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Novo método de avaliação de pacientes com traumatismo cranioencefálico visa salvar vidas

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Uma estrutura recém-proposta expande a avaliação do traumatismo1 cranioencefálico (TCE) agudo2 para além da Escala de Coma3 de Glasgow (ECG).

A estrutura possui quatro componentes conhecidos como pilares clínico, de biomarcadores, de imagem e modificador (CBI-M), relataram Geoffrey Manley, MD, PhD, da Universidade da Califórnia em São Francisco, e co-autores em um artigo publicado no The Lancet Neurology.

O pilar clínico incorpora as pontuações da ECG e a reatividade pupilar. O pilar de biomarcadores inclui medições sanguíneas da proteína ácida fibrilar4 glial (GFAP), da ubiquitina C-terminal hidrolase L1 (UCH-L1) ou da proteína B de ligação ao cálcio S100 (S100B). O pilar de imagem utiliza tomografia computadorizada5 e ressonância magnética6 para avaliar danos intracranianos, e o pilar modificador avalia fatores que podem influenciar a apresentação clínica e os desfechos, como comorbidades7 ou como o trauma ocorreu.

A ferramenta proposta pode levar a melhores diagnósticos e tratamentos e, em alguns casos, evitar discussões prematuras sobre a interrupção dos suportes de vida, disseram os pesquisadores.

Em matéria publicada no The New York Times, o Dr. Manley relatou o caso de um policial que ele tratou em 2002, logo após concluir sua formação médica, que ilustra bem o problema com o sistema atual de avaliação do TCE e que motivou em parte seu trabalho buscando um novo modelo.

O homem chegou ao pronto-socorro inconsciente, em coma3. Ele havia sofrido um terrível acidente de carro enquanto perseguia um criminoso. Dois dias depois, o mentor do Dr. Manley disse que era hora de dizer à família do homem que não havia esperança. Seus aparelhos de suporte à vida deveriam ser retirados. Ele deveria morrer.

O Dr. Manley resistiu. Os níveis de oxigênio no cérebro8 do paciente eram animadores. Sete dias depois, o policial ainda estava em coma3. O mentor do Dr. Manley o pressionou novamente para que conversasse com a família do homem sobre a retirada dos aparelhos de suporte à vida. Novamente, o Dr. Manley resistiu.

Dez dias após o acidente, o policial começou a sair do coma3. Três anos depois, ele voltou ao trabalho e foi nomeado Policial do Mês de São Francisco. Em 2010, foi Policial do Ano.

“Aquele caso, e outro semelhante”, disse o Dr. Manley, “mudaram minha prática”.

Leia sobre "Traumatismos cranianos", "Escala de Coma3 de Glasgow" e "Graus de consciência: quais são e como são classificados".

Mas pouca coisa mudou no mundo dos traumatismos cranioencefálicos desde que o paciente do Dr. Manley acordou. Desde 1974, os centros de trauma têm se baseado principalmente nas pontuações da ECG para avaliar os pacientes com base nos sintomas9 clínicos, classificando a gravidade do TCE como leve (13 a 15 pontos), moderada (9 a 12 pontos) ou grave (3 a 8 pontos). Isso ajudou a determinar o atendimento recebido pelos pacientes, mas muitas vezes não revelou a história completa, observou Manley.

Essa avaliação limitada resulta, por exemplo, em pacientes sendo informados de que “apenas” sofreram uma concussão, e que, por sua vez, têm dificuldade em obter tratamento para sintomas9 recorrentes, como lapsos de memória ou dores de cabeça10. E também resulta em alguns pacientes na mesma situação que o policial do caso relatado, que têm seus aparelhos de suporte à vida retirados quando poderiam ter se recuperado.

Agora, então, o Dr. Manley e outros 93 profissionais de 14 países estão propondo essa nova maneira de avaliar pacientes.

O pilar clínico da estrutura mantém a pontuação da ECG como elemento central. “Este pilar deve ser avaliado como prioridade em todos os pacientes”, disse o co-autor Andrew Maas, MD, PhD, do Hospital Universitário de Antuérpia, na Bélgica. “Pesquisas demonstraram que os elementos deste pilar são altamente preditivos da gravidade da lesão11 e do desfecho do paciente.”

A nova estrutura destina-se a pacientes com TCE de todas as gravidades (pontuação ECG 3-15). A sequência na qual os pilares são avaliados dependerá da condição clínica do paciente e dos recursos disponíveis.

Embora seja um avanço substancial, a estrutura CBI-M “ainda não é ideal”, observaram Jiyao Jiang, MD, da Universidade Jiao Tong de Xangai, na China, e colegas, em um comentário que acompanhou a publicação do artigo.

“O pilar dos biomarcadores pode ser aplicado principalmente à avaliação de pacientes com TCE leve e às sequelas12 de TCE agudo2, o que tem menos relevância na orientação do tratamento agudo2 para pacientes13 com TCE grave, nos quais as condições podem mudar rapidamente”, escreveram Jiang e co-autores.

