Alguns pacientes com lesão cerebral se recuperariam se o suporte vital não fosse encerrado
Uma revisão de um número limitado de casos de pacientes não responsivos com lesões1 cerebrais traumáticas graves levantou questões sobre o costume de tomar uma decisão dentro de 72 horas. O estudo, publicado no Journal of Neurotrauma, sugere esperar mais antes de retirar o suporte vital.
Quando um paciente com lesão2 cerebral traumática grave está em coma3, em terapia intensiva4, sem resposta e conectado a um ventilador, mas sem morte cerebral5, quando é o momento de retirar o suporte vital? Um pequeno estudo sobre o destino das pessoas em tais situações sugere que os médicos e as famílias dos pacientes podem tomar decisões melhores se esperarem alguns dias a mais do que o habitual.
Muitas vezes, um médico reúne-se com familiares no prazo de 72 horas após a admissão do paciente nos cuidados intensivos para discutir o prognóstico6 do paciente e se pretende manter o seu ente querido vivo ou remover o suporte vital.
Especialistas dizem que muitos médicos descreveriam a perspectiva como sombria – provavelmente morte ou incapacidade grave. Os resultados relatados de pacientes que tiveram lesões1 cerebrais traumáticas graves mostram que na maioria das vezes a decisão é remover o suporte vital. O paciente morre.
Os pesquisadores por trás do novo estudo dizem que os seus dados limitados sugerem que as previsões dos médicos logo após a lesão2 estão frequentemente erradas.
O estudo utilizou um banco de dados nacional dos Estados Unidos que incluiu 1.392 pacientes com lesão2 cerebral traumática.
Examinando7 os dados, os pesquisadores acabaram comparando 80 pacientes com lesões1 graves que morreram após a retirada do suporte vital, com 80 pacientes semelhantes cujo suporte vital não foi retirado.
Na sua análise, eles descobriram que, entre 56 pacientes cujo suporte de vida foi continuado que foram acompanhados por 6 meses, a maioria dos pacientes morreu de qualquer maneira no hospital, em cerca de seis dias. Mas 42 por cento dos que continuaram com suporte vital se recuperaram o suficiente no ano seguinte para terem algum grau de independência. Alguns até retornaram às suas vidas anteriores.
Apesar das limitações do estudo, “estes dados são realmente úteis”, disse o Dr. Walter Koroshetz, diretor do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame8, que não esteve envolvido no estudo. Quanto mais tempo a família esperar para decidir, melhor será o prognóstico6 dos médicos, ele observou.
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A incerteza, porém, está sempre presente.
Os médicos sabem, observou Koroshetz, que a recuperação é lenta e geralmente dura meses ou até anos. Mas, disse ele, alguns pacientes que precisavam de ventiladores e que se esperava que levassem uma vida de extrema incapacidade chegam ao hospital um ano depois “conversando sobre o assunto com as enfermeiras”.
“Esse é o problema”, acrescentou. “As pessoas podem ter uma boa recuperação.”
Mas essas são as raras exceções. A maioria dos que sobrevivem acaba com deficiências permanentes.
A recuperação não é fácil. Os pacientes muitas vezes têm de passar meses em centros de reabilitação e, para alguns, o destino final pode ser uma casa de repouso.
Não há nada científico em tomar uma decisão em 72 horas, disse o Dr. Claude Hemphill, da Universidade da Califórnia, em São Francisco. Esse prazo tornou-se uma convenção porque, disse ele, “estas pessoas parecem muito doentes quando chegam”. Como consequência, acrescentou, “muitos médicos sentiram-se obrigados a tomar uma decisão precoce”.
Dr. Hemphill fez parte do grupo de pesquisa que forneceu os dados, mas não inscreveu pacientes nem os analisou para o estudo.
Yelena Bodien, neurocientista do Massachusetts General Hospital e do Spaulding Rehabilitation Hospital, disse que ela e seus colegas foram motivados a fazer o estudo com base em suas próprias experiências.
As famílias que visitavam os pacientes no centro de reabilitação disseram-lhe que os médicos dizam: “O seu ente querido nunca mais conseguirá andar, falar ou voltar ao trabalho”, contou ela.
