Análise do processamento cerebral durante passeios virtuais em montanha-russa pode ajudar a desvendar as causas da enxaqueca
As montanhas-russas virtuais desencadeiam atividade alterada das células1 cerebrais relacionadas à tontura2 e enjoo em pessoas que sofrem de enxaqueca3, mesmo que não estejam tendo enxaqueca3 no momento – uma descoberta que pode levar a uma melhor compreensão das enxaquecas4 e ao desenvolvimento de novos tratamentos.
Qualquer pessoa pode se sentir enjoada e tonta ao andar em uma montanha-russa, mas as pessoas que têm enxaqueca3 costumam se sentir mais enjoadas e tontas durante o passeio. E quanto mais as pessoas sentem enjoo e uma sensação geral de incapacitação por causa das enxaquecas4, mais sua atividade cerebral difere do normal durante uma simulação de montanha-russa, diz Gabriela Carvalho, da Universidade de Luebeck, na Alemanha.
“Nossas descobertas mostram que as áreas do cérebro5 relacionadas ao processamento da dor da enxaqueca3 se sobrepõem aos sistemas cerebrais que regulam o enjoo e a tontura”, diz ela. “Pessoas com enxaqueca3 não têm apenas dores de cabeça6; elas também costumam ter outras condições, como enjoo e tontura2, que podem realmente afetar sua qualidade de vida. Portanto, este estudo realmente nos dá uma ideia melhor sobre o que está acontecendo em seus cérebros.”
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A pesquisa de Gabriela Carvalho foi publicada na revista científica Neurology, e analisou o processamento cerebral de um estudo de automovimento visual em pacientes com enxaqueca3.
O objetivo foi investigar as respostas comportamentais e neuronais de pacientes com enxaqueca3 a uma estimulação visual do automovimento por meio de um passeio de montanha-russa virtual, em comparação com controles.
Carvalho e seus colegas realizaram imagens de ressonância magnética funcional (fMRI) nos cérebros de 20 pacientes consecutivos com enxaqueca3 de uma clínica de cefaleia9 de um hospital universitário e 20 controles. Os participantes passaram por um experimento onde um paradigma de automovimento exibido visualmente foi apresentado com base em vídeos de montanha-russa personalizados exibidos dentro do scanner de ressonância magnética10 continuamente por 35 minutos.
Os vídeos apresentavam o ponto de vista de uma pessoa sentada no carro e incluíam sons do carro correndo nas pistas. Dentro de cada vídeo, blocos de estimulação de movimento foram intercalados com movimento ascendente de baixa velocidade em uma ordem aleatória. Nos intervalos de varredura e após o experimento, os participantes avaliaram seu nível percebido de sintomas11 vestibulares12 e enjoo durante os vídeos. A hipótese era que os pacientes com enxaqueca3 perceberiam mais enjoo e que isso se correlaciona com um processamento central e respostas cerebrais diferentes.
Os participantes de ambos os grupos tinham, em média, 30 anos e 80% dos membros de ambos os grupos eram mulheres.
Nenhum dos participantes experimentou enxaquecas4 durante os passeios virtuais, mas 65% daqueles no grupo de “enxaqueca” relataram em um questionário que sentiram tonturas13 durante a simulação, enquanto apenas 30% do grupo de controle sentiu (65% versus 30% p = 0,03).
Aqueles no grupo de “enxaqueca” também avaliaram seu nível de enjoo duas vezes maior do que os do grupo de controle (pontuação SSQ 47,3 [IC 95% 37,1, 57,5] versus 24,3 [IC 95% 18,2, 30,4]), e as informações que eles forneceram no questionário mostraram que seus sintomas11 de tontura2 e enjoo durante a simulação duravam em média quase três vezes mais do que naqueles no grupo de controle (01:19 min [IC 95% 00:51, 01:48] versus 00:27 min [IC 95% 00:03, 00:51]), bem como tinham maior intensidade (VAS 0-100, 22,0 [IC 95% 14,8, 29,2] versus 9,9 [IC 95% 4,9, 14,7]).
As imagens de fMRI corroboraram esses relatos, diz Carvalho. Naqueles que sofrem de enxaquecas4 regulares, os pesquisadores observaram atividade intensificada em áreas do cérebro5 responsáveis pela visão14, percepção da dor, processamento sensório-motor, equilíbrio e tontura2. Eles também detectaram mais comunicação neural entre essas áreas do cérebro5 e outras regiões do cérebro5.
Enquanto isso, essas pessoas tinham menos atividade nas regiões do cérebro5 que lidam com funções cognitivas, incluindo atenção. E quanto mais debilitantes geralmente são as enxaquecas4 desses participantes do estudo e quanto mais enjoo eles geralmente sentem, mais mudanças os cientistas notaram na atividade cerebral durante o passeio virtual.
Assim, a atividade neuronal em pacientes com enxaqueca3 foi mais pronunciada em aglomerados dentro do giro occipital superior (estimativa de contraste 3,005 [IC 90% 1,817, 4,194]) e inferior (estimativa de contraste 1,759 [IC 90% 1,062, 2,456]), núcleos pontinos (estimativa de contraste 0,665 [IC 90% 0,383, 0,946]) e dentro dos lóbulos cerebelares V/VI (estimativa de contraste 0,672 [IC 90% 0,380, 0,964]), enquanto a diminuição da atividade foi observada no lóbulo cerebelar VIIb (estimativa de contraste 0,787 [IC 90% 0,444, 1,130]) e no giro frontal médio (estimativa de contraste 0,962 [IC 90% 0,557, 1,367]).
Essas ativações se correlacionaram com a incapacidade por enxaqueca3 (r = -0,46, p = 0,04) e escores de enjoo (r = 0,32, p = 0,04). Ainda foi encontrada conectividade melhorada entre os núcleos pontinos, áreas cerebelares V/VI, giro occipital inferior e superior com numerosas áreas corticais em pacientes com enxaqueca3, mas não em controles.
O estudo concluiu que a enxaqueca3 está relacionada à modulação anormal de estímulos de movimento visual dentro do giro occipital superior e inferior, giro frontal médio, núcleos pontinos, lóbulos cerebelares V, VI e VIIb. Essas anormalidades estão relacionadas à incapacidade por enxaqueca3 e à suscetibilidade à cinetose15.
Se os resultados puderem ser confirmados em um número maior de pessoas, eles podem oferecer novos insights sobre por que algumas pessoas têm enxaquecas4. “As pessoas que têm e não têm enxaqueca3 processam as informações sobre movimento e gravidade de forma diferente, e essas descobertas refletem isso”, diz Carvalho. Isso pode ajudar os esforços para desenvolver novos tratamentos, acrescenta ela.
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Fontes:
Neurology, publicação em 21 de julho de 2021.
New Scientist, notícia publicada em 21 de julho de 2021.