Diretrizes atualizadas para doença renal crônica promovem a cistatina C, equações de risco e inibidores de SGLT2
O uso de cistatina C e inibidores de SGLT2 foi destacado na diretriz de prática clínica atualizada da organização Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO).
Em uma sinopse da diretriz publicada, servindo como uma atualização das diretrizes de 2012, o Grupo de Trabalho da KDIGO discutiu novas recomendações (nível 1) e sugestões (nível 2), juntamente com pontos de prática para a avaliação da doença renal1 crônica (DRC), avaliação de risco em pacientes com DRC e manejo de pacientes com DRC que não recebem terapia renal1 substitutiva (TRS).
“Os pontos de prática representam o julgamento especializado baseado em consenso do Grupo de Trabalho e visam auxiliar na implementação de uma recomendação ou guiar a prática onde a geração de evidências é considerada impossível ou absurda. Juntos, as recomendações e os pontos de prática fornecem orientação sobre como avaliar e tratar pessoas com DRC”, escreveram Magdalena Madero, médica do Instituto Nacional de Cardiologia Ignacio Chávez, no México, e colegas, no Annals of Internal Medicine.
Na avaliação da DRC, se a cistatina C não estiver disponível, uma taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) baseada na creatinina2 deve ser usada para avaliar pacientes em risco de DRC. Mas, se estiver disponível, a TFG deve ser estimada usando uma combinação de creatinina2 e cistatina C (TFGecr-cis), pois permite uma estimativa “mais precisa” da TFG, afirmaram Madero e co-autores.
“A evidência para esta recomendação é que, em comparação com equações baseadas apenas em creatinina2 e apenas em cistatina C, as equações que usam ambas creatinina2 e cistatina C se aproximam mais do padrão-ouro (TFG medida), demonstrando maior precisão de forma mais consistente, e os dados demonstram que a equação combinada TFGecr-cis é superior para distinguir os estágios de risco da TFG”, apontaram.
No entanto, algumas características do paciente podem influenciar a TFGe da creatinina2 ou da cistatina C e, portanto, “os médicos podem escolher o biomarcador mais apropriado para um indivíduo, o que sustenta nosso objetivo de abordagens mais personalizadas”, afirmaram.
A creatinina2 é influenciada por extremos de massa muscular, desnutrição3, ingestão alimentar e medicamentos que prejudicam a secreção tubular de creatinina2; a cistatina C é potencialmente influenciada por tabagismo, inflamação4 crônica, adiposidade, câncer5, quimioterapia6, função tireoidiana e excesso de glicocorticoides. Algumas condições podem afetar ambas.
Ao calcular a TFGe, não inclua a etnia como fator, aconselhou o grupo de trabalho. Equações diferentes podem ser necessárias para adultos e crianças.
Nos casos em que uma determinação mais precisa da TFGe possa impactar as decisões de tratamento, os autores recomendaram que a TFGe não fosse estimada e, em vez disso, medida usando a depuração plasmática ou urinária de um marcador de filtração exógeno, “que são insensíveis a tais fatores biológicos.”
Nos casos em que há acesso limitado a um laboratório, eles sugeriram o uso de testes no local de atendimento para dosagem de creatinina2 e albumina7 urinária.
Leia sobre "Avaliação da função renal1", "Insuficiência renal8 crônica" e "Insuficiência renal8 aguda".
Na avaliação de risco para DRC, ao estimar o risco absoluto de insuficiência renal8, o grupo de Madero recomenda o uso de uma equação de risco validada externamente para pacientes9 com DRC nas categorias de TFG 3 (30-59 mL/min/1,73 m²) a 5 (<15 mL/min/1,73 m²), sendo uma das mais validadas a Equação de Risco de Insuficiência Renal8 (KFRE).