Mas seus colegas tinham uma perspectiva diferente, dizendo-lhe: “Se não tomarmos uma decisão precoce, poderemos comprometer estes pacientes com uma vida que eles não gostariam”.
Ela disse que viu o problema.
“Os médicos estão em uma situação extremamente difícil. Os pacientes estão à beira da vida ou da morte com ferimentos incrivelmente devastadores”, disse ela. “Os médicos estão sob imensa pressão para fornecer às famílias um diagnóstico9 preciso.”
Pergunta-se às famílias que tipo de vida o paciente aceitaria. Pode não haver uma resposta fácil. Embora as pessoas saudáveis possam dizer que uma vida com uma deficiência grave seria completamente inaceitável, os pesquisadores falam do “paradoxo da deficiência”: muitas vezes, quando as pessoas ficam deficientes, relatam que ainda têm vidas significativas.
Isso é importante no aconselhamento às famílias, disse o Dr. Hemphill. Significa que os médicos devem ser humildes não apenas em relação à incerteza do prognóstico6, mas também em relação ao tipo de vida que seria aceitável.
Ele espera que os médicos considerem seriamente o novo estudo.
“Os médicos precisam ter uma mente aberta”, disse ele. “Talvez a verdade baseada em dados seja um pouco diferente daquilo que nos ensinaram na faculdade de medicina há 20 ou 30 anos.”
No artigo publicado, os pesquisadores analisaram o potencial de recuperação em pacientes que morreram após retirada do tratamento de suporte vital.
Eles relatam que, entre os pacientes com traumatismo10 cranioencefálico grave (TCE), há uma grande incerteza prognóstica, mas há evidências crescentes de que a recuperação da independência é possível.
No entanto, as famílias são frequentemente solicitadas a tomar decisões sobre a retirada do tratamento de suporte vital (RTSV) alguns dias após a lesão2. A gama de resultados potenciais para pacientes11 que morreram após RTSV (RTSV+) é desconhecida, representando um desafio para a modelagem prognóstica e aconselhamento clínico.
Investigou-se, portanto, o potencial de sobrevivência12 e recuperação da independência após TCE agudo13 em pacientes que morreram após RTSV. Foram usados dados do estudo Transforming Research and Clinical Knowledge in TBI (TRACK-TBI) e pareamento por escore de propensão para parear participantes com RTSV+ com aqueles com probabilidade semelhante de RTSV (com base em características demográficas e clínicas), mas para os quais o tratamento de suporte de vida não foi retirado (RTSV−).
Para otimizar o pareamento, dividiu-se a coorte14 de RTSV− em níveis (Nível 1 = 0-11%, Nível 2 = 11-27%, Nível 3 = 27-70% de propensão de RTSV). Estimou-se o nível de recuperação que poderia ser esperado nos participantes de RTSV+ avaliando os resultados da Escala de Resultados Estendida de Glasgow (GOSE) de 3, 6 e 12 meses e da Escala de Classificação de Incapacidade em participantes de RTSV− correspondentes.
Dos 90 participantes de RTSV+ (80% do sexo masculino, idade média [desvio padrão; DP] = 59,2 [17,9] anos, mediana [IQR] de dias para RTSV = 5,4 [2,2, 11,7]), 80 puderam ser comparados aos participantes de RTSV−.
Dos 56 participantes de RTSV− que foram acompanhados aos 6 meses, 31 (55%) morreram. Entre os sobreviventes na amostra global e os sobreviventes nos Níveis 1 e 2, mais de 30% recuperaram independência pelo menos parcial (GOSE ≥4). No Nível 3, a recuperação para GOSE ≥4 ocorreu aos 12 meses, mas não aos 6 meses, após a lesão2.
Estes resultados sugerem que uma proporção substancial de pacientes com TCE e RTSV poderia ter sobrevivido e alcançado pelo menos independência parcial. No entanto, a morte ou incapacidade grave é um resultado comum quando a probabilidade de RTSV é elevada. Embora seja necessária validação adicional, essas descobertas apoiam uma abordagem clínica mais cautelosa à RTSV e relatórios mais completos sobre a RTSV em estudos de TCE.
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Fontes:
Journal of Neurotrauma, publicação em 13 de maio de 2024.
The New York Times, notícia publicada em 17 de maio de 2024.