Estudo aponta para nova classe de medicamentos para leucemia aguda, capaz de eliminar 80% dos tumores
Em um estudo publicado no Blood Cancer1 Journal, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) relatam a descoberta de um possível novo tratamento para leucemias agudas. A molécula sintética denominada THZ-P1-2 é um inibidor das proteínas2 PIP4K2s e foi capaz de eliminar mais de 80% dos tumores em ensaios ex vivo, feitos com células3 retiradas de pacientes.
As leucemias agudas são divididas em duas categorias: as leucemias mieloides agudas (LMA) e as leucemias linfoblásticas agudas (LLA). A maior parte dos casos da LLA ocorre em crianças e não costuma levar a óbito4, pois há muitas terapias já consolidadas para esses casos. Já a LMA é mais comum em adultos e a falta de opções terapêuticas para a faixa etária ajuda a explicar a alta taxa de mortalidade5.
“Ambas são muito agressivas. Pacientes que não recebem nenhum tratamento podem evoluir a óbito4 em poucos meses”, disse João Agostinho Machado-Neto, professor do Departamento de Farmacologia6, à Assessoria de Comunicação do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.
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Trata-se do primeiro estudo a descrever em detalhes o mecanismo de ação dessa molécula inibidora das proteínas2 PIP4K2s no tratamento do câncer1. Os resultados são baseados em duas hipóteses desenvolvidas anteriormente no laboratório do ICB.
“Os quadros de pacientes com LMA que apresentam níveis mais altos das PIP4K2s evoluem mais rapidamente e têm mais chances de levar a óbito4; já pacientes com polimorfismos (variantes genéticas e hereditárias) no gene PIP4K2A têm maiores chances de desenvolver a LLA”, contou à Assessoria de Imprensa do ICB-USP Keli Lima, doutoranda em ciências médicas pela Faculdade de Medicina da USP, primeira autora do estudo.
Segundo Machado-Neto, as terapias atuais se restringem aos transplantes de medula óssea7 e à quimioterapia8. No entanto, muitos pacientes, principalmente aqueles com mais de 60 anos, não são elegíveis aos transplantes. Acabam se submetendo à quimioterapia8, mas sempre em baixas doses, devido à toxicidade9 do tratamento. Essas pessoas podem então receber o venetoclax – medicamento cuja eficácia é significativa apenas para uma parcela dos afetados.
“Além de sozinha já obter uma alta eficácia, a molécula THZ-P1-2 ainda se mostrou capaz de melhorar a resposta das células3 leucêmicas ao venetoclax e a outros fármacos que atualmente não são eficazes o bastante para serem utilizados no tratamento, podendo atuar em conjunto com eles, em um coquetel”, explicou o professor.
O composto também obteve bons resultados em estudo com modelos animais conduzido por um grupo da Faculdade de Medicina da Universidade Cornell em associação com a Petra Pharma, ambas dos Estados Unidos. Nesse trabalho, os pesquisadores identificaram que a molécula levou a uma rápida regressão dos tumores e não apresentou toxicidade9. Isso a credencia para ensaios clínicos10.
No artigo publicado, os pesquisadores relatam que o inibidor de PIP4K2, THZ-P1-2, exibe atividade antileucêmica por interrupção da homeostase mitocondrial e autofagia.
Eles contextualizam que o tratamento da leucemia11 aguda é desafiador devido à heterogeneidade genética entre e dentro dos pacientes. Células-tronco12 leucêmicas (CTLs) são relativamente resistentes a medicamentos e frequentemente sofrem recaída. Sua plasticidade e capacidade de adaptação ao estresse extracelular, no qual o metabolismo13 mitocondrial e a autofagia desempenham papéis importantes, complicam ainda mais o tratamento.
Modelos genéticos de inibição da proteína fosfatidilinositol-5-fosfato 4-quinase tipo 2 (PIP4K2s) demonstraram a relevância dessas enzimas na homeostase mitocondrial e no fluxo autofágico. Neste estudo, descobriu-se os efeitos celulares e moleculares de THZ-P1-2, um pan-inibidor de PIP4K2s, em células3 de leucemia11 aguda.
O THZ-P1-2 reduziu a viabilidade celular e induziu dano ao DNA, apoptose14, perda do potencial de membrana mitocondrial e acúmulo de organelas vesiculares ácidas. A análise da expressão da proteína revelou que o THZ-P1-2 prejudicou o fluxo autofágico.
Além disso, o THZ-P1-2 induziu diferenciação celular e mostrou efeitos sinérgicos com venetoclax.
Em células3 de leucemia11 primária, a análise de proteoma baseada em cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas sequencial (LC-MS/MS) revelou que a sensibilidade ao THZ-P1-2 está associada ao metabolismo13 mitocondrial, ciclo celular, célula15 de origem (célula-tronco16 hematopoiética e progenitor mieloide) e à via TP53.
Os efeitos mínimos do THZ-P1-2 observados em células3 CD34+ saudáveis sugerem uma janela terapêutica17 favorável.
Esse estudo fornece informações sobre a inibição farmacológica de PIP4K2s visando a homeostase mitocondrial e a autofagia, lançando luz sobre uma nova classe de medicamentos para leucemia11 aguda.
Leia sobre "Leucemia11 mieloide aguda" e "Leucemia11 linfocítica aguda".
Fontes:
Blood Cancer1 Journal, publicação em 09 de novembro de 2022.
Agência FAPESP, notícia publicada em 19 de abril de 2023.