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Tecnologia de RNA mensageiro pode ajudar a livrar o corpo do HIV

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A tecnologia que impulsionou as vacinas contra a Covid também pode levar os cientistas à cura do HIV1. Usando RNA mensageiro (RNAm), pesquisadores australianos afirmaram ter conseguido enganar o vírus2 para que ele saísse do seu esconderijo, um passo crucial para livrar o corpo dele completamente.

A pesquisa, publicada na revista Nature Communications, ainda é preliminar e, até o momento, demonstrou sucesso apenas em laboratório. Mas sugere que o RNAm tem um potencial que vai muito além de seu uso em vacinas, como meio de administrar terapias contra adversários teimosos.

O RNAm é um conjunto de instruções para um gene. No caso das vacinas contra a Covid, as instruções eram para um fragmento3 do coronavírus. No novo estudo, elas são para moléculas-chave para combater o HIV1.

A Dra. Sharon Lewin, diretora do Instituto Doherty da Universidade de Melbourne, que liderou o estudo, chamou o RNAm de uma ferramenta “milagrosa para entregar coisas que você deseja em lugares que antes não eram possíveis.”

As vacinas da covid que utilizam RNAm instruem o corpo a produzir um fragmento3 do vírus2, que então desencadeia a resposta imunológica do organismo. O novo estudo descreve o uso do RNAm como uma ferramenta para expulsar o HIV1 de seus esconderijos. Outros usos podem envolver o fornecimento de proteínas4 ausentes em pessoas com certas doenças ou a correção de erros genéticos.

Frauke Muecksch, virologista da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, que não esteve envolvida no trabalho, chamou o RNAm de uma “tecnologia promissora e absolutamente poderosa”.

Embora a maioria das pessoas só tenha ouvido falar do uso do RNAm na ciência durante a pandemia5, os cientistas trabalham com ele há mais de 20 anos, disse ela.

“Acho que não é apenas terapeuticamente muito poderoso, mas também para a ciência básica, para a pesquisa, abre muitos caminhos”, acrescentou.

Leia sobre "Infecção6 pelo HIV1", "Sistema imunológico7" e "Doenças sexualmente transmissíveis: como evitar".

Medicamentos antirretrovirais potentes atualmente podem controlar o HIV1, suprimindo-o a níveis indetectáveis. Ainda assim, quantidades mínimas do vírus2 permanecem adormecidas nos chamados reservatórios, aguardando uma oportunidade para ressurgir. A cura para o HIV1 envolveria descobrir todo esse vírus2 e destruí-lo, uma estratégia que tem sido chamada de “choque e morte”.

Um obstáculo significativo é que o vírus2 permanece adormecido em um tipo específico de célula8 imunológica, chamada célula8 CD4 em repouso. Como essas células9 são inativas, elas tendem a não responder aos medicamentos.

Os poucos medicamentos que os cientistas usaram anteriormente para ativar o vírus2 nessas células9 não eram específicos para o HIV1 e apresentavam efeitos colaterais10 indesejados.

“É justo dizer que a área está um pouco estagnada”, disse Brad Jones, imunologista viral da Weill Cornell Medicine, que não participou da pesquisa mais recente.

Em 2022, o Dr. Jones e seus colegas descobriram que o reforço imunológico das vacinas de RNAm despertou o HIV1 latente em pessoas vivendo com o vírus2. (Outras pesquisas mostraram que as vacinas de RNAm também ativaram vírus2 adormecidos, incluindo o Epstein-Barr.)

“Você recebe apenas um leve empurrão com algumas dessas vacinas, e é o suficiente para induzir alguns desses vírus2 latentes a saírem para que possam ser mortos”, disse o Dr. Jones.

A Dra. Lewin e seus colegas experimentaram durante anos outras maneiras de ativar o HIV1, mas não tiveram sucesso em células9 em repouso. Observando o sucesso das vacinas contra a Covid, que usavam nanopartículas lipídicas (pequenas esferas de gordura11) contendo RNAm, sua equipe testou partículas semelhantes.

Eles usaram as partículas para entregar dois conjuntos diferentes de moléculas: Tat, que é hábil em ativar o HIV1, e CRISPR, uma ferramenta que pode “editar” genes.

Os pesquisadores mostraram que, em células9 imunes em repouso de pessoas vivendo com HIV1, a abordagem induziu o vírus2 a sair da dormência12.

“É muito, muito difícil lidar com essas células9, então acho que atingir a população certa de células9 é o que torna este artigo especial”, disse a Dra. Muecksch.

Não está claro se a nova abordagem pode despertar com sucesso todo o HIV1 adormecido no corpo e quais efeitos colaterais10 ela pode produzir.

“O RNAm quase certamente terá alguns efeitos adversos, como todo medicamento, mas investigaremos isso sistematicamente, como fazemos com qualquer novo medicamento”, disse a Dra. Lewin. Neste caso, ela disse, os efeitos colaterais10 podem ser mais aceitáveis para pessoas vivendo com HIV1 do que ter que tomar medicamentos pelo resto da vida.

Os pesquisadores planejam testar o método em animais infectados pelo HIV1 antes de passar para os ensaios clínicos13.

Veja também sobre "Edição genética - o que é e para o que serve" e "O que é a AIDS".

No artigo publicado, os autores relatam a entrega eficiente de RNAm para células9 T em repouso para reverter a latência14 do HIV1.

Eles contextualizam que um grande obstáculo para a cura do HIV1 é a persistência de provírus integrados em células9 T CD4+ em repouso, que permanecem em um estado transcricionalmente silencioso e latente. Uma estratégia para erradicar o HIV1 latente é ativar a transcrição viral, seguida pela eliminação das células9 infectadas por meio de citotoxicidade mediada por vírus2 ou depuração imunomediada.