“Usando o sexo, a idade, a RAC (relação albumina7/creatinina2) urinária e a TFGe do paciente, a Equação de Risco de Insuficiência Renal8 fornece estimativas de 2 e 5 anos da probabilidade de insuficiência renal8 que necessite de TRS em pacientes com TFGe inferior a 60 mL/min/1,73 m²”, escreveram eles, acrescentando que o uso de uma equação de risco validada como esta permite a personalização e a adaptação dos planos de tratamento e cuidados.
Um risco de insuficiência renal8 em dois anos acima de 10% pode ser usado para determinar o momento de iniciar o tratamento multidisciplinar, enquanto um risco em dois anos acima de 40% pode ser usado para determinar a orientação sobre as modalidades de TRS e o momento da preparação para TRS, como planejamento de acesso vascular10 ou encaminhamento para transplante renal1.
Enquanto isso, um risco de insuficiência renal8 de 3% a 5% em 5 anos pode ser usado para determinar a necessidade de encaminhamento para nefrologia, além dos critérios baseados na TFGe ou na RAC urinária, afirmaram eles.
Ao prever o risco cardiovascular para adicionar terapias preventivas, o grupo de Madero afirmou que os médicos devem utilizar modelos validados externamente, desenvolvidos em populações com DRC ou que incorporem TFGe e albuminúria11. Além disso, apenas modelos validados externamente, desenvolvidos especificamente para a população com DRC, devem ser utilizados para prever o risco de mortalidade12.
Para gerenciar e retardar a progressão da DRC, os inibidores de SGLT2, classificados como recomendação de nível 1, devem ser administrados a pacientes com DRC com TFGe de pelo menos 20 mL/min/1,73 m² e RAC urinária de 200 mg/g ou mais; àqueles com insuficiência cardíaca13, independentemente do nível de albuminúria11; e àqueles com diabetes tipo 214 comórbido. Os inibidores de SGLT2 – que incluem canagliflozina (Invokana), dapagliflozina (Farxiga), empagliflozina (Jardiance), ertugliflozina (Steglatro) e o inibidor duplo de SGLT1/2, sotaglifozina (Inpefa) – devem ser mantidos até que não sejam mais tolerados, a TFGe caia abaixo de 20 mL/min/1,73 m² ou a TRS seja iniciada, aconselharam os autores.
A adição de um inibidor de SGLT2 ao regime de tratamento do paciente não deve alterar a frequência do monitoramento da DRC, acrescentou o grupo de Madero. Além disso, a diminuição reversível da TFGe no início “geralmente” não é um motivo para interromper a terapia com SGLT2.
Classificados como uma sugestão de nível 2, os inibidores de SGLT2 também devem ser considerados em pacientes com TFGe de 20 a 45 mL/min/1,73 m² com RAC urinária abaixo de 200 mg/g.
A intervenção para redução do ácido úrico é recomendada em pacientes com hiperuricemia sintomática15, mas tais agentes não devem ser usados em pacientes com hiperuricemia assintomática para retardar a progressão da DRC.
Para pacientes9 com 50 anos ou mais, recomenda-se o uso de estatina ou da combinação estatina/ezetimiba para aqueles com TFGe <60 mL/min/1,73 m² não tratados com diálise16 crônica ou transplante renal1, enquanto a estatina é recomendada para aqueles com TFGe acima desse limite. Quanto a pacientes com menos de 50 anos não tratados com diálise16 crônica ou transplante renal1, a estatina só deve ser usada se o paciente também tiver doença coronariana17 conhecida, diabetes18, isquemia19 prévia, acidente vascular cerebral20 ou uma incidência21 estimada de morte coronariana ou infarto do miocárdio22 não fatal em 10 anos superior a 10%.
Saiba mais sobre "Índice de filtração glomerular23", "Depuração da creatinina2" e "Hemodiálise24".
Veja a seguir mais detalhes da diretriz publicada.
Avaliação e manejo da doença renal1 crônica: sinopse da Diretriz de Prática Clínica de 2024 da Kidney Disease: Improving Global Outcomes
A organização Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) atualizou sua diretriz de prática clínica existente em 2024 para fornecer orientações sobre a avaliação, o manejo e o tratamento da doença renal1 crônica (DRC) em adultos e crianças que não estão recebendo terapia renal1 substitutiva.
