Primeiro mapa da atividade cerebral de mamíferos pode ter mostrado a intuição em ação
O primeiro mapa completo da atividade do cérebro1 de um mamífero revelou insights sem precedentes sobre como as decisões são tomadas, e pode até mesmo sugerir as raízes daquele sentimento misterioso que chamamos de intuição.
Por décadas, neurocientistas buscaram capturar a atividade em todo o cérebro1, no nível de neurônios2 individuais, mas há um limite para quantos neurônios2 um eletrodo pode registrar, quantos eletrodos podem ser implantados em um único cérebro1 e quantos animais um único laboratório pode testar.
Para superar isso, pesquisadores de 12 laboratórios uniram forças, cada um realizando o mesmo experimento, mas registrando a atividade de diferentes áreas do cérebro1, com alguma sobreposição para garantir a consistência dos dados coletados. Os dados combinados de mais de 600.000 neurônios2 produziram o primeiro mapa da atividade de um comportamento complexo em todo o cérebro1.
“Este trabalho demonstra uma maneira completamente nova de abordar questões complexas na neurociência moderna”, afirma Benedetto De Martino, do University College London, que não participou da pesquisa. “Assim como o CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear) reuniu físicos para confrontar os problemas mais profundos da física de partículas, este projeto une laboratórios do mundo todo para enfrentar desafios grandes demais para um único grupo.”
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Em cada laboratório, camundongos foram treinados para mover um alvo listrado em direção ao centro de uma tela usando um pequeno volante de Lego. Quando as listras apresentavam alto contraste, o alvo se destacava nitidamente. Quando o contraste diminuía, o alvo praticamente desaparecia, e os animais dependiam de conhecimento prévio para responder corretamente e receber uma recompensa.
Vieses foram incorporados ao experimento para influenciar as expectativas prévias dos camundongos sobre onde o alvo poderia estar; ele poderia aparecer no lado esquerdo da tela 80% das vezes e no lado direito 20% das vezes, por exemplo. Quando o viés era invertido, os camundongos atualizavam suas expectativas de acordo.
O mapa resultante revela que a atividade associada à tomada de decisão não se limita a uma única região, mas sim é distribuída por todo o cérebro1. “Houve muitas alegações sobre ‘esta área faz isso’. Se há algo que descobrimos com este trabalho, é que nenhuma área do cérebro1 ‘decide’”, diz Alexandre Pouget, membro da equipe, da Universidade de Genebra, na Suíça. “A tomada de decisão envolve dezenas de áreas que decidem por meio de uma espécie de consenso.”
Os resultados também corroboram trabalhos anteriores que mostram que os sinais3 relacionados à decisão se acumulam muito antes de a ação ser tomada. Pouget afirma que, mesmo antes do início de cada experimento individual, enquanto o camundongo estava parado, os sinais3 associados à próxima decisão eram aparentes. Estes se acumulavam à medida que o alvo aparecia, até atingirem um limite, momento em que o camundongo movia a roda.
Um segundo artigo mostra como as expectativas prévias, neste caso a crença sobre onde o alvo poderia estar, são codificadas na atividade cerebral notavelmente cedo. Os pesquisadores descobriram que, mesmo quando os sinais3 saíam do olho4 e começavam sua jornada para o tálamo5, o centro de retransmissão do cérebro1, a expectativa prévia de se o alvo estaria à esquerda ou à direita já havia surtido efeito.
Isso sugere que, a partir do momento em que os dados sensoriais entram em nosso cérebro1, eles já estão codificados de uma forma que é influenciada por conhecimento prévio, influenciando nosso processo consciente de tomada de decisão sem que percebamos, diz Pouget. É especulação, mas isso pode corresponder ao que percebemos como intuição, diz ele.
O que é particularmente intrigante é que a codificação parece estar rastreando não apenas experiências sensoriais recentes, mas também o histórico recente de escolhas tomadas, diz Laurence Hunt, da Universidade de Oxford. “Isso sugere que é nosso próprio comportamento e experiência subjetiva que molda o que esperamos ver em seguida, em vez do verdadeiro estado objetivo do mundo.”
