Gostou do artigo? Compartilhe!

Microrganismos geneticamente modificados podem modificar o microbioma intestinal e prevenir a formação de cálculos renais

A+ A- Alterar tamanho da letra
Avalie esta notícia

Pesquisadores desenvolveram bactérias intestinais geneticamente modificadas que podem decompor os compostos que contribuem para a formação de cálculos renais, além de conseguirem prosperar no competitivo microbioma1 intestinal.

Adaptar bactérias para modificar o microbioma1 intestinal dessa forma pode ir além do tratamento de cálculos renais e levar a novos tratamentos para uma série de condições, incluindo doença inflamatória intestinal e câncer2 de cólon3.

As descobertas foram publicadas na revista Science.

“A microbiota4 intestinal tem uma grande influência na nossa saúde5 e ser capaz de manipulá-la é um caminho promissor”, afirma Weston Whitaker, da Universidade Stanford, na Califórnia. Mas tentativas anteriores de fazer isso encontraram um problema. Bactérias introduzidas no intestino, sejam probióticos6 naturais ou cepas7 geneticamente modificadas, muitas vezes têm dificuldade para colonizar o intestino grosso8, porque precisam competir com os micróbios existentes.

Então, Whitaker e seus colegas adotaram uma abordagem ligeiramente diferente. Eles modificaram geneticamente uma bactéria9 já abundante no intestino da maioria das pessoas, chamada Phocaeicola vulgatus. “Queríamos algo que fosse compatível com a colonização do intestino”, diz ele.

A equipe fez três alterações genéticas. A primeira permitiu que a bactéria9 degradassse compostos presentes em alimentos chamados oxalatos, que contribuem para a formação de cálculos renais. A segunda permitiu que ela digerisse um carboidrato10 encontrado em algas vermelhas, conhecido como porfirana. Isso deu à bactéria9 uma vantagem competitiva sobre os microrganismos intestinais já existentes, a maioria dos quais não consegue utilizar porfirana. A modificação final tornou um gene essencial para a sobrevivência11 da bactéria9 dependente de porfirana. Juntas, essas alterações permitiram aos pesquisadores controlar o crescimento do micróbio: o fornecimento de porfirana estimulou a proliferação da bactéria9, enquanto a restrição de porfirana a eliminou.

Saiba mais sobre "Microbioma1 intestinal humano", "Bactérias do bem - o que elas têm a oferecer" e "Cálculo12 renal13".

Os pesquisadores alimentaram 12 ratos com uma dieta rica em oxalato por quatro dias e, em seguida, trataram metade deles com a bactéria9 geneticamente modificada e a outra metade com uma cepa14 que não conseguia decompor oxalatos. Porfirana foi adicionado à dieta diária de todos os animais. Após seis dias, os ratos tratados com a bactéria9 modificada apresentaram, em média, 47% menos oxalato na urina15 em comparação com o grupo controle.

A equipe então testou os micróbios modificados em nove pessoas com hiperoxalúria entérica, uma condição na qual o corpo absorve muito oxalato, causando cálculos renais recorrentes. Todos os participantes consumiram 10 gramas de porfirana diariamente durante 28 dias. Em comparação com três pessoas que têm a condição, mas não se submeteram ao tratamento, aqueles que o fizeram apresentaram, em média, 27% menos oxalato na urina15.

Essa redução não foi estatisticamente significativa, provavelmente devido ao pequeno tamanho da amostra, afirma Whitaker. Mas ainda há motivos para acreditar que a bactéria9 possa prevenir cálculos renais, já que outros ensaios clínicos16 sugerem que uma redução de 20% no oxalato é suficiente para reduzir os sintomas17, afirma ele.

Embora nenhum dos participantes tenha apresentado efeitos colaterais18 graves, aqueles tratados com o micróbio intestinal geneticamente modificado apresentaram maior probabilidade de apresentar dor abdominal, diarreia19 e outros problemas gastrointestinais leves.

Um problema maior é que a análise genética dos microbiomas intestinais dos participantes humanos revelou que, oito semanas após a interrupção do suplemento, apenas quatro deles ainda apresentavam bactérias capazes de digerir porfirana. Isso indica que as bactérias modificadas trocaram material genético com micróbios intestinais existentes. Isso não deve causar problemas de segurança para os participantes, mas é uma questão que precisará ser resolvida em estudos futuros, afirma Whitaker.

“Acho que essa abordagem é um verdadeiro avanço”, afirma Christoph Thaiss, também da Universidade Stanford, que não participou da pesquisa. Ele afirma que o trabalho mostra que é possível modificar micróbios intestinais com efeitos terapêuticos e fazê-los colonizar o intestino de forma confiável, uma estratégia que poderia tratar uma série de condições.