O Grupo de Trabalho da Diretriz de DRC da KDIGO definiu o escopo da diretriz e determinou os tópicos para revisão sistemática. Uma Equipe de Revisão de Evidências independente revisou sistematicamente as evidências e classificou a certeza das evidências para cada um dos tópicos da revisão. As últimas buscas na literatura em inglês foram realizadas em julho de 2023. A modificação final da diretriz foi informada por um processo de revisão pública durante o verão (do hemisfério norte) de 2023, envolvendo partes interessadas registradas.
A diretriz completa incluiu 28 recomendações e 141 pontos de prática. Esta sinopse concentra-se nas recomendações com maior evidência. Pontos de prática refletem a opinião especializada do grupo, onde as evidências não são tão sólidas. As recomendações incluem maior ênfase na cistatina C para avaliação da taxa de filtração glomerular, testes no local de atendimento em áreas remotas, mudança para uma abordagem individualizada baseada em risco para prever insuficiência renal8, inibidores do cotransportador de sódio-glicose25-2 para alguns pacientes com DRC com e sem diabetes18, e uso de estatinas para adultos com mais de 50 anos e DRC. Em conjunto, as recomendações e os pontos de prática fornecem orientações sobre como avaliar e tratar pessoas com DRC.
Acesse aqui a Diretriz KDIGO 2024 completa.
Principais declarações da Diretriz KDIGO 2024 para avaliação e manejo da Doença Renal1 Crônica (DRC)
Avaliação da DRC
Ponto de prática 1.1.1.1: Testar pessoas em risco de DRC e com DRC usando ambas medição de albumina7 urinária e avaliação da taxa de filtração glomerular (TFG).
Recomendação 1.1.2.1: Em adultos em risco de DRC, recomendamos utilizar a TFGe baseada em creatinina2 (TFGecr). Se cistatina C estiver disponível, a categoria de TFG deve ser estimada pela combinação de creatinina2 e cistatina C (TFGecr-cis) (1B).
Recomendação 1.2.2.1: Recomendamos usar TFGecr-cis em situações clínicas nas quais a TFGecr é menos precisa e a TFG afeta a tomada de decisão clínica (1C).
Ponto de prática 1.2.2.2: Quando uma determinação mais precisa da TFG impactar decisões terapêuticas, medir a TFG por depuração plasmática ou urinária de um marcador de filtração exógeno.
Ponto de prática 1.2.4.1: Usar a mesma equação dentro de regiões geográficas (conforme definidas localmente – p.ex., continente, país, região – e tão amplas quanto possível). Dentro dessas regiões, as equações podem diferir para adultos e crianças.
Ponto de prática 1.2.4.2: Evitar o uso de etnia no cálculo26 da TFGe.
Recomendação 1.4.1: Sugerimos que testes no local de atendimento possam ser usados para creatinina2 e albumina7 urinária quando o acesso a laboratório for limitado ou quando oferecer o teste no local de atendimento facilitar o fluxo clínico (2C).
Avaliação de risco em pessoas com DRC
Recomendação 2.2.1: Em pessoas com DRC em estágios G3–G5, recomendamos usar equação de risco validada externamente para estimar o risco absoluto de falência renal1 (1A).
Ponto de prática 2.2.1: Um risco de falência renal1 em 5 anos de 3%–5% pode ser usado para decidir encaminhamento à nefrologia, além dos critérios baseados em TFGe ou RAC urinária e outras considerações clínicas.
Ponto de prática 2.2.2: Um risco em 2 anos >10% pode ser usado para definir o momento do cuidado multidisciplinar, além dos critérios baseados em TFGe e outras considerações clínicas.
