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Sincronizar a administração de medicamentos contra o câncer com o nosso relógio biológico pode aumentar a sobrevida

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Dizem que timing é tudo, e o tratamento do câncer1 pode não ser exceção. Em um estudo publicado no jornal científico Cancer1, pesquisadores descobriram que simplesmente alterar o horário em que pacientes com câncer1 recebem medicamentos de imunoterapia pode melhorar sua sobrevida2, reforçando a evidência de que nossos relógios biológicos influenciam a eficácia dos tratamentos contra o câncer1.

A atividade de nossas células3 e tecidos funciona em ciclos de 24 horas, conhecidos como ritmos circadianos, que coordenam tudo, desde a liberação de hormônios até o momento em que ocorrem a divisão e o reparo celulares. Esses ritmos são frequentemente desregulados nas células3 cancerosas, que tendem a se dividir continuamente, em vez de em horários definidos.

Isso motivou esforços para reduzir os efeitos colaterais4 da quimioterapia5, que tem como alvo células3 que se dividem rapidamente, administrando-a quando os tecidos saudáveis estão menos ativos. Cada vez mais, porém, pesquisadores estão explorando se a eficácia dos medicamentos contra o câncer1 também pode ser melhorada administrando-os em horários específicos.

Um desses grupos de medicamentos são os inibidores de checkpoint imunológico, que ajudam as células3 T do sistema imunológico6 a reconhecer e atacar tumores com mais eficácia. “As células3 T e outras defesas imunológicas são naturalmente mais ativas pela manhã, preparadas para responder”, afirma Seline Ismail-Sutton, do hospital Ysbyty Gwynedd em Bangor, Reino Unido, que não participou do estudo. “Administrar inibidores de checkpoint imunológico durante esse período pode amplificar os efeitos antitumorais e aumentar a eficácia.”

Leia sobre "Câncer1: das primeiras cirurgias aos avanços que estão mudando o prognóstico7".

No início deste ano, Zhe Huang, da Universidade Central do Sul em Changsha, China, e seus colegas relataram que a administração do inibidor de checkpoint pembrolizumabe, juntamente com quimioterapia5, a pacientes com câncer1 de pulmão8 de células3 não pequenas (CPCNP) avançado antes das 11h30, foi associada a uma taxa de sobrevida2 quase duas vezes maior do que a observada naqueles que receberam a maior parte do tratamento à tarde.

Para investigar se a sincronização dos tratamentos com os ritmos circadianos, conhecida como cronoterapia, também poderia beneficiar pessoas com câncer1 de pulmão8 de células3 pequenas, uma forma mais agressiva e de crescimento mais rápido da doença, a mesma equipe analisou dados de 397 pessoas tratadas com os inibidores de checkpoint atezolizumabe ou durvalumabe, em conjunto com quimioterapia5, entre 2019 e 2023.

“Em comparação com os pacientes tratados mais tarde no dia, aqueles tratados antes das 15h apresentaram sobrevida2 livre de progressão e sobrevida2 global significativamente maiores”, afirma Yongchang Zhang, membro da equipe e também da Universidade Central do Sul.

Após o ajuste para múltiplos fatores de confusão, a administração mais cedo foi associada a um risco 52% menor de progressão do câncer1 e a um risco 63% menor de morte.

Zhang acredita que esse efeito provavelmente existe para outros tipos de tumores, apontando para indícios de estudos sobre carcinoma9 de células3 renais e melanoma10. Quanto ao motivo pelo qual esse regime de dosagem produz esse efeito, o estudo clínico sobre CPCNP mostrou que a administração pela manhã aumentou o número e a ativação de células3 T circulantes, enquanto a administração no final do dia teve o efeito oposto. Estudos em camundongos também demonstraram que as células3 T infiltrantes de tumores variam em função ao longo de 24 horas e que os relógios circadianos das células3 endoteliais próximas podem regular o momento em que as células3 imunes entram nos tumores.