“Sabemos que nossa microbiota4 intestinal está associada a muitas doenças diferentes: diabetes20, doenças cardíacas, câncer”, diz Whitaker. “Mas não sabemos exatamente o que há na microbiota4 que está causando ou prevenindo doenças.” Desvendar essas relações será necessário para que os pesquisadores possam aproveitar ao máximo essa abordagem, afirma.

No artigo publicado, os pesquisadores descrevem a colonização controlada do intestino humano com um microrganismo terapêutico geneticamente modificado.

Eles relatam que a microbiota4 intestinal tem sido, há muito tempo, um alvo desejável para a administração clínica de medicamentos. O sucesso da terapia por essa via depende de garantir o enxerto21 dos organismos terapêuticos e sua eliminação após o tratamento. Mas a programação precisa do microbioma1 para aplicações terapêuticas é limitada pelos desafios em alcançar uma colonização colônica reprodutível.

Anteriormente, os pesquisadores haviam criado um nicho exclusivo que usaram para enxertar bactérias modificadas em microbiotas diversas em camundongos usando um prebiótico de porfirana.

Com base nessa abordagem, no estudo atual eles projetaram atenuação condicional em uma cepa14 de Phocaeicola vulgatus que utiliza porfirana, substituindo a regulação gênica essencial nativa por um promotor induzível por porfirana para permitir o enxerto21 reversível.

A engenharia de uma via de degradação de oxalato composta por cinco genes na cepa14 com capacidade de colonização reversível resultou em um candidato terapêutico que reduziu a hiperoxalúria, uma causa de cálculos renais, em modelos pré-clínicos.

O ensaio clínico de fase 1/2a demonstrou abundância do microrganismo dependente da dose de porfirana e enxerto21 reversível em humanos, além de redução de oxalato na urina15, e ainda caracterizou os desafios da estabilidade genética para alcançar um tratamento de longo prazo.

Dessa forma, embora a abordagem seja muito promissora em termos terapêuticos, até o momento ainda enfrenta problemas com a transferência horizontal de genes, criando mutantes de “escape da biossegurança”.

Leia sobre "Disbiose intestinal22", "Probióticos6 e Prebióticos" e "Edição genética".

 

Fontes:
Science, Vol. 389, N° 6757, em 17 de julho de 2025.
New Scientist, notícia publicada em 17 de julho de 2025.

 

NEWS.MED.BR, 2025. Microrganismos geneticamente modificados podem modificar o microbioma intestinal e prevenir a formação de cálculos renais. Disponível em: <https://www.news.med.br/p/medical-journal/1492165/microrganismos-geneticamente-modificados-podem-modificar-o-microbioma-intestinal-e-prevenir-a-formacao-de-calculos-renais.htm>. Acesso em: 23 jul. 2025.

