Células T alteradas atravessam a barreira hematoencefálica e levam medicamentos diretamente aos tumores cerebrais
Estudos em camundongos revelaram que células1 modificadas que administram terapias especificamente no cérebro2 podem controlar tumores e diminuir a inflamação3.
Pesquisadores descobriram uma maneira de programar células1 imunológicas para atacar o glioblastoma e tratar a inflamação3 da esclerose múltipla4 em camundongos. A tecnologia será testada em breve em um ensaio clínico para pessoas com glioblastoma.
Os cientistas, da Universidade da Califórnia em São Francisco (UCSF), desenvolveram um “GPS molecular” para guiar células1 imunológicas até o cérebro2 e destruir tumores sem danificar o tecido5 saudável.
Essa terapia com células1 vivas pode navegar pelo corpo até um órgão específico, abordando o que até então era uma grande limitação das terapias contra o câncer6 com células1 CAR-T. A tecnologia funcionou em camundongos e os pesquisadores esperam que ela seja testada em um ensaio clínico no próximo ano.
Os cientistas mostraram como as células1 imunológicas podem eliminar um tumor7 cerebral mortal chamado glioblastoma e prevenir recorrências8. Eles também usaram as células1 para conter a inflamação3 em um modelo murino de esclerose múltipla4.
“As células1 vivas, especialmente as células1 imunes, são adaptadas para se mover pelo corpo, sentir onde estão e encontrar seus alvos”, disse Wendell Lim, PhD, professor de farmacologia9 celular e molecular da UCSF e co-autor sênior10 do artigo, publicado na revista Science.
Quase 300.000 pacientes são diagnosticados com câncer6 cerebral a cada ano nos Estados Unidos, e esta é a principal causa de mortalidade11 por câncer6 em crianças.
O câncer6 cerebral está entre os cânceres mais difíceis de tratar. Cirurgia e quimioterapia12 são arriscadas, e os medicamentos nem sempre conseguem chegar ao cérebro2.
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Para contornar esses problemas, os cientistas desenvolveram esse “GPS molecular” para células1 imunes que as guiava com um “CEP” para o cérebro2 e um “endereço” para o tumor7.
Eles encontraram o CEP molecular ideal em uma proteína chamada brevican, que ajuda a formar a estrutura gelatinosa do cérebro2 e só aparece lá. Para o endereço, eles usaram duas proteínas14 encontradas na maioria dos cânceres cerebrais.
Os cientistas programaram as células1 imunes para atacar apenas se primeiro detectassem o brevican e, em seguida, detectassem uma ou outra das proteínas14 do câncer6 cerebral.
Uma vez na corrente sanguínea, elas navegaram facilmente até o cérebro2 do camundongo e eliminaram um tumor7 em crescimento. As células1 imunes que permaneceram na corrente sanguínea permaneceram dormentes. Isso impediu que tecidos em outras partes do corpo que por acaso tivessem o mesmo “endereço” proteico fossem atacados.
Cem dias depois, os cientistas introduziram novas células1 tumorais no cérebro2, e células1 imunes suficientes ainda restavam para encontrá-las e matá-las, um bom indício de que essas células1 imunes podem ser capazes de impedir que quaisquer células1 cancerígenas remanescentes voltem a crescer.
“As células1 CAR-T desenvolvidas para o cérebro2 foram muito, muito eficazes na eliminação do glioblastoma em nossos modelos murinos, a intervenção mais eficaz que já vimos em laboratório”, disse Milos Simic, PhD, bolsista de Design Celular da Fundação Valhalla e co-autor do artigo. “Isso mostra o quão bem o GPS garantiu que elas funcionariam apenas no cérebro2. A mesma estratégia funcionou até mesmo para eliminar metástases15 cerebrais de câncer6 de mama16.”
Em outro experimento, os pesquisadores usaram o sistema de GPS cerebral para projetar células1 que fornecem moléculas anti-inflamatórias ao cérebro2 em um modelo murino de esclerose múltipla4. As células1 projetadas atingiram seu alvo e a inflamação3 diminuiu.
Os cientistas esperam que essa abordagem esteja pronta em breve para pacientes17 com outras doenças debilitantes do sistema nervoso18.
“O glioblastoma é um dos cânceres mais mortais, e essa abordagem está pronta para dar aos pacientes uma chance de lutar”, disse Hideho Okada, MD, oncologista da UCSF e co-autor sênior10 do artigo.
“Entre câncer6, metástases15 cerebrais, doenças imunológicas e neurodegeneração, milhões de pacientes poderão um dia se beneficiar de terapias cerebrais direcionadas como a que desenvolvemos.”
