A entrega direcionada de RNAm levará a curas mais baratas para muitas doenças
A tecnologia das vacinas de RNAm para Covid-19 pode ser adaptada para fornecer material genético às células-tronco1 do sangue2 na medula óssea3, mostram estudos em animais descritos em artigo na revista Science. Isso deve levar a tratamentos melhores e mais baratos para uma ampla gama de condições, desde distúrbios hereditários e doenças infecciosas, como o HIV4, até mesmo o envelhecimento.
“Com uma única injeção5, você pode modificar o destino das células”, diz Stefano Rivella, do Hospital Infantil da Filadélfia e um dos autores do artigo publicado. “Este é o futuro da medicina. O céu é o limite.”
RNAsm, ou RNAs mensageiros, carregam instruções para a produção de proteínas6. Eles podem ser feitos para instruir as células7 a produzir qualquer proteína que quisermos, incluindo aquelas necessárias para as várias formas de edição do genoma por CRISPR. Ser capaz de entregar RNAsm dentro de células-tronco1 do sangue2, portanto, abre uma vasta gama de possibilidades.
As células-tronco1 na medula óssea3 produzem muitos tipos de células7, incluindo glóbulos vermelhos e as células7 imunológicas que combatem doenças. Algumas doenças hereditárias que afetam as células7 do sangue2, desde a talassemia8 beta até a imunodeficiência9 combinada grave, já podem ser curadas com a retirada de células-tronco1 do sangue2 de um indivíduo, corrigindo as mutações que as causam e substituindo as células da medula óssea10. Por exemplo, espera-se que um tratamento de edição genética CRISPR para doença falciforme seja aprovado em breve.
Mas há dois problemas principais com essa abordagem. Em primeiro lugar, a natureza personalizada do tratamento torna-o muito demorado e dispendioso.
Em segundo lugar, antes que as células-tronco1 do sangue2 modificadas sejam devolvidas ao corpo, algumas das células-tronco1 do sangue2 existentes na medula óssea3 devem ser mortas para abrir espaço para elas. Isso é feito com drogas altamente tóxicas que podem causar efeitos colaterais11 graves e geralmente deixam as pessoas inférteis.
Modificar as células-tronco1 do sangue2 dentro do corpo pode resolver esses dois problemas, então muitas equipes ao redor do mundo estão trabalhando nisso.
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Rivella e seus colegas começaram com pequenas bolas gordurosas encontradas em vacinas de RNAm chamadas nanopartículas lipídicas. Quando injetadas nos músculos12, essas nanopartículas entregam RNAsm às células musculares13, que então produzem as proteínas6 codificadas pelos RNAsm por alguns dias até que os RNAsm se quebrem.
Se as nanopartículas lipídicas forem injetadas na corrente sanguínea, quase todas elas serão absorvidas pelas células7 do fígado14. Isso pode ser útil para tratar doenças do fígado14, mas é um problema para a maioria das outras condições. Para colocar as nanopartículas nas células-tronco1 do sangue2, a equipe anexou anticorpos15 que se ligam a uma proteína encontrada na superfície das células-tronco1.
Ao contrário dos vírus16 que alguns grupos usaram para entregar RNAm nas células7, as nanopartículas lipídicas podem transportar RNAsm muito grandes. “Até agora, o que queríamos encapsular, conseguimos”, diz Hamideh Parhiz, da Universidade da Pensilvânia.
Rivella, Parhiz e seus colegas fizeram uma série de experimentos em camundongos para mostrar que essas nanopartículas lipídicas direcionadas a anticorpos15 podem fornecer RNAsm para células-tronco1 do sangue2. Por exemplo, depois de injetar nanopartículas contendo RNAsm que codificam uma proteína brilhante chamada luciferase, as células da medula óssea10 nos fêmures dos camundongos se iluminaram.
Até 60% das células-tronco1 foram modificadas, diz Rivella. Muitas células7 do fígado14 também se iluminaram, porque as nanopartículas lipídicas direcionadas aos anticorpos15 ainda foram absorvidas pelas células7 do fígado14. Para muitos propósitos, isso não importa, diz ele. Por exemplo, não é um problema se as mutações que causam a doença falciforme forem consertadas no fígado14, bem como na medula óssea3.
Mas, para alguns propósitos, isso importa. Assim, a equipe adicionou um “interruptor” aos RNAsm que é desligado por uma molécula encontrada apenas nas células7 do fígado14. Isso impediu que o fígado14 produzisse luciferase, mas a medula óssea3 ainda a produziu.
Em seguida, os pesquisadores usaram essa abordagem para fornecer um RNAm que causa o suicídio celular para matar as células-tronco1 do sangue2 sem prejudicar outros tecidos. Isso significa que a técnica pode substituir as drogas altamente tóxicas usadas atualmente para “abrir espaço” para transplantes de medula óssea3, eliminando os efeitos colaterais11.
“Esta é uma união de avanços tecnológicos fenomenais que não apenas melhorarão as abordagens curativas para doenças genéticas nos países bem desenvolvidos, mas também prometem acesso global”, diz Suk See De Ravin, do National Institutes of Allergy and Infectious Diseases em Maryland, Estados Unidos, que trabalha com terapias genéticas.
Outro uso potencial da técnica seria para “doping genético” nos esportes; por exemplo, aumentando a produção de glóbulos vermelhos para transportar mais oxigênio pelo corpo, de maneiras que seriam difíceis de detectar.
No artigo publicado, os pesquisadores relatam a modificação in vivo de células-tronco1 hematopoiéticas por entrega de RNAm.
Eles contextualizam que as células-tronco1 hematopoiéticas (CTHs) são a fonte de todas as células sanguíneas17 ao longo da vida de um indivíduo. As CTHs doentes podem ser substituídas por CTHs geneticamente modificadas ou saudáveis por meio de transplante de CTH (TCTH). No entanto, os protocolos atuais carregam efeitos colaterais11 importantes e têm acesso limitado.
Desenvolveu-se então a CD117/LNP–RNA mensageiro (RNAm), uma nanopartícula lipídica (NPL) que encapsula RNAm e é direcionada ao receptor do fator de células-tronco1 (CD117) em CTHs.
A entrega do sistema de edição baseado em CD117/LNP anti-humano produziu correção quase completa de células7 falciformes hematopoiéticas. Além disso, a entrega in vivo de RNAm de PUMA (modulador da apoptose18 suprarregulado por p53) pró-apoptótico com CD117/LNP afetou a função de CTH e permitiu o condicionamento não genotóxico para TCTH.
A capacidade de direcionar CTHs in vivo oferece um regime de condicionamento não genotóxico para TCTH, e essa plataforma pode ser a base da edição do genoma in vivo para curar distúrbios genéticos, o que anularia a necessidade de TCTH.
Veja também sobre "Transplante de medula óssea3" e "Vacinas contra a COVID-19".
Fontes:
Science, Vol. 381, Nº 6656, em 27 de julho de 2023.
New Scientist, notícia publicada em 27 de julho de 2023.