Complementos

1 Microbioma: Comunidade ecológica de microrganismos comensais, simbióticos e patogênicos que compartilham nosso espaço corporal. Microbioma humano é o conjunto de microrganismos que reside no corpo do Homo sapiens, mantendo uma relação simbiótica com o hospedeiro. O conceito vai além do termo microbiota, incluindo também a relação entre as células microbianas e as células e sistemas humanos, por meio de seus genomas, transcriptomas, proteomas e metabolomas.
2 Câncer: Crescimento anormal de um tecido celular capaz de invadir outros órgãos localmente ou à distância (metástases).
3 Cólon:
4 Microbiota: Em ecologia, chama-se microbiota ao conjunto dos microrganismos que habitam um ecossistema, principalmente bactérias, protozoários e outros microrganismos que têm funções importantes na decomposição da matéria orgânica e, portanto, na reciclagem dos nutrientes. Fazem parte da microbiota humana uma quantidade enorme de bactérias que vivem em harmonia no organismo e auxiliam a ação do sistema imunológico e a nutrição, por exemplo.
5 Saúde: 1. Estado de equilíbrio dinâmico entre o organismo e o seu ambiente, o qual mantém as características estruturais e funcionais do organismo dentro dos limites normais para sua forma de vida e para a sua fase do ciclo vital. 2. Estado de boa disposição física e psíquica; bem-estar. 3. Brinde, saudação que se faz bebendo à saúde de alguém. 4. Força física; robustez, vigor, energia.
6 Probióticos: Suplemento alimentar, rico em micro-organismos vivos, que afeta de forma benéfica seu consumidor, através da melhoria do balanço microbiano intestinal.
7 Cepas: Cepa ou estirpe é um termo da biologia e da genética que se refere a um grupo de descendentes com um ancestral comum que compartilham semelhanças morfológicas e/ou fisiológicas.
8 Intestino grosso: O intestino grosso é dividido em 4 partes principais: ceco (cecum), cólon (ascendente, transverso, descendente e sigmoide), reto e ânus. Ele tem um papel importante na absorção da água (o que determina a consistência do bolo fecal), de alguns nutrientes e certas vitaminas. Mede cerca de 1,5 m de comprimento.
9 Bactéria: Organismo unicelular, capaz de auto-reproduzir-se. Existem diferentes tipos de bactérias, classificadas segundo suas características de crescimento (aeróbicas ou anaeróbicas, etc.), sua capacidade de absorver corantes especiais (Gram positivas, Gram negativas), segundo sua forma (bacilos, cocos, espiroquetas, etc.). Algumas produzem infecções no ser humano, que podem ser bastante graves.
10 Carboidrato: Um dos três tipos de nutrientes dos alimentos, é um macronutriente. Os alimentos que possuem carboidratos são: amido, açúcar, frutas, vegetais e derivados do leite.
11 Sobrevivência: 1. Ato ou efeito de sobreviver, de continuar a viver ou a existir. 2. Característica, condição ou virtude daquele ou daquilo que subsiste a um outro. Condição ou qualidade de quem ainda vive após a morte de outra pessoa. 3. Sequência ininterrupta de algo; o que subsiste de (alguma coisa remota no tempo); continuidade, persistência, duração.
12 Cálculo: Formação sólida, produto da precipitação de diferentes substâncias dissolvidas nos líquidos corporais, podendo variar em sua composição segundo diferentes condições biológicas. Podem ser produzidos no sistema biliar (cálculos biliares) e nos rins (cálculos renais) e serem formados de colesterol, ácido úrico, oxalato de cálcio, pigmentos biliares, etc.
13 Renal: Relacionado aos rins. Uma doença renal é uma doença dos rins. Insuficiência renal significa que os rins pararam de funcionar.
14 Cepa: Cepa ou estirpe é um termo da biologia e da genética que se refere a um grupo de descendentes com um ancestral comum que compartilham semelhanças morfológicas e/ou fisiológicas.
15 Urina: Resíduo líquido produzido pela filtração renal no organismo, estocado na bexiga e expelido pelo ato de urinar.
16 Ensaios clínicos: Há três fases diferentes em um ensaio clínico. A Fase 1 é o primeiro teste de um tratamento em seres humanos para determinar se ele é seguro. A Fase 2 concentra-se em saber se um tratamento é eficaz. E a Fase 3 é o teste final antes da aprovação para determinar se o tratamento tem vantagens sobre os tratamentos padrões disponíveis.
17 Sintomas: Alterações da percepção normal que uma pessoa tem de seu próprio corpo, do seu metabolismo, de suas sensações, podendo ou não ser um indício de doença. Os sintomas são as queixas relatadas pelo paciente mas que só ele consegue perceber. Sintomas são subjetivos, sujeitos à interpretação pessoal. A variabilidade descritiva dos sintomas varia em função da cultura do indivíduo, assim como da valorização que cada pessoa dá às suas próprias percepções.
18 Efeitos colaterais: 1. Ação não esperada de um medicamento. Ou seja, significa a ação sobre alguma parte do organismo diferente daquela que precisa ser tratada pelo medicamento. 2. Possível reação que pode ocorrer durante o uso do medicamento, podendo ser benéfica ou maléfica.
19 Diarréia: Aumento do volume, freqüência ou quantidade de líquido nas evacuações.Deve ser a manifestação mais freqüente de alteração da absorção ou transporte intestinal de substâncias, alterações estas que em geral são devidas a uma infecção bacteriana ou viral, a toxinas alimentares, etc.
20 Diabetes: Nome que designa um grupo de doenças caracterizadas por diurese excessiva. A mais frequente é o Diabetes mellitus, ainda que existam outras variantes (Diabetes insipidus) de doença nas quais o transtorno primário é a incapacidade dos rins de concentrar a urina.
21 Enxerto: 1. Na agricultura, é uma operação que se caracteriza pela inserção de uma gema, broto ou ramo de um vegetal em outro vegetal, para que se desenvolva como na planta que o originou. Também é uma técnica agrícola de multiplicação assexuada de plantas florais e frutíferas, que permite associar duas plantas diferentes, mas gerações próximas, muito usada na produção de híbridos, na qual uma das plantas assegura a nutrição necessária à gema, ao broto ou ao ramo da outra, cujas características procura-se desenvolver; enxertia. 2. Na medicina, é a transferência especialmente de células ou de tecido (por exemplo, da pele) de um local para outro do corpo de um mesmo indivíduo ou de um indivíduo para outro.
22 Disbiose intestinal: Definida como o desequilíbrio da flora intestinal, entre os microrganismos benéficos e patogênicos, que resulta em uma situação desfavorável à saúde do indivíduo.
Gostou do artigo? Compartilhe!