Terapia genética restaura a audição em casos raros de surdez congênita
Uma nova terapia genética permitiu que crianças com surdez congênita1 devido a variantes do gene da otoferlina (OTOF) ouvissem pela primeira vez, conforme demonstrado pelo estudo pivotal de fase I/II CHORD, cujos resultados foram publicados no The New England Journal of Medicine.
Dos 12 participantes tratados com uma única infusão de DB-OTO, 11 alcançaram melhorias auditivas clinicamente significativas, incluindo níveis normais de audição em três deles, relataram Vassili Valayannopoulos, MD, PhD, da Regeneron Pharmaceuticals, empresa desenvolvedora do tratamento, e seus colegas na reunião da Academia Americana de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça2 e Pescoço3, em Indianápolis, EUA.
24 semanas após o tratamento, seis participantes passaram da incapacidade de ouvir um cortador de grama4 a gasolina para a capacidade de detectar sussurros, “o que destaca a integridade das estruturas do ouvido interno5 que eram passíveis de receber terapia genética”, escreveram os pesquisadores.
Eles acrescentaram que “ao contrário da visão6 predominante de que a eficácia da terapia gênica no OTOF poderia ser limitada a participantes que a recebem no início da vida, observamos benefícios quando o DB-OTO foi administrado a participantes com até 16 anos de idade.” Ambos os participantes de 16 anos que receberam o tratamento apresentaram melhora na audição.
A intervenção precoce, no entanto, deve promover o desenvolvimento da fala e da linguagem; e, de fato, todos os três participantes do estudo que concluíram as avaliações de fala mostraram melhora significativa.
“Até agora, a perda auditiva relacionada ao gene OTOF era considerada permanente, e é por isso que muitos de nós dedicamos nossas carreiras a essa área”, disse o co-autor Lawrence R. Lustig, MD, da Faculdade de Médicos e Cirurgiões da Universidade de Columbia, na cidade de Nova York. “Isso realmente representa uma nova era no tratamento da perda auditiva.”
Apenas cerca de 1 a 3% dos casos de surdez congênita1 são causados por variantes patogênicas bialélicas no gene OTOF, que codifica a otoferlina, uma proteína que funciona como um sensor de cálcio expresso nas células7 ciliadas internas para regular a transmissão sináptica entre essas células7 sensoriais e o nervo coclear. A surdez profunda causada por essa condição genética não possui tratamento além do uso vitalício de implantes cocleares.
“Ainda não se sabe se outras formas de surdez se beneficiarão de estratégias semelhantes”, observaram Valayannopoulos e seus colegas.
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O DB-OTO utiliza uma base de vírus8 adeno-associado (AAV) dupla para fornecer a grande carga genômica necessária, além da capacidade de empacotamento de um único AAV, conforme observaram os pesquisadores. A administração é feita localmente, sob anestesia9 geral, por meio de uma única infusão intracoclear.
O estudo clínico começou administrando o DB-OTO em apenas um ouvido, enquanto o ouvido contralateral permanecia sem tratamento ou com um implante10 coclear. Posteriormente, durante o processo de recrutamento, após a comprovação de segurança e eficácia, três participantes receberam DB-OTO em ambas as orelhas11 em uma única sessão.
No artigo publicado, os pesquisadores detalham a terapia gênica DB-OTO para surdez hereditária.
Eles relatam que a deficiência genética de otoferlina, uma proteína essencial para a transmissão sináptica pelas células7 ciliadas sensoriais da orelha12, causa surdez congênita1. Não existem medicamentos para tratar essa condição; as crianças geralmente recebem implantes cocleares. DB-OTO é uma terapia gênica com vírus8 adeno-associado 1 duplo que fornece DNA complementar humano de OTOF (codificando otoferlina) regulado por um promotor específico das células7 ciliadas.
Realizou-se um estudo aberto, de grupo único, inédito em humanos, para avaliar o DB-OTO. Crianças com variantes de OTOF e surdez profunda (definida por um limiar audiométrico médio >90 decibéis de nível auditivo [dB HL], indicando a incapacidade de ouvir um cortador de grama4 a gasolina) receberam uma infusão intracoclear de DB-OTO (7,2×10¹² genomas vetoriais por ouvido) em um ou ambos os ouvidos.
