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Descoberto novo tipo de célula cerebral, o astrócito glutamatérgico, que atua como um híbrido de neurônios e glia

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Foi descoberto um novo tipo de célula1 cerebral, chamada astrócito glutamatérgico. Ela se comporta como um híbrido2 de neurônios3 e glia, e pode explicar como algumas doenças neurodegenerativas, como o Parkinson, se desenvolvem. Os achados foram publicados na revista Nature.

As células4 cerebrais podem ser amplamente categorizadas em dois tipos: neurônios3 e glia. Considera-se normalmente que os neurônios3 se comunicam entre si através das sinapses, ou junções, entre eles, enquanto a glia não usa esse tipo de sinalização.

A transmissão sináptica ocorre quando um neurônio é eletricamente excitado e libera uma substância química, chamada neurotransmissor, no espaço entre ele e outro neurônio, o que leva à ativação do segundo neurônio. Essa habilidade foi amplamente considerada exclusiva dos neurônios3.

Mas há duas décadas, Andrea Volterra, agora na Universidade de Lausanne, na Suíça, e os seus colegas anunciaram que tinham descoberto que algumas células gliais5 também podiam utilizar transmissão semelhante à sináptica para comunicar com outras células4. No entanto, as descobertas revelaram-se controversas à medida que outros investigadores lutavam para replicá-las.

Agora, Volterra e uma equipe diferente usaram técnicas modernas para finalmente acabar com essa polêmica.

Os pesquisadores analisaram dados sobre a produção de moléculas de RNA por genes em células4 de camundongos, que são intermediárias na produção de proteínas6, para ver se conseguiam encontrar os complexos proteicos necessários para a transmissão sináptica em outras células4 além dos neurônios3. A equipe analisou especificamente as células4 da região do hipocampo7 do cérebro8, porque é aqui que a pesquisa anterior afirmava ter detectado a transmissão sináptica não neuronal.

A análise revelou vários aglomerados de astrócitos9, um tipo de glia, que pareciam também possuir a capacidade de participar na transmissão sináptica. As células4 pareciam liberar o neurotransmissor glutamato, que é o neurotransmissor mais comum no cérebro8. Os pesquisadores então confirmaram a presença dos genes envolvidos nisso, estudando fatias cerebrais de camundongos adultos. Os pesquisadores cunharam essas células4 como astrócitos9 glutamatérgicos.

Leia sobre "Neurotransmissores - quais são e como agem", "Neurociência - o que ela estuda" e "Exame neurológico".

“Essas células4 são um pouco como astrócitos9 e um pouco como neurônios”, diz Volterra. “Elas estão secretando neurotransmissores com mecanismo e velocidade que normalmente só estão ligados aos neurônios3. É por isso que a chamamos de uma espécie de célula1 híbrida10.”

Os pesquisadores então usaram um tipo de técnica de microscopia fluorescente chamada imagem de dois fótons para estudar a liberação de glutamato por essas células4 no cérebro8 dos ratos. “Os sinais11 que vemos têm uma ordem de velocidade semelhante à dos neurônios”, diz Volterra.

Ele e seus colegas também encontraram assinaturas proteicas semelhantes de transmissão sináptica em células4 não neuronais em humanos, observando conjuntos de dados existentes. “As descobertas sugerem que estas células4 são conservadas nas pessoas”, diz Ludovic Telley, membro da equipe, também da Universidade de Lausanne.

Os pesquisadores não sabem quantas dessas células4 podem ser encontradas no cérebro8, ou se estão principalmente no hipocampo7.

Não está claro por que o cérebro8 precisa de células gliais5 que se comuniquem através da transmissão sináptica, diz Volterra. Ele especula que isso poderia levar a uma maior coordenação de sinais11. “Muitas vezes, temos informações neuronais que precisam se espalhar para conjuntos maiores e os neurônios3 não são muito bons para a coordenação disso”, diz ele. Um astrócito pode estar em contato com 100 mil sinapses em ratos, o que pode significar que os sinais11 vão mais longe de uma forma mais coordenada, diz ele. Eles podem atingir milhões de sinapses em humanos.