A hipótese deste estudo é que a tecnologia de nanopartículas lipídicas (LNP) de RNAm proporcionaria uma oportunidade para entregar proteínas4 que codificam RNAm capazes de reverter a latência14 do HIV1 em células9 T CD4+ em repouso.

Desenvolveu-se então uma formulação de LNP (LNP X) com potência sem precedentes para entregar RNAm a células9 T CD4+ em repouso difíceis de transfectar na ausência de toxicidade15 ou ativação celular.

Ao encapsular um RNAm que codifica a proteína Tat do HIV1, um ativador da transcrição do HIV1, a LNP X aumenta a transcrição do HIV1 em células9 T CD4+ ex vivo de pessoas vivendo com HIV1. A LNP X também permite a administração de mecanismos de ativação de repetições palindrômicas curtas regularmente espaçadas (CRISPR) para modular a transcrição de genes virais e do hospedeiro.

Essas descobertas oferecem potencial para o desenvolvimento de uma gama de terapias com células9 T baseadas em ácido nucleico.

 

Fontes:
Nature Communications, publicação em 29 de maio de 2025.
The New York Times, notícia publicada em 05 de junho de 2025.

 

NEWS.MED.BR, 2025. Tecnologia de RNA mensageiro pode ajudar a livrar o corpo do HIV. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1493300/tecnologia-de-rna-mensageiro-pode-ajudar-a-livrar-o-corpo-do-hiv.htm>. Acesso em: 25 ago. 2025.

Complementos

1 HIV: Abreviatura em inglês do vírus da imunodeficiência humana. É o agente causador da AIDS.
2 Vírus: Pequeno microorganismo capaz de infectar uma célula de um organismo superior e replicar-se utilizando os elementos celulares do hospedeiro. São capazes de causar múltiplas doenças, desde um resfriado comum até a AIDS.
3 Fragmento: 1. Pedaço de coisa que se quebrou, cortou, rasgou etc. É parte de um todo; fração. 2. No sentido figurado, é o resto de uma obra literária ou artística cuja maior parte se perdeu ou foi destruída. Ou um trecho extraído de uma obra.
4 Proteínas: Um dos três principais nutrientes dos alimentos. Alimentos que fornecem proteína incluem carne vermelha, frango, peixe, queijos, leite, derivados do leite, ovos.
5 Pandemia: É uma epidemia de doença infecciosa que se espalha por um ou mais continentes ou por todo o mundo, causando inúmeras mortes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a pandemia pode se iniciar com o aparecimento de uma nova doença na população, quando o agente infecta os humanos, causando doença séria ou quando o agente dissemina facilmente e sustentavelmente entre humanos. Epidemia global.
6 Infecção: Doença produzida pela invasão de um germe (bactéria, vírus, fungo, etc.) em um organismo superior. Como conseqüência da mesma podem ser produzidas alterações na estrutura ou funcionamento dos tecidos comprometidos, ocasionando febre, queda do estado geral, e inúmeros sintomas que dependem do tipo de germe e da reação imunológica perante o mesmo.
7 Sistema imunológico: Sistema de defesa do organismo contra infecções e outros ataques de micro-organismos que enfraquecem o nosso corpo.
8 Célula: Unidade funcional básica de todo tecido, capaz de se duplicar (porém algumas células muito especializadas, como os neurônios, não conseguem se duplicar), trocar substâncias com o meio externo à célula, etc. Possui subestruturas (organelas) distintas como núcleo, parede celular, membrana celular, mitocôndrias, etc. que são as responsáveis pela sobrevivência da mesma.
9 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
10 Efeitos colaterais: 1. Ação não esperada de um medicamento. Ou seja, significa a ação sobre alguma parte do organismo diferente daquela que precisa ser tratada pelo medicamento. 2. Possível reação que pode ocorrer durante o uso do medicamento, podendo ser benéfica ou maléfica.
11 Gordura: Um dos três principais nutrientes dos alimentos. Os alimentos que fornecem gordura são: manteiga, margarina, óleos, nozes, carnes vermelhas, peixes, frango e alguns derivados do leite. O excesso de calorias é estocado no organismo na forma de gordura, fornecendo uma reserva de energia ao organismo.
12 Dormência: 1. Estado ou característica de quem ou do que dorme. 2. No sentido figurado, inércia com relação a se fazer alguma coisa, a se tomar uma atitude, etc., resultando numa abulia ou falta de ação; entorpecimento, estagnação, marasmo. 3. Situação de total repouso; quietação. 4. No sentido figurado, insensibilidade espiritual de um ser diante do mundo. Sensação desagradável caracterizada por perda da sensibilidade e sensação de formigamento, e que geralmente ocorre nas extremidades dos membros. 5. Em biologia, é um período longo de inatividade, com metabolismo reduzido ou suspenso, geralmente associado a condições ambientais desfavoráveis; estivação.
13 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
14 Latência: 1. Estado, caráter daquilo que se acha latente, oculto. 2. Por extensão de sentido, é o período durante o qual algo se elabora, antes de assumir existência efetiva. 3. Em medicina, é o intervalo entre o começo de um estímulo e o início de uma reação associada a este estímulo; tempo de reação. 4. Em psicanálise, é o período (dos quatro ou cinco anos até o início da adolescência) durante o qual o interesse sexual é sublimado; período de latência.
15 Toxicidade: Capacidade de uma substância produzir efeitos prejudiciais ao organismo vivo.
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