Embora sejam necessários ensaios clínicos11 randomizados com amostras maiores, este estudo “reforça ainda mais o crescente número de relatos de todo o mundo que descrevem melhores resultados com a administração de medicamentos de imunoterapia no início do dia”, afirma Pasquale Innominato, da Universidade de Warwick, no Reino Unido.

Mas será que os hospitais poderiam implementar isso na prática? Comparado com a adição de tratamentos, “ajustar o horário da infusão é uma decisão clínica simples que praticamente não acarreta custos adicionais”, diz Zhang.

Ainda assim, tratar todos os pacientes no início do dia não é viável, afirma Robert Dallmann, também da Universidade de Warwick, e os relógios biológicos de cada indivíduo são diferentes. “A diferença no tempo biológico entre pessoas matutinas e noturnas, por exemplo, pode ser de muitas horas.”

Mas biomarcadores para determinar com precisão os cronotipos das pessoas estão sendo desenvolvidos. Uma vez testada e validada, a cronoterapia “poderia representar uma inovação de baixo custo e com uso eficiente de recursos, com o potencial de melhorar profundamente os resultados: uma simples mudança de horário que desbloqueia uma nova dimensão da medicina de precisão”, afirma Ismail-Sutton, que recentemente publicou um artigo sobre essa abordagem.

Saiba mais sobre "Ritmo circadiano12 - como funciona e qual a sua importância", "Imunoterapia" e "Quimioterapia5".

Confira a seguir o resumo do artigo publicado.

Sobrevida2 global de acordo com o horário da imunoterapia para câncer1 de pulmão8 de células3 pequenas em estágio avançado

Evidências emergentes sugerem que o ritmo circadiano12 influencia a eficácia dos inibidores de checkpoint imunológico (ICI), com infusões matinais associadas a melhores resultados terapêuticos em diversas neoplasias13. No entanto, o impacto do horário de infusão de ICI no câncer1 de pulmão8 de células3 pequenas em estágio avançado (CPCP-EA), uma doença com prognóstico7 ruim e avanços terapêuticos limitados, permanece inexplorado.

Este estudo retrospectivo14 (LungTime-R02) analisou 397 pacientes com CPCP-EA que receberam terapia anti-PD-L1 de primeira linha (atezolizumabe ou durvalumabe) mais quimioterapia5 no centro clínico do estudo entre maio de 2019 e outubro de 2023.

O horário de administração (HA) foi calculado como o horário mediano de infusão para os quatro primeiros ciclos de tratamento com ICI de cada paciente. Para avaliar sua relevância prognóstica, as razões de risco (HRs) de progressão precoce ou óbito15 foram estimadas para múltiplos limiares de HA (11:00-16:30). O pareamento por escore de propensão (1:2) foi aplicado para equilibrar as características basais.

Dos 397 pacientes, o ponto de corte ideal do HA para maximizar o benefício de sobrevida2 livre de progressão (SLP) foi identificado como 15:00, com a menor razão de risco (HR) para SLP observada nesse limiar. Pacientes que receberam imunoterapia antes das 15:00 apresentaram SLP e sobrevida2 global (SG) significativamente maiores em comparação com aqueles tratados posteriormente, com resultados consistentes entre as coortes agrupadas e de pareamento por escore de propensão.

A análise multivariável confirmou o HA precoce como um fator prognóstico7 independente tanto para SLP (HR ajustada, 0,483; IC 95%, 0,357-0,654) quanto para SG (HR ajustada, 0,373; IC 95%, 0,265-0,526).

Este estudo fornece evidências do mundo real que apoiam o benefício de sobrevida2 da administração precoce de imunoterapia em pacientes com CPCP-EA. Essas descobertas contribuem para o crescente corpo de conhecimento sobre a relevância clínica do ritmo circadiano12 no tratamento do câncer1.