“Semelhante ao pilar dos biomarcadores, o pilar dos modificadores (as características biopsicossociais de um indivíduo) pode ser valioso para prever desfechos em pacientes com TCE, mas tem efeito mínimo na tomada de decisão, particularmente durante a fase aguda do TCE”, continuaram.

A estrutura CBI-M não inclui a pressão intracraniana, “o índice fisiológico14 mais crucial no TCE moderado a grave”, acrescentaram os editorialistas.

“As ferramentas de classificação clínica precisam ser operáveis e seguir os princípios de simplicidade e praticidade”, destacaram Jiang e co-autores. “Para obter reconhecimento e aplicação em países ao redor do mundo, a estrutura CBI-M requer aprimoramento e testes práticos por meio de estudos de coorte15 prospectivos, multicêntricos e em larga escala, globais.”

Em 2022, as Academias Nacionais de Ciência, Engenharia e Medicina solicitaram um sistema de classificação de TCE atualizado. A estrutura CBI-M foi desenvolvida em resposta a essa recomendação e às mudanças na área, disseram Manley e colegas.

“Não apresentamos esta estrutura como um produto final”, enfatizaram. “A estrutura exigirá refinamento e validação em grandes estudos contemporâneos antes de ser considerada para implementação na prática clínica geral.”

A validação está em andamento e os resultados preliminares mostram fortes correlações dos componentes relacionados a lesões16 com os pilares do CBI-M, observaram.

Veja também sobre "Quadro neurológico tardio dos lutadores de boxe", "Concussão cerebral17" e "Amnésia18 global transitória".

No artigo publicado, os especialistas descrevem a proposta de nova caracterização do traumatismo1 cranioencefálico agudo2, denominada Iniciativa de Classificação e Nomenclatura de TCE do NIH-NINDS.

Eles relatam que a gravidade clínica do traumatismo1 cranioencefálico (TCE) é comumente classificada de acordo com a soma dos pontos da Escala de Coma3 de Glasgow (ECG) como leve (13-15), moderada (9-12) ou grave (3-8). Mas uma nova abordagem é necessária para caracterizar o TCE com mais precisão.

Em 2022, os Institutos Nacionais de Saúde19 dos EUA – Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame20 (NIH-NINDS) lançaram uma iniciativa internacional para atender a essa necessidade, com foco na fase aguda da lesão11. Seis grupos de trabalho compostos por especialistas em TCE, cientistas de implementação, pessoas com experiência de vida e parceiros federais foram estabelecidos, envolvendo 94 participantes de 14 países.

A nova estrutura proposta para a caracterização do TCE agudo2 incorpora quatro pilares: um pilar clínico (ECG completa e reatividade pupilar); um pilar de biomarcadores (medidas baseadas em exames de sangue21); um pilar de imagem (medidas patoanatômicas); e um pilar modificador (características que influenciam a apresentação e o desfecho clínico), resultado no modelo CBI-M.

A estrutura CBI-M fornece uma caracterização multidimensional do TCE para subsidiar o manejo clínico individualizado e aprimorar o rigor científico. As prioridades de pesquisa incluem a validação da estrutura CBI-M, a avaliação de sua aplicabilidade além da fase aguda do TCE e estratégias para implementação clínica.

 

Fontes;
The Lancet Neurology, Vol. 24, N° 6, em junho de 2025.
MedPage Today, notícia publicada em 23 de maio de 2025.
The New York Times, notícia publicada em 20 de maio de 2025.

 

NEWS.MED.BR, 2025. Novo método de avaliação de pacientes com traumatismo cranioencefálico visa salvar vidas. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1493160/novo-metodo-de-avaliacao-de-pacientes-com-traumatismo-cranioencefalico-visa-salvar-vidas.htm>. Acesso em: 20 ago. 2025.

