A endometriose pode ser causada por infecções bacterianas
As infecções1 por uma bactéria2 que contribui para a periodontite, uma doença gengival, podem causar endometriose3, uma condição na qual os tecidos que revestem o útero4 crescem fora dele e formam lesões5 dolorosas. A descoberta sugere que os antibióticos podem prevenir ou tratar a doença.
Em um estudo publicado na revista Science Translational Medicine, Yutaka Kondo, da Universidade de Nagoya, no Japão, e seus colegas examinaram amostras de tecido6 endometrial de 28 mulheres, metade das quais foram diagnosticadas com endometriose3.
A análise genética das amostras revelou anormalidades em células7 chamadas fibroblastos8, que formam tecidos conjuntivos. Esses fibroblastos8 tinham atividade aumentada em 13 genes em comparação com aqueles de pessoas sem a doença. Um gene, TAGLN, impulsiona a produção de uma proteína para ajudar as células7 a proliferar e migrar, potencialmente explicando por que as células7 endometriais crescem fora do útero4 na endometriose3.
A atividade do TAGLN também é aumentada pela inflamação9, que pode ocorrer devido a uma infecção10 bacteriana. Usando um corante fluorescente, os pesquisadores procuraram patógenos bacterianos dentro dos tecidos endometriais coletados de um grupo separado de 84 mulheres, metade das quais tinha endometriose3. Eles detectaram a bactéria2 Fusobacterium nucleatum em 64 por cento das pessoas com a doença contra 7 por cento das pessoas sem ela.
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Em seguida, os pesquisadores usaram um modelo de camundongo para entender o papel que a F. nucleatum pode desempenhar na doença. Camundongos não menstruam, portanto não podem desenvolver endometriose3. Para imitar a condição, os pesquisadores primeiro infectaram camundongos com F. nucleatum. Em seguida, eles coletaram amostras uterinas e as injetaram no abdômen de outros 12 camundongos. Os camundongos receberam injeções hormonais semanais para promover o crescimento das lesões5.
Após quatro semanas, o número médio de lesões5 endometriais em camundongos que receberam amostras uterinas infectadas foi mais que o dobro do observado em nove outros camundongos que receberam amostras não infectadas. As lesões5 também eram cerca de cinco vezes maiores que as dos animais de controle, sugerindo que a F. nucleatum estimula o crescimento e a disseminação das lesões5 endometriais.
Em um teste posterior em camundongos, os antibióticos impediram a proliferação do tecido6 endometrial fora do útero4 e reduziram o tamanho das lesões5. Os pesquisadores não testaram o tratamento com antibióticos para endometriose3 em humanos. “Não sabemos se a erradicação dessa bactéria2 é realmente eficaz para o tratamento da endometriose”, diz Kondo. “Esses estudos estão em andamento.”
A F. nucleatum é comumente encontrada na boca11 e contribui para doenças gengivais. A equipe de Kondo mostrou que ela pode viajar pelo sangue12, que pode ser a forma como infecta as células7 endometriais. “Essa bactéria2 também pode ser encontrada no reto13, que fica bem próximo à vagina”, diz ele, indicando outra possível via de transmissão.
“Acho incomum que seja um único patógeno que está causando a endometriose3, em vez de um grupo de patógenos ou muitos patógenos contribuindo independentemente para a doença”, diz Christine Metz, do Feinstein Institutes for Medical Research, em Nova York. Mas ela diz que esses resultados se alinham com pesquisas anteriores que ligaram a endometrite crônica – uma condição separada causada por infecções1 bacterianas – com um risco aumentado de endometriose3.
No artigo, os pesquisadores relatam como a infecção10 por Fusobacterium facilita o desenvolvimento de endometriose3 através da transição fenotípica14 de fibroblastos8 endometriais.
Eles contextualizam que a menstruação15 retrógrada é uma causa amplamente aceita de endometriose3. No entanto, nem todas as mulheres que apresentam menstruação15 retrógrada desenvolvem endometriose3, e os mecanismos subjacentes a essas observações ainda não são compreendidos.
Neste estudo, demonstrou-se um papel patogênico16 da Fusobacterium na formação da endometriose3 ovariana. Em uma coorte17 de mulheres, 64% das pacientes com endometriose3, mas <10% das controles, apresentaram infiltração de Fusobacterium no endométrio18.
Análises imuno-histoquímicas e bioquímicas revelaram que a sinalização ativada do fator de transformação do crescimento β (TGF-β) resultante da infecção10 por Fusobacterium de células7 endometriais levou à transição de fibroblastos8 quiescentes para miofibroblastos positivos para transgelina (TAGLN), que ganharam a capacidade de proliferar, aderir, e migrar in vitro.
A inoculação19 de Fusobacterium em um modelo de camundongo singênico de endometriose3 resultou em um aumento acentuado de miofibroblastos positivos para TAGLN e aumento do número e peso das lesões5 endometrióticas.
Além disso, o tratamento com antibióticos impediu amplamente o estabelecimento da endometriose3 e reduziu o número e o peso das lesões5 endometrióticas estabelecidas no modelo de camundongo.
Esses dados suportam um mecanismo para a patogênese20 da endometriose3 via infecção10 por Fusobacterium e sugerem que a erradicação dessa bactéria2 pode ser uma abordagem para tratar a endometriose3.
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Fontes:
Science Translational Medicine, Vol. 15, Nº 700, em 14 de junho de 2023.
New Scientist, notícia publicada em 14 de junho de 2023.