publicada em 03 de setembro de 2025.
Jornal da USP, notícia publicada em 03 de setembro de 2025.