Isso implica que nossas decisões são predeterminadas? “O cérebro1 e o mundo ao seu redor formam um sistema determinístico. As pessoas odeiam isso, mas é verdade”, diz Pouget. “Significa que posso prever, até certo ponto, o que você vai fazer antes de realmente decidir.” No entanto, quando adquirimos novos dados, modulamos essa expectativa anterior e, como não sabemos como o mundo ao nosso redor irá evoluir, isso cria incertezas, afirma ele.
No futuro, os pesquisadores esperam que seus resultados e sua abordagem colaborativa promovam a compreensão de condições como o autismo. Modelos murinos de autismo sugerem que esses animais têm dificuldade em atualizar suas expectativas anteriores quando novas informações surgem, o que condiz com o que observamos comportamentalmente em humanos, afirma Pouget.
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Confira a seguir os resumos dos artigos publicados.
Um mapa de atividade neural abrangendo todo o cérebro1 durante comportamentos complexos
Um desafio fundamental na neurociência é compreender como os neurônios2 em centenas de regiões cerebrais interconectadas integram estímulos sensoriais com expectativas prévias para iniciar movimentos e tomar decisões. É difícil superar esse desafio se diferentes laboratórios aplicarem análises diferentes a diferentes registros em diferentes regiões durante diferentes comportamentos.
Neste estudo, relatou-se um conjunto abrangente de registros de 621.733 neurônios2 registrados com 699 sondas Neuropixels em 139 camundongos em 12 laboratórios. Os dados foram obtidos de camundongos realizando uma tarefa de tomada de decisão com componentes sensoriais, motores e cognitivos6. As sondas cobriram 279 áreas cerebrais no prosencéfalo e mesencéfalo7 esquerdos e no rombencéfalo e cerebelo8 direitos. Foi fornecida uma avaliação inicial desse mapa cerebral e avaliou-se como a atividade neural codifica variáveis-chave da tarefa.
Representações de estímulos visuais apareceram transitoriamente em áreas visuais clássicas após o início do estímulo e, em seguida, se espalharam para atividade de subida gradual em um conjunto de regiões do mesencéfalo7 e rombencéfalo que também codificavam escolhas. Respostas neurais correlacionaram-se com ações motoras iminentes em quase todas as áreas do cérebro1. Respostas à entrega e ao consumo de recompensas também foram generalizadas.
Este conjunto de dados disponível publicamente representa um recurso para compreender como computações distribuídas entre e dentro de áreas cerebrais direcionam o comportamento.
Representações cerebrais amplas de informações prévias na tomada de decisão em camundongos
As representações neurais de informações prévias sobre o estado do mundo são pouco compreendidas. Neste estudo, para investigá-las, examinou-se gravações de Neuropixels em todo o cérebro1 e imagens de cálcio de campo amplo coletadas pelo Laboratório Internacional do Cérebro1.
Camundongos foram treinados para indicar a localização de um estímulo visual em grade, que aparecia à esquerda ou à direita com uma probabilidade prévia alternando entre 0,2 e 0,8 em blocos de comprimento variável. Descobriu-se que os camundongos estimam essa probabilidade prévia e, assim, melhoram sua precisão de decisão.
Além disso, relatou-se que essa probabilidade prévia subjetiva é codificada em pelo menos 20% a 30% das regiões cerebrais que, notavelmente, abrangem todos os níveis de processamento, desde áreas sensoriais iniciais (núcleo geniculado lateral e córtex visual primário) até regiões motoras (córtex motor secundário e primário e núcleo reticular9 gigantocelular) e regiões corticais de alto nível (área cingulada anterior dorsal e córtex orbitofrontal ventrolateral).
Essa representação generalizada da informação prévia é consistente com um modelo neural de inferência bayesiana envolvendo circuitos recíprocos (loops) entre áreas, em oposição a um modelo em que a informação prévia é incorporada apenas em áreas de tomada de decisão.
Este estudo oferece uma perspectiva de todo o cérebro1 sobre a codificação da informação prévia em resolução celular, ressaltando a importância do uso de registros em larga escala em uma única tarefa padronizada.
Fontes:
Estudo 1 – Nature, publicação em 03 de setembro de 2025.
Estudo 2 – Nature, publicação em 03 de setembro de 2025.
New Scientist, notícia publicada em 03 de setembro de 2025.