Confira a seguir o resumo do artigo publicado.
Programação de células1 T sensíveis a tecidos que administram terapias ao cérebro2
O tratamento de distúrbios do sistema nervoso central19 (SNC20), como tumores cerebrais, neuroinflamação e neurodegeneração, continua desafiador, pois é difícil administrar terapias moleculares ao cérebro2 de forma eficaz. Além disso, é difícil restringir a ação dessas terapias ao cérebro2 para evitar toxicidades periféricas ou sistêmicas.
As células1 imunes evoluíram para se infiltrar em diversos tecidos, integrar informações sobre o ambiente e remodelar os ecossistemas teciduais. As células1 T, por exemplo, podem atravessar a barreira hematoencefálica em condições saudáveis e patogênicas. Essas propriedades as tornam veículos de administração ideais para o SNC20.
Em princípio, se as células1 forem programadas para administrar de forma seletiva e autônoma cargas terapêuticas ao cérebro2, pode-se reduzir a toxicidade21 sistêmica fora do alvo e aumentar a eficácia. A hipótese desse estudo é que seria possível projetar células1 imunes para atuarem apenas de maneira específica para cada tecido5.
Uma maneira de utilizar células1 T para entregar cargas úteis seletivamente ao cérebro2 seria projetá-las para reconhecer antígenos22 específicos do SNC20 normais (não relacionados a doenças) e usar essa indicação anatômica para induzir localmente a produção de um agente terapêutico. Esse sistema de entrega específico para o SNC20, baseado em células1, poderia servir como uma plataforma geral para o tratamento de diversas doenças do SNC20.
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Criou-se então um conjunto de células1 T sensoriais cerebrais programadas para entregar cargas úteis terapêuticas localmente, personalizadas para câncer6 ou neuroinflamação. Primeiramente, identificou-se um conjunto de ligantes extracelulares específicos do SNC20 usando dados de expressão disponíveis publicamente para estabelecer potenciais marcadores “GPS” cerebrais. Identificou-se proteínas14 como o brevican (BCAN), que são componentes da matriz extracelular altamente singular do cérebro2 e podem ser exploradas para reconhecimento específico de tecidos.
Rastreou-se anticorpos23 contra esses antígenos22 específicos do SNC20, os quais foram utilizados para construir receptores Notch sintéticos ativados pelo SNC20 (synNotch), receptores projetados que detectam um antígeno24 extracelular e respondem induzindo uma resposta transcricional.
Para demonstrar o potencial terapêutico dessa abordagem, utilizou-se essa plataforma para induzir localmente um conjunto de cargas úteis geneticamente codificadas, direcionadas a diferentes doenças do SNC20.
Células1 T sensíveis ao cérebro2 que induziram a expressão de CAR (receptor de antígeno24 quimérico) foram capazes de tratar cânceres cerebrais primários e secundários, incluindo modelos murinos de glioblastoma e metástases15 de câncer6 de mama16, sem ataque a tecidos fora do cérebro2. Por outro lado, a expressão induzida pelo SNC20 da citocina25 imunossupressora interleucina-10 (IL-10) melhorou a neuroinflamação na encefalomielite autoimune26 experimental, um modelo murino de esclerose múltipla4.
Essa estratégia de indução celular direcionada ao tecido5 fornece dois níveis de especificidade. Primeiro, a célula27 apresenta especificidade anatomicamente restrita, visto que as células1 são induzidas apenas no SNC20, e segundo, a carga útil (por exemplo, CAR, citocina25, anticorpo28) possui sua própria especificidade intrínseca de direcionamento molecular.
Essa estratégia de direcionamento aninhada e multiescala imita os princípios da especificidade biológica natural, evitando potenciais reações cruzadas sistêmicas indesejadas da carga molecular, ao mesmo tempo em que concentra suas ações de forma mais eficaz no tecido5-alvo.
Esses resultados sugerem que células1 sensoriais cerebrais podem ser usadas como uma plataforma geral para tratar um conjunto mais amplo de doenças do SNC20, incluindo tumores cerebrais, metástases15 cerebrais, neuroinflamação e neurodegeneração.
Embora o estudo tenha se concentrado no direcionamento do SNC20, esse conceito pode ser aplicado a um conjunto mais amplo de tecidos. Células1 terapêuticas direcionadas a tecidos fornecem uma abordagem para integrar sinais29 endógenos e de doenças para gerar terapias mais específicas e eficazes.
Fontes:
Science, Vol. 386, N° 6726, em dezembro de 2024.
EurekAlert!, notícia publicada em 5 de dezembro de 2024.