Pessoas com resistência parcial ao Alzheimer podem inspirar novos medicamentos
Foi relatado na revista Nature Medicine o segundo caso mundial de resistência extrema comprovada à doença de Alzheimer1 autossômica2 dominante, sugerindo uma nova maneira de retardar a progressão da doença.
Pesquisadores identificaram duas pessoas da mesma comunidade colombiana com genes que tanto promovem quanto previnem a doença de Alzheimer1 de início precoce – uma descoberta que pode levar a novos tratamentos.
A experiência dessas pessoas sugere que uma proteína chamada tau, que se acumula dentro das células3 cerebrais em pessoas com Alzheimer4, pode ser tão crucial, senão mais, do que a principal suspeita atual, uma proteína chamada beta amiloide.
Medicamentos estão em desenvolvimento com o objetivo de reduzir a perda de memória e confusão da doença de Alzheimer1, diminuindo os níveis de amiloide, mas seus efeitos são muito pequenos – tão pequenos, na verdade, que podem não ser aprovados para uso em países com serviços de saúde5 mais preocupados com os custos.
As pessoas com resistência parcial ao Alzheimer4 fazem parte de uma comunidade que vive na Colômbia com altos níveis de uma variante genética de risco chamada PSEN1-280A, descoberta na década de 1980. Acredita-se que a variante tenha sido introduzida por um conquistador espanhol no século XVII. Os portadores vivem em uma região isolada da Cordilheira dos Andes, distribuídos por cerca de 25 famílias.
O gene codifica uma enzima6 envolvida na produção de amiloide e acredita-se que as pessoas com uma cópia da variante de risco inevitavelmente desenvolvam a doença de Alzheimer1 na faixa dos 40 anos.
Mas em 2019, foi descoberta uma mulher que, além de portadora da mutação7 nociva, também possui duas cópias de uma segunda variante rara, chamada APOE3 Christchurch, de um gene diferente, que deu proteção parcial contra o que de outra forma teria sido seu destino genético de Alzheimer4 de início precoce. Em vez disso, ela não desenvolveu demência8 até os 70 anos.
Agora, ao estudar esta comunidade colombiana, Diego Sepulveda-Falla, do University Medical Center Hamburg-Eppendorf, na Alemanha, e seus colegas encontraram um segundo caso semelhante: um colombiano portador da mutação7 nociva PSEN1-280A e uma cópia de uma variante genética rara do gene RELN, que codifica a proteína de sinalização reelina. A variante foi chamada RELN-COLBOS. Essa variante também deu ao homem proteção parcial, pois ele similarmente desenvolveu a doença de Alzheimer1 aos 70 anos.
“Uma vez pode ser acaso, duas vezes soa como algo diferente”, diz Sepulveda-Falla. “Pode haver ainda mais casos protegidos a serem detectados.”
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Tanto o homem quanto a mulher tinham acúmulo extensivo de amiloide em seus cérebros, como esperado, visto que tinham PSEN1-280A, mas seus níveis de tau eram mais baixos do que o normalmente visto na doença de Alzheimer1 – sugerindo que o alto teor de tau é o principal responsável pelos sintomas9 de perda de memória e confusão.
“Tau é mais importante do que amiloide”, diz Sepulveda-Falla. “Acho que temos evidências suficientes para dizer isso.”
O homem também tinha uma irmã com a mutação7 prejudicial e uma cópia da variante protetora recém-descoberta. Ela parece ter sido ligeiramente protegida, pois tinha demência8 grave quando foi avaliada pela primeira vez aos 64 anos.
Em uma pesquisa separada, a equipe descobriu que algumas pessoas na comunidade colombiana têm uma única cópia da mutação7 protetora Christchurch, bem como a variante de risco do Alzheimer4, e também parecem ter um atraso moderado no início da demência8, diz Sepulveda-Falla.
Como a mulher que tinha duas cópias de Christchurch teve um longo atraso em sua condição, “parece que esse é um efeito dependente da dose”, diz ele. Não há mais detalhes disponíveis sobre a pesquisa separada, pois ainda não foi publicada.
As duas variantes do gene protetor afetam a tau de maneiras diferentes. O dano às células3 cerebrais na doença de Alzheimer1 geralmente está relacionado a um acúmulo de tau que foi modificada quimicamente em um processo chamado fosforilação.
Quando a equipe deu a variante genética protetora RELN-COLBOS a camundongos, ela reduziu a fosforilação da tau.
Curiosamente, enquanto a mulher com a mutação7 Christchurch tinha baixos níveis de tau fosforilada em todo o cérebro10, o homem com a variante RELN-COLBOS carecia de tau fosforilada em uma pequena parte do cérebro10 chamada córtex entorrinal. Essa parte é localizada em cada lado da cabeça11, próxima aos hipocampos, os centros de memória do cérebro10.
Suspeita-se que nos estágios iniciais da doença de Alzheimer1, o acúmulo de tau comece no córtex entorrinal.
“O fato do homem ter conseguido retardar o início do dano por quase 30 anos com redução da fosforilação nessa área específica é uma descoberta muito significativa”, diz Stephanie Fowler, da University College London.
Tratamentos chamados oligonucleotídeos antisense12 estão em desenvolvimento para reduzir a produção de tau pelas células3, diz Fowler. “Se pudermos proteger apenas esta área, aparentemente isso é o suficiente.”
Richard Oakley, da instituição de caridade britânica Alzheimer4's Society, diz que as descobertas apoiam a ideia de que, embora a amiloide seja importante entre as causas da doença, não é o único fator. “Entender esse tipo de resiliência pode destacar outros alvos futuros para os medicamentos”, diz ele.
No artigo, os pesquisadores caracterizam o segundo caso mundial com resistência extrema comprovada à doença de Alzheimer1 autossômica2 dominante (DAAD).
As comparações lado a lado deste caso masculino e do caso feminino relatado anteriormente com DAAD homozigoto para a variante APOE3 Christchurch (APOECh) permitiram discernir características comuns.
O homem permaneceu cognitivamente intacto até os 67 anos de idade, apesar de ser portador da mutação7 PSEN1-E280A. Como a portadora de APOECh, ele tinha carga de placa13 amiloide extremamente elevada e carga limitada de emaranhado de tau entorrinal.
Ele não carregava a variante APOECh, mas era heterozigoto para uma variante rara no gene RELN (H3447R, denominada COLBOS, em homenagem ao estudo de pesquisa de biomarcadores Colômbia-Boston), um ligante que, como a apolipoproteína E, se liga aos receptores VLDLr e APOEr2.
A RELN-COLBOS é uma variante de ganho de função que mostra uma capacidade mais forte de ativar sua proteína alvo Dab1 da via canônica e reduzir a fosforilação da tau humana em um camundongo que recebeu a variante.
Uma variante genética em um caso de proteção contra a doença de Alzheimer1 autossômica2 dominante sugere um papel para a sinalização do gene RELN na resiliência à demência8.
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Fontes:
Nature Medicine, publicação em 15 de maio de 2023.
New Scientist, notícia publicada em 15 de maio de 2023.