Fertilização in vitro usando DNA de três pessoas evitou que os bebês nascidos herdassem doenças genéticas graves
Oito crianças parecem ter sido protegidas de doenças genéticas graves após terem nascido usando o DNA de três pessoas. O procedimento envolveu a substituição de mitocôndrias1 defeituosas de suas mães por aquelas de uma doadora.
Cerca de 1 em 5.000 pessoas tem mitocôndrias1 defeituosas. As mitocôndrias1 normalmente fornecem energia às células2 e são herdadas apenas de nossas mães. Esses defeitos são causados por mutações genéticas que podem levar a problemas como cegueira, convulsões e, em casos extremos, morte. “É muito difícil para as famílias lidar com essas doenças; elas são devastadoras”, diz Bobby McFarland, da Universidade de Newcastle, no Reino Unido.
Os pesquisadores relataram essa via de cuidados reprodutivos para doença do DNA mitocondrial em estudo publicado no The New England Journal of Medicine.
Saiba mais sobre "Reprodução3 assistida", "Mutações genéticas" e "Diferenças entre doenças congênitas4, genéticas e hereditárias".
Em 2015, o Reino Unido se tornou o primeiro país a aprovar um procedimento chamado transferência pronuclear para mulheres com alto risco de transmitir doenças mitocondriais e que não se beneficiariam de testes genéticos pré-implantação, que rastreiam embriões para tais mutações.
A transferência pronuclear envolve óvulos de uma futura mãe e de uma doadora sendo fertilizados com espermatozoides5 do pai por fertilização6 in vitro. Cerca de 10 horas depois, o núcleo é removido de ambos os óvulos. O núcleo carrega a maior parte do material genético da célula7, que é separado do DNA mitocondrial.
O núcleo da mãe é então inserido no óvulo8 da doadora, resultando em um embrião que herda a maior parte do DNA de seus pais biológicos, mas as mitocôndrias1 da doadora. Uma pequena quantidade das mitocôndrias1 da mãe ainda pode ser transmitida involuntariamente, afirma Bert Smeets, da Universidade de Maastricht, na Holanda.
McFarland, que desenvolveu a abordagem juntamente com seus colegas, já utilizou a técnica em 19 mulheres com mutações prejudiciais em cerca de 80% ou mais de suas mitocôndrias1 – o nível que geralmente causa problemas.
Sete das mulheres engravidaram após a transferência dos embriões finais para seus úteros. Elas deram à luz oito bebês9 saudáveis no total, sendo que uma delas teve gêmeos.
Os pesquisadores analisaram amostras de sangue10 coletadas dos recém-nascidos. Eles não encontraram mutações prejudiciais no DNA mitocondrial em cinco deles e apenas um nível muito baixo de mutações nos três restantes. “Eu diria que os resultados são tão bons quanto se poderia esperar”, afirma Mike Murphy, da Universidade de Cambridge.
Vários meses ou anos após essas diversas transferências pronucleares, todas as crianças estão atingindo seus marcos de desenvolvimento. No entanto, algumas também apresentaram complicações, que podem ou não estar relacionadas às transferências. Por exemplo, uma delas desenvolveu níveis elevados de gordura11 no sangue10 e batimentos cardíacos anormais, que foram tratados com sucesso, enquanto outra desenvolveu epilepsia12 aos sete meses de idade, que se resolveu espontaneamente.
A equipe planeja continuar acompanhando as crianças para determinar quaisquer efeitos a longo prazo do procedimento.
Confira a seguir o resumo do artigo publicado pela equipe.
Doação mitocondrial e teste genético pré-implantação para doença do mtDNA
Crianças nascidas de mulheres portadoras de variantes patogênicas no DNA mitocondrial (mtDNA) correm o risco de desenvolver uma série de síndromes clínicas conhecidas coletivamente como doença do mtDNA.
A doação mitocondrial por transferência pronuclear envolve o transplante do genoma nuclear de um óvulo fertilizado13 da mulher afetada para um óvulo fertilizado13 enucleado doado por uma mulher não afetada. Assim, a transferência pronuclear oferece às mulheres afetadas o potencial de ter um filho geneticamente relacionado com risco reduzido de doença do mtDNA.
Neste estudo, os pesquisadores ofereceram doação mitocondrial (por transferência pronuclear) ou teste genético pré-implantação (TGP) a uma série de mulheres com variantes patogênicas do mtDNA que buscavam reduzir a transmissão dessas variantes para seus filhos. Pacientes com heteroplasmia (variantes presentes em uma proporção de cópias do mtDNA) receberam TGP, e pacientes com homoplasmia (variantes presentes em todas as cópias do mtDNA) ou heteroplasmia elevada receberam transferência pronuclear.
Gestações clínicas foram confirmadas em 8 de 22 pacientes (36%) e 16 de 39 pacientes (41%) submetidas a um procedimento de injeção14 intracitoplasmática de espermatozoides5 para transferência pronuclear ou para TGP, respectivamente. A transferência pronuclear resultou em 8 nascidos vivos e 1 gestação em andamento. O TGP resultou em 18 nascidos vivos.
Os níveis de heteroplasmia no sangue10 dos 8 recém-nascidos cujas mães foram submetidas à transferência pronuclear variaram de indetectáveis a 16%. Os níveis da variante patogênica15 materna do mtDNA foram 95 a 100% menores em 6 recém-nascidos e 77 a 88% menores em 2 recém-nascidos do que nos zigotos enucleados correspondentes. Os níveis de heteroplasmia eram conhecidos em 10 dos 18 recém-nascidos cujas mães foram submetidas ao TGP e variaram de indetectáveis a 7%.
Constatou-se que a doação mitocondrial por transferência pronuclear foi compatível com a viabilidade de embriões humanos. Um programa integrado envolvendo transferência pronuclear e TGP foi eficaz na redução da transmissão de variantes patogênicas homoplasmáticas e heteroplasmáticas do mtDNA.
Leia sobre "Alguns conceitos ligados à reprodução3 humana", "Aconselhamento genético" e "Exame genético".
Fontes:
The New England Journal of Medicine, publicação em 16 de julho de 2025.
New Scientist, notícia publicada em 16 de julho de 2025.