Complementos

1 Traumatismo: Lesão produzida pela ação de um agente vulnerante físico, químico ou biológico e etc. sobre uma ou várias partes do organismo.
2 Agudo: Descreve algo que acontece repentinamente e por curto período de tempo. O oposto de crônico.
3 Coma: 1. Alteração do estado normal de consciência caracterizado pela falta de abertura ocular e diminuição ou ausência de resposta a estímulos externos. Pode ser reversível ou evoluir para a morte. 2. Presente do subjuntivo ou imperativo do verbo ”comer.”
4 Fibrilar: 1. Relativo a, constituído por ou disposto em fibrilas. 2. De conformação aproximadamente linear, insolúvel e de função estrutural ou de defesa (diz-se de proteína). 3. Apresentar fibrilação, ou seja, apresentar uma série de contrações rápidas e desordenadas das fibras musculares, sem, no entanto, contrair o músculo como um todo.
5 Tomografia computadorizada: Exame capaz de obter imagens em tons de cinza de “fatias†de partes do corpo ou de órgãos selecionados, as quais são geradas pelo processamento por um computador de uma sucessão de imagens de raios X de alta resolução em diversos segmentos sucessivos de partes do corpo ou de órgãos.
6 Ressonância magnética: Exame que fornece imagens em alta definição dos órgãos internos do corpo através da utilização de um campo magnético.
7 Comorbidades: Coexistência de transtornos ou doenças.
8 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
9 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
10 Cabeça:
11 Lesão: 1. Ato ou efeito de lesar (-se). 2. Em medicina, ferimento ou traumatismo. 3. Em patologia, qualquer alteração patológica ou traumática de um tecido, especialmente quando acarreta perda de função de uma parte do corpo. Ou também, um dos pontos de manifestação de uma doença sistêmica. 4. Em termos jurídicos, prejuízo sofrido por uma das partes contratantes que dá mais do que recebe, em virtude de erros de apreciação ou devido a elementos circunstanciais. Ou também, em direito penal, ofensa, dano à integridade física de alguém.
12 Sequelas: 1. Na medicina, é a anomalia consequente a uma moléstia, da qual deriva direta ou indiretamente. 2. Ato ou efeito de seguir. 3. Grupo de pessoas que seguem o interesse de alguém; bando. 4. Efeito de uma causa; consequência, resultado. 5. Ato ou efeito de dar seguimento a algo que foi iniciado; sequência, continuação. 6. Sequência ou cadeia de fatos, coisas, objetos; série, sucessão. 7. Possibilidade de acompanhar a coisa onerada nas mãos de qualquer detentor e exercer sobre ela as prerrogativas de seu direito.
13 Para pacientes: Você pode utilizar este texto livremente com seus pacientes, inclusive alterando-o, de acordo com a sua prática e experiência. Conheça todos os materiais Para Pacientes disponíveis para auxiliar, educar e esclarecer seus pacientes, colaborando para a melhoria da relação médico-paciente, reunidos no canal Para Pacientes . As informações contidas neste texto são baseadas em uma compilação feita pela equipe médica da Centralx. Você deve checar e confirmar as informações e divulgá-las para seus pacientes de acordo com seus conhecimentos médicos.
14 Fisiológico: Relativo à fisiologia. A fisiologia é estudo das funções e do funcionamento normal dos seres vivos, especialmente dos processos físico-químicos que ocorrem nas células, tecidos, órgãos e sistemas dos seres vivos sadios.
15 Estudos de coorte: Um estudo de coorte é realizado para verificar se indivíduos expostos a um determinado fator apresentam, em relação aos indivíduos não expostos, uma maior propensão a desenvolver uma determinada doença. Um estudo de coorte é constituído, em seu início, de um grupo de indivíduos, denominada coorte, em que todos estão livres da doença sob investigação. Os indivíduos dessa coorte são classificados em expostos e não-expostos ao fator de interesse, obtendo-se assim dois grupos (ou duas coortes de comparação). Essas coortes serão observadas por um período de tempo, verificando-se quais indivíduos desenvolvem a doença em questão. Os indivíduos expostos e não-expostos devem ser comparáveis, ou seja, semelhantes quanto aos demais fatores, que não o de interesse, para que as conclusões obtidas sejam confiáveis.
16 Lesões: 1. Ato ou efeito de lesar (-se). 2. Em medicina, ferimento ou traumatismo. 3. Em patologia, qualquer alteração patológica ou traumática de um tecido, especialmente quando acarreta perda de função de uma parte do corpo. Ou também, um dos pontos de manifestação de uma doença sistêmica. 4. Em termos jurídicos, prejuízo sofrido por uma das partes contratantes que dá mais do que recebe, em virtude de erros de apreciação ou devido a elementos circunstanciais. Ou também, em direito penal, ofensa, dano à integridade física de alguém.
17 Concussão cerebral: Perda imediata da consciência no momento de um trauma, mas recuperável em 24 horas ou menos e sem seqüelas. Acompanha-se de amnésia retrógrada e pós-traumática, isto é, o paciente não se recorda do trauma, dos momentos que o antecederam, nem de eventos imediatamente posteriores. Hoje a tendência é considerar a concussão como resultante de um grau leve de lesão axonal difusa.
18 Amnésia: Perda parcial ou total da memória.
19 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
20 Derrame: Conhecido popularmente como derrame cerebral, o acidente vascular cerebral (AVC) ou encefálico é uma doença que consiste na interrupção súbita do suprimento de sangue com oxigênio e nutrientes para o cérebro, lesando células nervosas, o que pode resultar em graves conseqüências, como inabilidade para falar ou mover partes do corpo. Há dois tipos de derrame, o isquêmico e o hemorrágico.
21 Sangue: O sangue é uma substância líquida que circula pelas artérias e veias do organismo. Em um adulto sadio, cerca de 45% do volume de seu sangue é composto por células (a maioria glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). O sangue é vermelho brilhante, quando oxigenado nos pulmões (nos alvéolos pulmonares). Ele adquire uma tonalidade mais azulada, quando perde seu oxigênio, através das veias e dos pequenos vasos denominados capilares.

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