Novo medicamento previne overdose de fentanil por um mês em macacos
Uma dose única de um novo medicamento com anticorpos1 pode ligar-se ao fentanil e impedir que o opioide desencadeie sintomas2 potencialmente fatais, e o efeito protetor dura quase um mês, sugere uma pesquisa em macacos publicada na revista Nature Communications.
Se funcionar em humanos, o tratamento poderá ser uma ferramenta poderosa para combater a epidemia de opiáceos.
Mais de 1 milhão de pessoas morreram de overdose de drogas nos EUA desde 1999. A crise foi em grande parte alimentada pela proliferação de opioides ilícitos3, mais notavelmente o fentanil, que esteve envolvido em dois terços das mortes por overdose em 2021. Altas doses de fentanil retardam a respiração, o que diminui os níveis de oxigênio no sangue4 e aumenta o risco de morte.
“Temos uma epidemia aqui nos Estados Unidos que é quase sem precedentes”, diz Andrew Barrett, da Cessation Therapeutics, em San Diego, Califórnia. “E não conseguimos impedir o aumento das mortes por overdose de fentanil, por isso precisamos de novas ferramentas.”
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Dessa forma, ele e seus colegas desenvolveram uma nova terapia com anticorpos1 – chamada CSX-1004 – para bloquear os efeitos do fentanil. Os anticorpos1 são proteínas6 que podem destruir patógenos, como bactérias e vírus7, ligando-se a moléculas em sua superfície. Mas em vez de visar micróbios causadores de doenças, os pesquisadores desenvolveram anticorpos1 humanos para atingir a molécula de fentanil. “Então, o tratamento não faz nada por si só. Mas se o fentanil for administrado, o medicamento liga-se ao opioide muito rapidamente e impede que chegue ao cérebro”, diz Barrett.
Ele e sua equipe administraram 0,032 miligramas de fentanil por quilograma de peso corporal – uma dose potencialmente letal para humanos sem intervenção médica – a quatro macacos-aranha diariamente durante quatro semanas, o que diminuiu significativamente a sua frequência respiratória. Eles então trataram os animais com uma única infusão intravenosa (IV) de CSX-1004 e repetiram os experimentos de dosagem por mais quatro semanas.
Os pesquisadores descobriram que o tratamento com anticorpos1 protegeu os macacos de sofrerem as baixas taxas respiratórias características de uma overdose de fentanil durante quase um mês. Após o tratamento, os animais necessitaram de 15 vezes mais fentanil, em média, para experimentar a mesma diminuição na respiração observada antes do tratamento. O CSX-1004 também atenuou os efeitos analgésicos8 do fentanil, sugerindo que também poderia tratar o vício da droga.
“Estamos bloqueando não apenas os efeitos respiratórios do fentanil, mas, principalmente, seus efeitos prazerosos ou de reforço”, diz Barrett. “Se conseguirmos bloquear a euforia produzida pelo fentanil, gradualmente as pessoas deixarão de usá-lo, pois perceberão que ele não está fazendo nada.”
“Este medicamento tem um potencial tremendo”, diz Nora Volkow, do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas em Washington DC, que não esteve envolvida na pesquisa. Poderia reduzir o risco de morte por fentanil em pessoas com transtorno por uso de opioides, bem como para aqueles viciados em outras drogas, como cocaína ou metanfetamina, que podem estar contaminadas com fentanil, diz ela.
Os pesquisadores não observaram nenhum efeito colateral9 do tratamento, nem encontraram sinais5 de que os animais se tornaram dependentes do anticorpo10. Eles também mostraram que era eficaz contra 15 compostos diferentes do tipo fentanil. No entanto, não funciona contra outros opiáceos, como a heroína ou a oxicodona, uma vez que as estruturas destas moléculas diferem significativamente do fentanil. Dessa forma, as pessoas com dependência de opiáceos ainda poderiam usar outros opiáceos.
Barrett e sua equipe estão atualmente testando uma forma injetável do anticorpo10 em humanos, e um tratamento semelhante direcionado à metanfetamina também está em ensaios clínicos11 de fase II. “Não é uma garantia de que os belos resultados que vimos nos primatas acontecerão nos humanos”, diz Volkow. “É muito provável que sim. Minha principal preocupação está relacionada ao processo de aprovação do medicamento, que pode demorar muito.”
No artigo publicado, os pesquisadores relatam a investigação do anticorpo10 monoclonal CSX-1004 para overdose de fentanil.
Eles contextualizam que a crise dos opioides nos Estados Unidos é impulsionada principalmente pelo opioide sintético altamente potente fentanil, que leva a mais de 70.000 mortes por overdose anualmente; portanto, novas terapias para overdose de fentanil são urgentemente necessárias.
Neste estudo, apresentou-se o primeiro anticorpo10 monoclonal totalmente humano CSX-1004, pronto para uso clínico, com afinidade picomolar para fentanil e análogos relacionados.
Em camundongos, o CSX-1004 reverte a antinocicepção do fentanil e a depressão respiratória intratável causada pelo opioide ultrapotente carfentanil. Além disso, a avaliação toxicocinética num estudo de dose repetida em ratos e num estudo de reatividade cruzada em tecidos humanos revela um perfil farmacocinético favorável de CSX-1004 sem problemas relacionados com a segurança.
Usando um modelo de depressão respiratória de primata não humano (PNH) altamente translacional, demonstrou-se proteção mediada por CSX-1004 contra repetidos desafios de fentanil por 3-4 semanas.
Além disso, o tratamento com CSX-1004 produz uma redução de até 15 vezes na potência do fentanil na respiração do PNH, na antinocicepção e nos ensaios de resposta operante, sem afetar os opioides não-fentanil, como a oxicodona.
Tomados em conjunto, esses dados estabelecem a viabilidade do CSX-1004 como um medicamento candidato promissor para prevenir e reverter a overdose induzida por fentanil.
Veja também sobre "Oxicodona: remédio ou droga?" e "Antígenos12 e anticorpos1 - o que são".
Fontes:
Nature Communications, publicação em 05 de dezembro de 2023.
New Scientist, notícia publicada em 05 de dezembro de 2023.