Estas células4 também parecem estar em circuitos cerebrais envolvidos no movimento, que degeneram na doença de Parkinson, diz Volterra. Uma melhor compreensão das células4 poderia nos dar uma visão12 melhor sobre como lidar com a doença, diz ele.

No artigo publicado, os pesquisadores relatam que astrócitos9 especializados medeiam a gliotransmissão glutamatérgica no sistema nervoso central13.

Eles contextualizam que as comunicações multimodais astrócito-neurônio governam a montagem e função dos circuitos cerebrais. Por exemplo, através da rápida liberação de glutamato, os astrócitos9 podem controlar a excitabilidade, a plasticidade e a atividade síncrona das redes sinápticas, ao mesmo tempo que contribuem para a sua desregulação em condições neuropsiquiátricas.

Para que os astrócitos9 se comuniquem através da rápida liberação focal de glutamato, eles devem possuir um aparelho para exocitose14 dependente de Ca2+ semelhante aos neurônios3. No entanto, a existência deste mecanismo tem sido questionada devido a dados inconsistentes e à falta de evidências diretas de apoio.

Neste estudo revisitou-se a hipótese da exocitose14 do glutamato em astrócitos9, considerando a heterogeneidade molecular emergente dos astrócitos9 e usando abordagens moleculares, bioinformáticas e de imagem, juntamente com ferramentas genéticas específicas de células4 que interferem na exocitose14 do glutamato in vivo.

Ao analisar bancos de dados existentes de sequenciamento de RNA unicelular e os dados de patch-seq, identificou-se nove aglomerados molecularmente distintos de astrócitos9 do hipocampo7, entre os quais encontrou-se uma subpopulação notável que expressava seletivamente maquinaria de liberação de glutamato do tipo sináptico e localizada em locais discretos do hipocampo7.

Usando imagens de glutamato baseadas em GluSnFR (repórter fluorescente sensível ao glutamato) in situ15 e in vivo, identificou-se um subgrupo correspondente de astrócitos9 que responde de forma confiável a estímulos seletivos de astrócitos9 com eventos de liberação de glutamato em subsegundos em pontos de acesso espacialmente precisos, que foram suprimidos pela deleção do transportador de glutamato vesicular 1 (VGLUT1) direcionada a astrócitos9.

Além disso, a deleção deste transportador ou de sua isoforma VGLUT2 revelou contribuições específicas de astrócitos9 glutamatérgicos nos circuitos córtico-hipocampal e nigroestriatal durante o comportamento normal e processos patológicos.

Ao descobrir esta subpopulação atípica de astrócitos9 especializados no cérebro8 adulto, os pesquisadores fornecem insights sobre os papéis complexos dos astrócitos9 na fisiologia16 e nas doenças do sistema nervoso central13, e identificam um potencial alvo terapêutico.

Veja também sobre "Doenças degenerativas17" e "Mal de Parkinson".

 

Fontes:
Nature, publicação em 06 de setembro de 2023.
New Scientist, notícia publicada em 06 de setembro de 2023.

 

NEWS.MED.BR, 2023. Descoberto novo tipo de célula cerebral, o astrócito glutamatérgico, que atua como um híbrido de neurônios e glia. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1459415/descoberto-novo-tipo-de-celula-cerebral-o-astrocito-glutamatergico-que-atua-como-um-hibrido-de-neuronios-e-glia.htm>. Acesso em: 27 abr. 2024.