Veja também sobre "Câncer1 de pulmão8 - como é" e "Como evitar o câncer1".

 

Fontes:
Cancer1, publicação em 08 de dezembro de 2025.
New Scientist, notícia publicada em 09 de dezembro de 2025.

 

NEWS.MED.BR, 2025. Sincronizar a administração de medicamentos contra o câncer com o nosso relógio biológico pode aumentar a sobrevida. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1498665/sincronizar-a-administracao-de-medicamentos-contra-o-cancer-com-o-nosso-relogio-biologico-pode-aumentar-a-sobrevida.htm>. Acesso em: 30 dez. 2025.

Complementos

1 Câncer: Crescimento anormal de um tecido celular capaz de invadir outros órgãos localmente ou à distância (metástases).
2 Sobrevida: Prolongamento da vida além de certo limite; prolongamento da existência além da morte, vida futura.
3 Células: Unidades (ou subunidades) funcionais e estruturais fundamentais dos organismos vivos. São compostas de CITOPLASMA (com várias ORGANELAS) e limitadas por uma MEMBRANA CELULAR.
4 Efeitos colaterais: 1. Ação não esperada de um medicamento. Ou seja, significa a ação sobre alguma parte do organismo diferente daquela que precisa ser tratada pelo medicamento. 2. Possível reação que pode ocorrer durante o uso do medicamento, podendo ser benéfica ou maléfica.
5 Quimioterapia: Método que utiliza compostos químicos, chamados quimioterápicos, no tratamento de doenças causadas por agentes biológicos. Quando aplicada ao câncer, a quimioterapia é chamada de quimioterapia antineoplásica ou quimioterapia antiblástica.
6 Sistema imunológico: Sistema de defesa do organismo contra infecções e outros ataques de micro-organismos que enfraquecem o nosso corpo.
7 Prognóstico: 1. Juízo médico, baseado no diagnóstico e nas possibilidades terapêuticas, em relação à duração, à evolução e ao termo de uma doença. Em medicina, predição do curso ou do resultado provável de uma doença; prognose. 2. Predição, presságio, profecia relativos a qualquer assunto. 3. Relativo a prognose. 4. Que traça o provável desenvolvimento futuro ou o resultado de um processo. 5. Que pode indicar acontecimentos futuros (diz-se de sinal, sintoma, indício, etc.). 6. No uso pejorativo, pernóstico, doutoral, professoral; prognóstico.
8 Pulmão: Cada um dos órgãos pareados que ocupam a cavidade torácica que tem como função a oxigenação do sangue.
9 Carcinoma: Tumor maligno ou câncer, derivado do tecido epitelial.
10 Melanoma: Neoplasia maligna que deriva dos melanócitos (as células responsáveis pela produção do principal pigmento cutâneo). Mais freqüente em pessoas de pele clara e exposta ao sol.Podem derivar de manchas prévias que mudam de cor ou sangram por traumatismos mínimos, ou instalar-se em pele previamente sã.
11 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
12 Ritmo circadiano: Também conhecido como ciclo circadiano, o ritmo circadiano representa o período de um dia (24 horas) no qual se completam as atividades do ciclo biológico dos seres vivos. Uma das funções deste sistema é o ajuste do relógio biológico, controlando o sono e o apetite. Através de um marca-passo interno que se encontra no cérebro, o ritmo circadiano regula tanto os ritmos materiais quanto os psicológicos, o que pode influenciar em atividade como: digestão em vigília, renovação de células e controle de temperatura corporal.
13 Neoplasias: Termo que denomina um conjunto de doenças caracterizadas pelo crescimento anormal e em certas situações pela invasão de órgãos à distância (metástases). As neoplasias mais frequentes são as de mama, cólon, pele e pulmões.
14 Retrospectivo: Relativo a fatos passados, que se volta para o passado.
15 Óbito: Morte de pessoa; passamento, falecimento.
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