O desfecho primário de eficácia foi um limiar médio na audiometria13 tonal pura (ATP14) comportamental na semana 24 de 70 dB HL ou menos, um padrão clínico que geralmente evita o implante10 coclear e permite a audição acústica natural.
Um desfecho secundário principal foi a presença de uma resposta auditiva do tronco encefálico15 a um estímulo de clique com um limiar igual ou inferior a 90 dB de nível de audição normalizado (dB nHL) na semana 24. As avaliações de segurança incluíram eventos adversos, resultados laboratoriais e testes vestibulares16.
Um total de 12 crianças foram inscritas no estudo. Após uma única infusão de DB-OTO, um limiar médio na ATP14 de 70 dB HL ou menos na semana 24 (desfecho primário) e uma resposta auditiva do tronco encefálico15 igual ou inferior a 90 dB nHL (desfecho secundário principal) foram encontrados em 9 dos 12 participantes (75%; intervalo de confiança de 95%, 43 a 95; P = 1,1×10−¹³ para ambos os desfechos).
Seis participantes conseguiam ouvir a fala em tom baixo (sensibilidade de 45 dB HL ou melhor) sem dispositivos auxiliares, e 3 apresentavam sensibilidade auditiva normal média (de 25 dB HL, o limiar para ouvir um sussurro, ou menos).
Dos três participantes que não atingiram o objetivo primário, apenas um não apresentou nenhuma melhora.
Os oito participantes com acompanhamento superior a 24 semanas apresentaram estabilidade ou melhora contínua da audição após esse período. O estudo inclui avaliação de segurança e eficácia por 48 semanas após o tratamento e, posteriormente, anualmente até 5 anos após o tratamento com DB-OTO.
“Como as células7 ciliadas internas alvo são células7 terminalmente diferenciadas, antecipamos um benefício clínico duradouro após uma única infusão, visto que a terapia gênica introduzida não deve ser diluída pela replicação celular”, escreveram Valayannopoulos e seus colegas, embora tenham observado uma diminuição na sensibilidade auditiva em altas frequências em dois dos participantes do acompanhamento de longo prazo, “sem um efeito clinicamente significativo na percepção da fala.”
Curiosamente, anticorpos17 séricos contra AAV1 não foram um critério de exclusão e o paciente com a concentração basal mais alta desses anticorpos17 apresentou uma melhora significativa na audição após o tratamento com AAV, o que “sugere que, assim como em aplicações oculares, anticorpos17 preexistentes podem não interferir na eficiência da transdução do AAV no ouvido interno5 e que um novo tratamento poderia ser considerado para pessoas com respostas insuficientes à primeira dose”, acrescentou o grupo.
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Um total de 67 eventos adversos ocorreram ou pioraram durante ou após o tratamento, nenhum dos quais levou à interrupção da participação no estudo.
O estudo concluiu que a terapia gênica com DB-OTO melhorou a audição em pacientes com surdez relacionada ao gene OTOF, possibilitando a audição acústica natural e normalizando a sensibilidade auditiva em 3 dos 12 pacientes tratados.
As limitações do estudo incluíram seu tamanho reduzido e duração limitada.
A Regeneron Pharmaceuticals afirmou que o DB-OTO recebeu as designações de Medicamento Órfão18, Doença Pediátrica Rara, Via Rápida e Terapia Avançada de Medicina Regenerativa da Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos. Além disso, em outubro a terapia foi incluída em um novo programa piloto da FDA, o Commissioner's National Priority Voucher, que oferece a oportunidade de reduzir o tempo de análise de pedidos de aprovação de medicamentos e produtos biológicos de 10 a 12 meses para apenas 1 a 2 meses. Com isso, espera-se que o DB-OTO possa ser avaliado pela FDA ainda este ano e se tornar uma realidade nos Estados Unidos já em 2026.
Fontes:
The New England Journal of Medicine, publicação em 12 de outubro de 2025.
MedPage Today, notícia publicada em 14 de outubro de 2025.