Complementos

1 Célula: Unidade funcional básica de todo tecido, capaz de se duplicar (porém algumas células muito especializadas, como os neurônios, não conseguem se duplicar), trocar substâncias com o meio externo à célula, etc. Possui subestruturas (organelas) distintas como núcleo, parede celular, membrana celular, mitocôndrias, etc. que são as responsáveis pela sobrevivência da mesma.
2 Híbrido: Em genética, diz-se do organismo formado pelo cruzamento de dois progenitores de raças, linhagens, variedades, espécies ou gêneros diferentes e que frequentemente é estéril. O hibridismo, natural ou manipulado, é comum entre as plantas, mas o exemplo mais conhecido é o burro ou mula, cruza entre o cavalo e a jumenta ou entre a égua e o jumento. Em linguística, diz-se da palavra formada por elementos tomados de línguas diferentes, como bicicleta: bi (latim), cicle (grego), eta (do italiano etta). Em sentido figurado, que ou o que é composto de elementos diferentes, heteróclitos, disparatados.
3 Neurônios: Unidades celulares básicas do tecido nervoso. Cada neurônio é formado por corpo, axônio e dendritos. Sua função é receber, conduzir e transmitir impulsos no SISTEMA NERVOSO. Sinônimos: Células Nervosas
4 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
5 Células gliais:
6 Proteínas: Um dos três principais nutrientes dos alimentos. Alimentos que fornecem proteína incluem carne vermelha, frango, peixe, queijos, leite, derivados do leite, ovos.
7 Hipocampo: Elevação curva da substância cinzenta, que se estende ao longo de todo o assoalho no corno temporal do ventrículo lateral (Tradução livre de Córtex Entorrinal; Via Perfurante;
8 Cérebro: Derivado do TELENCÉFALO, o cérebro é composto dos hemisférios direito e esquerdo. Cada hemisfério contém um córtex cerebral exterior e gânglios basais subcorticais. O cérebro inclui todas as partes dentro do crânio exceto MEDULA OBLONGA, PONTE e CEREBELO. As funções cerebrais incluem as atividades sensório-motora, emocional e intelectual.
9 Astrócitos: Classe de grandes células da neuroglia (macrogliais) no sistema nervoso central (as maiores e mais numerosas células da neuroglia localizadas no cérebro e na medula espinhal). Os astrócitos (células “estrela“) têm forma irregular, com vários processos longos, incluindo aqueles com “pés terminais“; estes formam a membrana glial (limitante) e, direta ou indiretamente, contribuem para a BARREIRA HEMATO-ENCEFÁLICA. Regulam o meio extracelular químico e iônico e os “astrócitos reativos“ (junto com a MICROGLIA) respondem a lesão. Barreira Hematoencefálica;
10 Híbrida: Em genética, diz-se do organismo formado pelo cruzamento de dois progenitores de raças, linhagens, variedades, espécies ou gêneros diferentes e que frequentemente é estéril. O hibridismo, natural ou manipulado, é comum entre as plantas, mas o exemplo mais conhecido é o burro ou mula, cruza entre o cavalo e a jumenta ou entre a égua e o jumento. Em linguística, diz-se da palavra formada por elementos tomados de línguas diferentes, como bicicleta: bi (latim), cicle (grego), eta (do italiano etta). Em sentido figurado, que ou o que é composto de elementos diferentes, heteróclitos, disparatados.
11 Sinais: São alterações percebidas ou medidas por outra pessoa, geralmente um profissional de saúde, sem o relato ou comunicação do paciente. Por exemplo, uma ferida.
12 Visão: 1. Ato ou efeito de ver. 2. Percepção do mundo exterior pelos órgãos da vista; sentido da vista. 3. Algo visto, percebido. 4. Imagem ou representação que aparece aos olhos ou ao espírito, causada por delírio, ilusão, sonho; fantasma, visagem. 5. No sentido figurado, concepção ou representação, em espírito, de situações, questões etc.; interpretação, ponto de vista. 6. Percepção de fatos futuros ou distantes, como profecia ou advertência divina.
13 Sistema Nervoso Central: Principais órgãos processadores de informação do sistema nervoso, compreendendo cérebro, medula espinhal e meninges.
14 Exocitose: Processo ativo no qual o material intracelular é transportado, através de vesículas, para o meio extracelular.
15 In situ: Mesmo que in loco , ou seja, que está em seu lugar natural ou normal (diz-se de estrutura ou órgão). Em oncologia, é o que permanece confinado ao local de origem, sem invadir os tecidos vizinhos (diz-se de tumor).
16 Fisiologia: Estudo das funções e do funcionamento normal dos seres vivos, especialmente dos processos físico-químicos que ocorrem nas células, tecidos, órgãos e sistemas dos seres vivos sadios.
17 Degenerativas: Relativas a ou que provocam degeneração.
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