Ponto de prática 2.2.3: Um limiar de risco em 2 anos >40% pode ser usado para definir orientação sobre modalidades, preparo para TRS (incluindo planejamento de acesso vascular10) ou encaminhamento para transplante, além dos critérios baseados em TFGe e outras considerações clínicas.
Ponto de prática 2.3.1: Para predição de risco cardiovascular para guiar terapias preventivas em DRC, usar modelos validados externamente desenvolvidos em populações com DRC ou que incorporem TFGe e albuminúria11.
Ponto de prática 2.3.2: Para predição de mortalidade12 e orientar discussões sobre objetivos de cuidado, usar modelos validados externamente que predizem mortalidade12 por todas as causas especificamente desenvolvidos na população com DRC.
Retardando a progressão da DRC e gerenciando suas complicações
Recomendação 3.7.1: Recomendamos tratar pacientes com diabetes tipo 214 (DM2), DRC e TFGe ≥20 mL/min por 1,73 m² com um inibidor de SGLT2 (1A).
Ponto de prática 3.7.1: Uma vez iniciado, é razoável manter o inibidor de SGLT2 mesmo se a TFGe cair abaixo de 20 mL/min por 1,73 m², a menos que não seja tolerado ou que se inicie TRS.
Ponto de prática 3.7.2: É razoável suspender temporariamente o inibidor de SGLT2 durante jejum prolongado, cirurgias ou doença crítica (quando pode haver maior risco de cetose).
Recomendação 3.7.2: Recomendamos tratar adultos com DRC com inibidores de SGLT2 nas seguintes situações (1A):
- TFGe ≥20 mL/min por 1,73 m² com RAC urinária ≥200 mg/g (≥20 mg/mmol), ou
- insuficiência cardíaca13, independentemente do nível de albuminúria11.
Ponto de prática 3.7.3: Iniciar/usar um inibidor de SGLT2 não exige alterar a frequência de monitorização da DRC, e a queda reversível da TFGe ao iniciar geralmente não indica interromper a terapia.
Recomendação 3.7.3: Sugerimos tratar adultos com TFGe de 20–45 mL/min por 1,73 m² e RAC urinária <200 mg/g (<20 mg/mmol) com inibidores de SGLT2 (2B).
Ponto de prática 3.10.1: Em pessoas com DRC, considerar tratamento farmacológico, com ou sem intervenção dietética, para prevenir o desenvolvimento de acidose27 com potenciais implicações clínicas (p.ex., bicarbonato sérico <18 mmol/L28 em adultos).
Recomendação 3.14.1: Recomendamos que pessoas com DRC e hiperuricemia sintomática15 recebam intervenção redutora do ácido úrico (1C).
Recomendação 3.14.2: Sugerimos não usar agentes para reduzir ácido úrico sérico em pessoas com DRC e hiperuricemia assintomática para retardar a progressão da DRC (2D).
Recomendação 3.15.1.1: Em adultos ≥50 anos com TFGe <60 mL/min por 1,73 m², mas não tratados com diálise16 crônica ou transplante renal1 (categorias de TFG G3a–G5), recomendamos tratamento com uma estatina ou uma combinação de estatina/ezetimiba (1A).
Recomendação 3.15.1.2: Em adultos ≥50 anos com DRC e TFGe ≥60 mL/min por 1,73 m² (categorias de TFG G1–G2), recomendamos tratamento com uma estatina (1B).
Recomendação 3.15.1.3: Em adultos de 18–49 anos com DRC, mas sem diálise16 crônica ou transplante renal1, sugerimos tratamento com estatina para pessoas com ≥1 dos seguintes (2A):
- doença coronariana17 conhecida (infarto do miocárdio22 ou revascularização coronária),
- diabetes mellitus29,
- AVC isquêmico30 prévio, ou
- incidência21 estimada em 10 anos de morte coronariana ou infarto do miocárdio22 não fatal >10%.
Fontes:
Annals of Internal Medicine, Vol. 178, N° 5, em março de 2025.
MedPage Today, notícia publicada em 10 de março de 2025.