O uso de aparelhos auditivos pode evitar que prejuízos cerebrais devidos à surdez aconteçam
Nos últimos anos surgiram muitas evidências científicas dos danos cerebrais causados pela perda de audição. Um número crescente de publicações vem relacionando a surdez em idosos com o aumento do risco de demência1, Alzheimer2, depressão e outras alterações do humor. Já falei sobre isso neste post escrito em março deste ano. Mas até agora faltava responder uma pergunta-chave: o uso de aparelhos auditivos pode evitar que esses prejuízos cerebrais da surdez aconteçam?
Diante dessa questão, merece nosso destaque o estudo recém-publicado no Journal of the American Geriatrics Society. Os números do estudo chefiado pela professora Hélène Amieva, do departamento de neuropsicologia e epidemiologia do envelhecimento da Universidade de Bordeaux, impressionam. Foram 3670 pacientes acima de 65 anos acompanhados durante 25 anos. O estudo faz parte de uma linha de pesquisa que avalia os efeitos do envelhecimento sobre o cérebro3 humano e foi financiado pela empresa Oticon.
Cognição4 e Mini-Mental
Para compreensão dos resultados da pesquisa é importante entender o conceito de cognição4 ou capacidade cognitiva5. Para simplificar, poderíamos dizer que a cognição4 é o conjunto de funções do cérebro3. Assim como o estado dos músculos6 é medido pela sua força, dos olhos7 pela acuidade visual8 e dos ouvidos pela capacidade auditiva, o estado de funcionamento do cérebro3 pode ser avaliado pela sua capacidade cognitiva5. Entretanto, sendo o cérebro3 um órgão extremamente complexo, sua funções são bem mais sofisticadas do que puramente força, visão9 ou audição. Seu funcionamento envolve cálculos, orientação no tempo e no espaço, memória, raciocínio lógico, capacidade de abstração, aprendizado, dentre outras capacidades. Para medir e avaliar esse estado cognitivo10, existe o Mini-exame do Estado mental, mais conhecido como Mini-Mental. Através da quantificação das respostas para um conjunto de questões subdivididas para cada capacidade cognitiva5, o examinador pode rapidamente dar um resultado de 0 à 30, classificando o paciente num nível entre o pior e o melhor estado cognitivo10.
Resultados do estudo
No estudo de Bordeaux, os pacientes foram avaliados em 3 grupos: 1) Pacientes sem perda auditiva, 2) Pacientes com perda auditiva em uso de aparelhos e 3) Pacientes com queixa de perda auditiva e que não usam aparelhos. Ao longo de todo o período, os pacientes de todos os grupos foram submetidos repetidamente ao Mini-Mental e os resultados foram avaliados ao final.
Os achados foram contundentes: pacientes que se queixavam de perda auditiva e não usavam aparelhos apresentavam uma queda cognitiva5 superior à média avaliada pelo Mini-Mental, quando comparados aos pacientes sem queixas auditivas. Já no grupo de pacientes com perda de audição e que fazem uso de aparelhos, a evolução dos testes cognitivos11 manteve-se no mesmo padrão do grupo-controle, dos pacientes sem surdez.
Cérebro3 que ouve
Os resultados dessa pesquisa vêm de encontro a um dos conceitos mais importantes dos últimos anos em termos de reabilitação auditiva: a "audição cerebral". Esse entendimento, somado ao conceito de plasticidade neural, vem mudando a forma como entendemos e tratamos a surdez. Mais do que nunca, restabelecer a melhor audição possível através de aparelhos auditivos e implantes, além de proporcionar melhor audição e compreensão da fala, tem um papel fundamental na manutenção da saúde12 cerebral.
Texto de: Luciano Moreira – Otorrinolaringologista
www.portalotorrino.com.br
Fonte: Self-Reported Hearing Loss, Hearing Aids, and Cognitive Decline in Elderly Adults: A 25-Year Study, publicação de outubro de 2015.